A não designação da audiência preliminar de conciliação ou mediação e a real efetividade do CPC/15 – Por Gustavo de Melo Vicelli

08/09/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

1. INTRODUÇÃO

Após um ano e meio de vigência com a estipulação de diversas mudanças à prática forense, o CPC/15 ainda vem sendo alvo de críticas e polêmicas frente aos aplicadores do direito.

Dentre as discussões, o CPC/15 trouxe uma “nova” filosofia processual: a instituição do modelo cooperativo, onde em atenção aos princípios da oralidade e da inafastabilidade, o processo judicial deixará de atuar exclusivamente como um instrumento de acesso à jurisdição e passará a atuar para a melhor resolução dos conflitos, de forma efetiva e substancialmente satisfatória – que não necessariamente se dará pela via litigiosa[1].

Para tanto, trouxe à sistemática processual, em seu artigo 334, as chamadas audiências prévias/preliminares de conciliação e mediação.

2. O MODELO MULTIPORTAS E O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Não é de hoje que o termo “justiça” vem sendo colocado em xeque, sobretudo pela morosidade, inefetividade e insatisfatoriedade do processo judicial perante a população brasileira.

A morosidade, no entanto, em grande parte está relacionada ao fato de que no Brasil ainda predomina a cultura da litigiosidade, ou seja: a ideia de que a solução efetiva somente é possível pela figura do juiz, com a imposição da sentença judicial e determinado entendimento contra a parte contrária [2].

Foi neste contexto que o CPC/15 foi elaborado, trazendo ao sistema processual civil brasileiro o “Modelo Multiportas de Acesso à Justiça”.

Para tanto, inseriu em seus artigos 1° ao 12, preceitos de caráter principiológico constitucional, os quais foram propositalmente intitulado: “Normas Fundamentais do Processo Civil”. Dentre o rol mencionado, os artigos 3° e 4° trouxeram a efetivação do Princípio do Acesso à Justiça (art. 5°, XXXV da CF), os quais inauguraram em nosso ordenamento jurídico o mencionado Modelo Multiportas.

Entende-se por Modelo Multiportas a submissão de determinado conflito à técnica que melhor lhe apresentará uma solução ao caso concreto.

Para tanto, adotou os meios alternativos de resolução de conflitos: a conciliação, mediação e composição, os quais representam meios eficazes e adequados para a resolução de determinados justamente por serem mediatos, de baixo custo e a decisão provinda do próprio consenso das partes – o que possibilita uma melhor compreensão e superação dos problemas [3].

3. A AUDIÊNCIA PRELIMINAR DE CONCILIAÇÃO OU MEDIAÇÃO (ART. 334, CPC)

No âmbito prático, alterou-se um dos principais atos processais: a citação da parte adversária.

Agora, distribuído o processo e constatando não ser o caso de emenda à petição inicial, indeferimento da petição inicial ou de julgamento liminar de improcedência do pedido, o magistrado determinará a citação do requerido para comparecimento em audiência de conciliação/mediação designada.

Observa-se, portanto, a significativa mudança em relação ao Código antecessor: o conteúdo da citação será para o comparecimento à audiência designada e o oferecimento da defesa postergado para momento futuro.

Em relação à técnica a ser desenvolvida em audiência, esta dependerá do objeto da lide a ser instaurada, sendo que os critérios para sua escolha estão elencados no próprio CPC – art. 165, §§ 2° e 3°.

Além disso, estipula o artigo 334, §1° que a audiência deverá ser conduzida preferencialmente por um conciliador ou mediador, ficando a encargo do magistrado somente em face de legítima impossibilidade. Tal medida, apesar de aparentemente inócua, visa propiciar as partes o amplo poder de negociação, uma vez que possibilitará a discussão do caso concreto sem que haja qualquer anotação em ata ou interferência na imparcialidade do juiz ao julgar futuramente o mérito.

Tema polêmico, no entanto, refere-se a não designação da audiência preliminar.

Dispõe o art. 334, §4° que a não designação está condicionada à existência de dois fatores: i) desinteresse na realização do ato por ambas as partes ou; ii) objeto do processo não admitir a autocomposição.

Ocorre que, habitualmente no cotidiano forense, nos deparamos com decisões que, sob os mais diversos argumentos (estatísticas de acordos insignificantes, encurtamento da pauta, prestação jurisdicional mais célere, possibilidade de futura conciliação, ausência de prejuízo às partes etc.), dispensam a realização do ato, sem que as justificativas legais do §4° estejam presentes.

Contudo, conforme já mencionado, a fundamentação para a realização do ato é derivada dos §§ 2° e 3° do art. 3º do CPC, os quais fazem parte do rol de artigos intitulado de “Normas Fundamentais do Processo Civil”.

Observa-se, ainda, a utilização de verbos de comando imperativos (“promoverá”, “deverão”, “designará” etc.) tanto no artigo 3° como no artigo 334, o que não traz, em momento algum, o entendimento de que sua aplicação seja uma faculdade do magistrado, mas sim de um poder-dever.

Além disso, as causas de dispensas elencadas são taxativas, não sendo admitida a sua interpretação de forma extensiva para inclusão de outras causas de dispensa da realização, sob pena de ferir princípio do acesso à justiça.

Assim, não me parece razoável que o magistrado possa dispensar a sua realização fundando-se em meros critérios estatísticos ou opiniões de caráter pessoal.

No tocante à primeira hipótese de dispensa da realização, nota-se que a redação da norma é bem clara ao exigir a manifestação expressa por ambas às partes[4], ou seja: pelo autor na petição inicial (art. 319, VII) e pelo réu através de petição a ser protocolada com 10 dias de antecedência da data designada (art. 334, §5°).

Importante destacar, ainda, a impossibilidade da interpretação do silêncio da parte autora por parte do magistrado, uma vez que a manifestação de interesse na realização é um dos requisitos da petição inicial (art. 319, VII do CPC). Assim, silenciando-se o autor, é imprescindível a determinação de emenda à petição inicial para sua expressa manifestação – nos mesmos moldes em que é determinada pela não observância dos demais requisitos.

Desta forma, o texto legal é claro e estabelece limites para a dispensa da audiência prévia de conciliação.

Neste sentido, a própria Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) se posicionou em seu enunciado de n° 61[5].

Percebe-se, portanto, a grande importância atribuída à realização do referido ato, uma vez que, além da reestruturação processual, trouxe penalidade às partes que injustificadamente faltarem à audiência: a caracterização de ato atentatório à dignidade da justiça com imposição de multa de 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa.

Assim, não tendo as partes à liberdade para simplesmente não comparecer a audiência, a contrario sensu, não parece razoável poder o magistrado deixar de designa-la por motivos estranhos a norma federal.

Porém, ainda assim ocorrendo a dispensa fora das hipóteses legais, quais os meios cabíveis para impugnação?

O artigo 337 do Código de Processo Civil traz um rol de matérias a serem alegadas preliminarmente em contestação. Dentre as hipóteses, o inciso I traz a previsão da preliminar de inexistência ou nulidade da citação.

Não há de se falar, propriamente, em nulidade ou inexistência da citação. A citação do requerido para integração ao polo passivo e apresentação de sua defesa, muito embora lhe suprima o direito da realização da audiência de conciliação, existiu no plano fático (não havendo, portanto, inexistência) e foi plenamente válida, vez que foram empregados meios lícitos e legais em seu cumprimento.

No tocante a interposição de Agravo de Instrumento, o art. 1015 do CPC trouxe um rol taxativo de matérias passíveis de impugnação, dentre os quais a presente situação não se enquadra em nenhum dos incisos previstos. Ademais, sua aplicação não ocorrerá ainda que se admita a interpretação ampliativa dos incisos do art. 1015[6], uma vez que inexistente hipótese semelhante ou que de algum modo se relacione com o presente tema.

Desta forma, não sendo possível a impugnação por tais meios, não há de falar em preclusão (art. 1.009, §1° do CPC), ficando a possibilidade de impugnação restrita preliminar de apelação.

Embora tal meio se apresente como a via correta, inegável que é pouca efetividade prática, visto que buscará se discutir após a prolação da sentença, ato judicial nulo praticado em despacho inicial, acarretando, consequentemente, na anulação de todos os atos posteriores.

É verdade que cogitar a anulação de toda a fase cognitiva e probatória pela não realização da audiência prévia de conciliação soa um pouco exagerado.

Contudo, vivenciamos atualmente a inutilização da norma processual por grande parte do Poder Judiciário em primeira instância, o que nos traz incerteza e insegurança quanto a real efetividade do CPC/15.

É verdade, ainda, que o CPC dispõe (art. 139, V), que as tentativas de conciliação e mediação poderão ser realizadas a qualquer tempo do processo.

No entanto, tal previsão não retira o caráter prejudicial da não designação arbitrária da audiência preliminar, uma vez que suprimi das partes a possibilidade de resolução do conflito por um meio pacífico, eficaz, sem a necessidade da intervenção estatal e procrastinação processual.

A previsão do mencionado inciso V, ao que nos parece, diz respeito a situações em que as partes cheguem a um consenso no correr do processo que não conseguiram, inicialmente, na audiência preliminar. Trata-se de hipótese pensada na situação de amadurecimento das tratativas das partes, que o legislador fez constar justamente para não retirar o direito de assistência de um conciliador/mediador posteriormente a realização da audiência preliminar, mas que em momento algum teve o intuito de desobrigar a designação do ato preliminar. Quanto a isto, não resta dúvida ao realizar uma leitura atenta das disposições legais.

Neste sentido, também dispõe Teresa de Arruda Alvim: “[...] a perspectiva de prejuízo não é critério apto a influir no problema da arguição ou da decretação das nulidades absolutas, mas só o prejuízo já ocorrido ou o prejuízo que não tenha ocorrido (aplicação retroativa do princípio)” [7].

4. CONCLUSÃO

Assim, visando erradicar esse grave desrespeito à norma federal, o acolhimento do pedido de anulação do processo em sede de apelação (art. 1009, §1° CPC) pode vir a servir como freio e ter um caráter disciplinador para tais atitudes arbitrárias cotidianamente cometidas pelos magistrados de 1° grau.

Talvez tal desrespeito seja somente a falta de costume e adequação dos aplicadores do direito que – conforme diz o antigo ditado popular – “já estão com a boca torta de tanto usar o cachimbo da Lei antiga”.

Conforme brilhantemente ressaltou Marcelo Mazzola: ‘não podemos enxergar o presente com lentes retrospectivas. Vivemos uma fase de transformação da cultura do litígio pela cultura do diálogo e, nesse percurso, é fundamental que a bússola interpretativa de nossos tribunais esteja calibrada para assegurar as garantias e os direitos fundamentais, valorizando, sempre que possível, a “solução pacífica das controvérsias.” [8].

Assim, ainda que pela via da declaração da nulidade de todos os atos processuais subsequentes, mostra-se imprescindível a coibição tal prática, a fim de adequar a sistemática processual à finalidade pretendida pelo Novo Código e tão necessária para a prática forense.


Notas e Referências:

[1] REZENDE, Renato Horta. O Novo Código de Processo Civil voltado para a resolução de conflitos: mudança de paradigma? Revista dos Tribunais. Vol. 965, ano 105. p. 75-97. São Paulo: Ed. RT, mar.2016.

[2] WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e meios consensuais de solução de conflitos. In: ALMEIDA, Rafael Alves de; ALMEIDA, Tania; CRESPO, Mariana Hernandez. Tribunal Multiportas. Rio de Janeiro: FGV, 2012. Cap. 3. p. 87-94.

[3] GEVARTOSKY, Hannah. A realização de audiência de mediação/conciliação initio litis no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. vol. 260. ano 41. p. 415-437. São Paulo: Ed. RT, out. 2016.

[4] Posicionam-se em sentido contrário: Alexandre Freitas Câmara e José Miguel Garcia Medina.

[5] Enunciado n° 61 - ENFAM: “Somente a recusa expressa de ambas as partes impedirá a realização da audiência de conciliação ou mediação prevista no art. 334 do CPC/2015, não sendo a manifestação de desinteresse externada por uma das partes justificativa para afastar a multa de que trata o art. 334, § 8º” - destaque nosso.

[6] Corrente defendida pelo doutrinador Fredie Didier Junior, por exemplo.

[7] WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Nulidades Processuais: Função dos princípios no plano pragmático. In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença. 7. ed. São Paulo: Rt, 2014. Cap. 29. p. 239.

[8] MAZZOLA, Marcelo. Tribunais brasileiros devem valorizar solução pacífica de controvérsias. 2017. Disponível em: <http://vlex.com/vid/tribunais-brasileiros-devem-valorizar-663071633>. Acesso em: 18 mar. 2017.


 

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