Continuando a série de artigos sobre ressarcimento de danos elétricos, o artigo dessa semana aborda interessante tema que tem causado um certo desconforto, qual seja, o da compreensão sobre a natureza jurídica do pedido de ressarcimento realizado pela Seguradora em face da Companhia de energia elétrica (decorrente da sub-rogação em si), sob o viés da apólice contratada, assim como no tocante a competência territorial para aludido pedido de ressarcimento em havendo inúmeras ações com dano originário de diferentes comarcas.
Em primeiro lugar, imperioso a compreensão sobre a natureza jurídica do risco coberto em caso de dano elétrico, que se trata de dano oriundo de responsabilidade objetiva da Companhia de energia elétrica, desde que sua origem seja na oscilação de energia de fora da residência do consumidor. Aludido dano, normalmente, possui seu risco coberto por apólice contratada pela Companhia de energia elétrica. Entretanto, não são raras as vezes em que as atribuições da Seguradora refogem ao simples liquidar o sinistro, abarcando também em atestar que o dano é efetivamente coberto pela apólice.
Vale dizer, a apólice contratada impõe a Seguradora a confirmação sobre a origem do dano elétrico, para saber se o sinistro está efetivamente coberto pela apólice e, mais ainda, se se trata de dano cuja responsabilidade possui origem em oscilação de energia, o que, via de consequência, significa qu deveria ser responsabilidade da Companhia de energia elétrica sua reparação.
Superada essa introdução, e em sendo realizado a liquidação do sinistro, ocorre verdadeira sub-rogação nos direitos do consumidor lesado pela Seguradora que liquida o sinistro. Vejamos sobre a sub-rogação, nas palavras de Maria Helena Diniz:
A sub-rogação pessoal vem a ser a substituição, nos direitos creditórios, daquele que solveu obrigação alheia ou emprestou a quantia necessária para o pagamento que satisfez o credor [1]
Ou seja, a Seguradora ao liquidar o sinistro se sub-roga nos direitos do credor (consumidor), podendo exigir o adimplemento da dívida a ser realizado pela Companhia de energia elétrica:
Como se vê, para o devedor é um pagamento não liberatório, apesar de haver extinção da obrigação relativamente ao credor primitivo[2]
Inclusive, larga é a jurisprudência no sentido de que a sub-rogação se dá de forma integral, abarcando inclusive o ensejo às normas consumeiristas. Vale dizer, três, portanto, são os motivos da responsabilidade objetiva da Companhia de Energia Elétrica, quais sejam, tanto o disposto no art. 14 do CDC[3], passando pelo art. 210 da Resolução 210/ANEEL[4] quanto pelo art. 37, § 6º da CF[5].
E, como se verifica, até a forma de aferição do dano pela seguradora é pactuada, e em preenchendo seus requisitos, surge o direito potestativo ao seu ressarcimento.
Assim sendo, após a devida comprovação pela Seguradora sobre a origem do dano elétrico informada por meio de sinistro, e liquidação do aludido sinistro, há a sub-rogação nos direitos do credor, com a justa expectativa de seu ressarcimento.
Inclusive, para a contratação e valor do prêmio, tanto a necessidade de possuir equipe de campo para verificação de aludidos danos, quanto a expectativa de prazo para recebimento do ressarcimento fazem parte do cálculo do valor do prêmio pactuado. Há, portanto, uma assunção de responsabilidade da Seguradora em realizar os laudos e, de acordo com a mesma apólice (diante dessa responsabilidade), com o envio do kit documental (em sendo coberto o dano pelo risco da apólice, confirmado pela Seguradora) e razoável expectativa de recebimento do ressarcimento pelos danos segurados.
Portanto, em havendo, pagamento do dano pela Seguradora ao Consumidor, essa sub-roga-se no direito do consumidor, com a certeza já sobre a existência e natureza do dano coberto (com laudo e documentos previamente pactuados na apólice).
Superado isso, é deveras importante a compreensão de que, a partir do momento em que há sub-rogação nos direitos do consumidor, qual a forma que se dá o pedido de ressarcimento. Explica-se.
A partir do momento em que é paga a indenização decorrente do risco segurado e sinistrado, essa relação jurídica se extingue e nasce uma nova, a que dá ensejo a Seguradora em recobrar o ressarcimento pela liquidação do sinistro. Vale dizer, no momento em que a Seguradora busca o ressarcimento, não busca mais o ressarcimento do dano sofrido pelo consumidor, mas sim da liquidação do sinistro devidamente comprovado. A natureza jurídica é diversa.
E isso se dá com a sub-rogação e uma mutação desse fato e natureza jurídica.
a sub-rogação não tem aspecto especulativo, pois tão-somente assegura a quem solveu o débito de outrem a possibilidade de se reembolsar[6]
A sub-rogação dá ensejo ao ressarcimento. É isso inclusive o que dispõe a Súmula 188/STF:
"O segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até o limite previsto no contrato de seguro"
Assim, esperado o ressarcimento pela Companhia de energia elétrica à Seguradora, se não for de forma amigável, por meio da instauração do conflito de interesses perante o Poder Judiciário.
Urge esclarecer e compreender, tendo por base o quanto delineado acima, sobre a competência para aludida demanda.
Como já dito, diante da sub-rogação compete a Seguradora buscar o ressarcimento perante a Seguradora, nem que seja por meio do efeito substitutivo natural da Jurisdição.
E, em relação a competência para tanto, a questão mais relevante diz respeito a possibilidade de ajuizar processo em foro distinto de onde se deu o dano originário, e essa questão existe exatamente pelo fato de que a Seguradora, opta, albergada pelo ordenamento jurídico, em colocar mais de uma ação em um único processo, o que leva a danos originários ocorridos em comarcas distintas, sejam agrupados a fim de buscar a solução em um único processo, e tal prática, repita-se, albergada pelas normas de competência tem por finalidade diminuir o custo de estar em juízo, prestigiar a economia processual e a evitar aumentar o número de processos pendentes.
Ou seja, uma vez que existem vários danos de responsabilidade de uma única Companhia de energia elétrica, que já foram verificados e atestados pela Seguradora, é medida salutar reunir cada ação ajuizando um único processo, para buscar o ressarcimento.
Sobre o tema, inclusive, Vale destacar o art. 53, inciso III do CPC/15:
Art. 53. É competente o foro:
III - do lugar:
a) onde está a sede, para a ação em que for ré pessoa jurídica;
Assim, superada qualquer dúvida sobre a possibilidade do foro competente, cumpre compreender se é possível reunir em um único processo inúmeras ações, ou se traz mais prejuízo do que benefícios.
Pois bem.
No tocante aos prejuízos decorrentes da reunião de ações (com danos originários em comarcas distintas), pode existir o problema sobre a necessidade de realização de perícia, caso a Companhia de energia elétrica venha a controverter a veracidade sobre a origem do dano, diante da necessidade de expedição de carta precatória para cada uma das Comarcas dos fatos originários que deram ensejo ao processo.
Bem, primeiramente, insta destacar que não se pode afirmar sobre a certeza de necessidade de realização de perícia ou prova técnica simplificada, uma vez que depende da controvérsia da parte. Superado isso, e em havendo sim a necessidade de realização de perícia ou prova técnica simplificada, traz sim algum tempo extra para o trâmite do processo, entretanto esse fato não deve ser analisado de forma isolada, mas sim em conjunto com outros elementos também importantes para o trâmite processual, explica-se.
Dentro de todo o processo, e aqui destaca-se fundamentos de defesa, em um processo no qual é impugnado não apenas a origem do dano, mas também, por exemplo, a forma de contagem de prescrição, vício oriundo sobre a pessoa que assina o termo de sinistro ser diferente de quem é o usuário da unidade consumidora, falta de documentos essenciais para propositura da demanda, falta de interesse de agir, impugnação sobre a forma de vistoria, caso fortuito ou de força maior, dentre outros, temos que a elaboração da perícia é pequeno ato interprocessual dentre todos os outros que serão objeto de decisão judicial ao longo de toda a marcha.
E, evidentemente, sobre todos os outros fundamentos se impera a necessidade de interpretação harmoniosa, o que sem dúvida alguma se alcança com o processo conter inúmeras ações, mesmo que essas digam respeito a danos originários de diversas comarcas. Vale dizer, embora a perícia possa vir a ser necessária, mais necessário ainda é a atuação do Poder Judiciário sobre os outros temas da defesa e do processo, o que leva a conclusão de que a reunião de inúmeras ações em um único processo é medida que se curva aos princípios processuais respeitando-os.
Em outras palavras, aludida reunião de ações em um único processo, sem deixar dúvida, evita a proliferação de processos que poderiam ser reunidos. No mesmo sentido, verifica-se que a eventual prova a ser realizada, é uma ínfima parte do processo, principalmente se houver no processo uma grande variedade de defesas, tanto de direito quanto sobre fatos comprováveis documentalmente. Afinal, todas as decisões incidentais no processo independem do local onde o processo tramita, e a reunião de ações parece beneficiar o que busca o Poder Judiciário com a reunião de demandas em um único processo.
Assim, eventual argumento sobre a necessidade de perícia, é grão de areia no caminho do processo, e esse fato não pode obstar todos os benefícios que advém com a reunião de ações em um único processo.
Então, diante dessa sub-rogação e relação jurídica, a Seguradora pode pedir o ressarcimento que decorre do contrato da apólice de seguro, e não mais do dano originário do consumidor reunindo em um único processo diversas ações, mesmo que de diferentes comarcas.
Conclui-se, portanto, que se a Seguradora liquida o sinistro de dano elétrico, se sub-roga nos direitos do consumidor para poder exigir ressarcimento da companhia de energia elétrica, principalmente em decorrência de possuir certeza sobre a origem do dano decorrente de laudo realizado e comprovando aludido problema, e, além disso, a possibilidade de reunir inúmeros sinistros, mesmo se os danos originários forem de comarcar diversas, traz mais benefício ao processo, conforme demonstrado, do que a necessidade de se expedir carta precatória para realização de eventual perícia, sendo, portanto, medida que deve ser estimulada.
Notas e Referências
[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral das obrigações. Saraiva: 2007. 22ª ed. p. 261
[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral das obrigações. Saraiva: 2007. 22ª ed. p. 261
[3] Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
[4] Art. 210. A distribuidora responde, independente da existência de culpa, pelos danos elétricos causados a equipamentos elétricos instalados em unidades consumidoras, nos termos do art. 203.
[5] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
[6] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral das obrigações. Saraiva: 2007. 22ª ed. p. 262
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