Por Vitória Buzzi - 12/11/2015
O Brasil é o quinto país onde mais se matam mulheres[1]. A taxa é de 4.8 homicídios[2] a cada 100 mil mulheres – um aumento de 111,1% em relação à década de 80. Comparando com as estatísticas internacionais, temos aqui 48 vezes mais homicídios femininos que o Reino Unido, e 24 vezes mais do que a Irlanda ou a Dinamarca.
Na prática, ocupar o quinto lugar significa que 13 mulheres são mortas diariamente, vítimas de agressões intencionais de terceiros. Significa que temos uma nova vítima mulher a cada duas horas. Significa que nunca tantas mulheres foram assassinadas no Brasil[3].
Shirley Luciane Silva, empregada doméstica de 29 anos, morava há alguns meses de favor na casa de uma amiga no bairro de São Mateus, zona leste de São Paulo. Depois de terminar o relacionamento com Ivan Gomes, vigilante de 31 anos, foi morar no apartamento da amiga, localizado em um conjunto habitacional. Na madrugada de 30 de outubro de 2013, Ivan foi ao local querendo reatar o namoro. Shirley se negou, e foi morta com sete facadas na frente de seus dois filhos.
O triste destaque é da população negra, vítima prioritária da violência homicida no país. Enquanto o número de assassinatos de mulheres brancas caiu 9,8% em uma década, o de mulheres negras aumentou em 54,2% no mesmo período. O índice de vitimização[4] negra cresceu em 191%, ou seja, cada vez mais, mata-se mais mulheres negras do que brancas.
São também as mulheres jovens as maiores vítimas. É na faixa de idade dos 18 a 30 anos que a maioria dos assassinatos ocorrem – um indicativo da domesticidade dos delitos. No total, 55,3% dos crimes contra as mulheres foram cometidos no ambiente doméstico, e em metade de todos os casos registrados, o agressor era parceiro ou ex-parceiro das vítimas.
Shirley foi mais uma das 2.875 mulheres negras mortas em 2013. Era jovem, era negra, e foi morta pelo próprio companheiro: um retrato preciso do grupo de mulheres mais vulneráveis à violência no Brasil.
É importante fixar que estamos falando aqui, predominantemente, de assassinatos motivados por questões de gênero[5]. A vulnerabilidade feminina, diferente da masculina, se dá também no ambiente doméstico. A mulher morre em casa, e morre pelas mãos do companheiro ou ex-companheiro com quem dividia a vida.
A violência doméstica ainda é a grande causadora dos homicídios femininos no Brasil. Pensar em políticas públicas de enfrentamento é pensar nas características e necessidades específicas das vítimas afetadas por ela. Diferentes grupos de risco requerem diferentes soluções, e tentar homogeneizar os casos, sem evidenciar as particularidades das vítimas, das circunstâncias e dos agressores, é silenciar grupos já marginalizados.
Segundo a OMS, a violência contra a mulher é marcada diretamente por um alto nível de tolerância desta violência em uma sociedade. Combater essa inércia começa com a compreensão de que o assassinato feminino é apenas mais uma faceta da violência contra as mulheres. Violências familiares, domésticas, racistas, físicas, psicológicas, etc., formam um longo percurso cujo desfecho é, geralmente, trágico. A naturalização destas agressões (e até mesmo a romantização de algumas delas, fantasiadas de “crimes passionais”) é, sem dúvida, a arma mais eficaz do patriarcado para apagamento do sofrimento feminino.[6]
Notas e Referências:
[1] Em um total de 83 países pesquisados.
[2] As mortes consideradas são fruto de agressões intencionais de terceiros.
[3]A conclusão é fundamentada percentualmente, e não em números absolutos.
[4]Índice de vitimização negra é a diferença percentual entre as taxas de homicídio de mulheres negras e mulheres brancas.
[5] Para configuração do feminicídio, o homicídio de mulher deve ocorrer por “razões de condição de sexo feminino”, existentes quando o crime envolve violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Neste sentido, podemos dizer que todo feminicídio é um homicídio feminino, mas nem todo homicídio feminino é um feminicídio.
[6] Todos os dados foram retirados do Mapa da Violência 2015: Homicídio de mulheres no Brasil, disponível em www.mapadaviolência.org.br
Vitória Buzzi é graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, advogada, escritora do livro “Pornografia de Vingança”, e, claro, feminista.
Email: vitoriabuzzi@gmail.com
Imagem Ilustrativa do Post: © Direitos reservados a Laura Wilson
O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.