Por Felipe Dalenogare Alves - 19/01/2017
Inicio este pequeno texto opinativo, em linguagem simples, que traz ao debate uma reflexão acerca da necessária “vontade de Constituição”, no dizer de Hesse, à formação discente, com a seguinte pergunta: qual a responsabilidade que recai sobre nós, professores de Direito Constitucional, na formação de um futuro profissional do Direito (compreendidos todos aqueles que “lidam” com o Direito no seu dia-a-dia)?
A resposta é complexa e, para se chegar nela, só há um caminho: reconhecer que nossa responsabilidade é imensurável. Sim, pelos motivos que seguirão, principalmente ante a falta de “vontade de Constituição” presente em grande parcela da comunidade acadêmica e jurídica atual.
Temos que ensinar aos nossos alunos, já no início de sua caminhada acadêmica, que, ao longo de suas carreiras, devem ter “vontade de Constituição”. Ensinar-lhes que se trata de um documento político e jurídico que deve possuir força normativa, que se constitui em um pacto feito pelo povo para o povo, que elegeu valores supremos a serem guardados e protegidos acima de tudo (principalmente os direitos fundamentais) não só pelo Estado, mas também pela sociedade (que, muitas vezes, não está nem aí para eles).
É nosso dever lecionar que ela funciona como uma moldura, ou seja, que a democracia majoritária (muitas vezes seguindo o senso comum) poderá criar, modificar e extinguir apenas aquilo que estiver dentro de seus limites, das quatro margens da Constituição. Nossos alunos, de Direito, devem compreender a noção (o senso comum não a tem) do porquê da existência dos direitos fundamentais, que se revelam, também, no dizer de Novais, “trunfos contra a maioria”.
Não podemos admitir, inertes, como professores de Direito Constitucional, discursos retóricos como “estamos ouvindo a voz das ruas e, por isso, podemos riscar a cláusula pétrea da presunção de inocência”. Não podemos coadunar, em silêncio, dentro das salas de aula, com discursos como “deveríamos admitir provas obtidas por meio ilícito, em nome da boa-fé processual” ou “Direitos Humanos são para Humanos Direitos”.
Nossa indignação e a repulsa devem ser maiores ainda, quando o discurso advém de quem deveria primar pelo cumprimento da Constituição, a exemplo da tentativa inconstitucional de “gravação do diálogo entre cliente e advogado em estabelecimentos prisionais”, como defende o atual ministro-da-justiça-professor-de-direito-constitucional.
Temos que ensinar aos nossos alunos o porquê da existência de uma cláusula pétrea e as consequências disso (esses dias presenciei professores de direito constitucional defendendo a instituição de pena de morte!). Esperar o que de seus alunos, futuros profissionais do Direito?
Ademais, já vi professores de direito constitucional afirmando, ao se falar em relativização de garantias, que é necessário que “se dê um passo atrás, para se dar dois à frente”. Como assim? Significa que, em nome daquilo que “eu” penso ser “um passo a frente”, “eu” posso deixar a Constituição de lado e, “neste caso”, para “fazer justiça”, fechar os olhos às “regras do jogo”? Pergunto: em assim agindo, não estarei me rebelando à própria sociedade que as pactuou? Isso tem de ser ensinado em sala de aula!
A constante impregnação do direito pela moral, muitas vezes contaminada pelo discurso do ódio, compactuado pelo senso comum e fomentado por parte da mídia e pelos navegantes das redes sociais, chega às salas de aula e se dissemina dentre os alunos (muitos não sabem diferençar moral e direito!!!). Eis o importante papel do professor: ele deve contribuir à construção da formação em Direito (pois à moral, existe o senso comum)!
A poucos dias, em uma formatura, ouvi o discurso de uma colega professora (de Direito Constitucional), dizendo que “quando se depararem com a letra fria da lei e o sentimento de fazer justiça, optem por este”. Perguntei-me, quase caindo da cadeira, como assim? Passei alguns dias refletindo sobre o que a colega havia desejado expressar. Deduzi que dizia ela aos seus afiliados que, quando não concordassem “com a letra fria da lei”, impusessem suas convicções morais e “fizessem justiça” (não consegui interpretar de outro modo).
Não podemos deixar de lado o papel que nos cabe, de demonstrar que a Constituição deve possuir força normativa, que ela deve ser seguida por representar a nossa vontade democrática como povo que a elaborou (afinal, naquela ocasião, estavam sentados, a escrever, representantes de esquerda, de direita, de centro, de inúmeros segmentos e setores sociais). Nela foram colocados anseios morais e políticos, os quais revestiram-se em normas (direito), que não podem ser simplesmente ignoradas ou flexibilizadas pelo intérprete em substituição a seus próprios anseios morais.
Por fim, há de se dizer que o sentimento de esperança que paira sobre este jovem professor de Direito Constitucional é de que os exemplos relatados representem a visão minoritária presente nos cursos de Direito no Brasil, bem como o anseio de que esses profissionais, que tanto significam à formação daqueles que estarão presentes nos mais distintos setores sociais, assumam seu papel de disseminadores da “vontade de Constituição”, tão ausente na formação acadêmica de nossos alunos.
Felipe Dalenogare Alves é Doutorando (com bolsa Capes/Prosup – Tipo II) e Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC (Capes 5). Especialista em Educação em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Professor de Direito Constitucional no curso de Direito da Faculdade Antonio Meneghetti – AMF. Membro do Grupo de Pesquisa “Jurisdição Constitucional Aberta”, coordenado pela Profª Pós-Drª Mônia Clarissa Hennig Leal, vinculado e financiado pelo CNPq e à Academia Brasileira de Direito Constitucional ABDConst, desenvolvido junto ao Centro Integrado de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas – CIEPPP (financiado pelo FINEP), ligado ao PPGD da UNISC. Membro docente do Instituto Brasileiro de Direito e da Rede para o Constitucionalismo Democrático Latino-Americano.
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