Coluna Advocacia Pública e outros temas Jurídicos em Debate / Coordenadores José Henrique Mouta e Weber Oliveira
O Tema 1190 do STJ, julgado na sessão do órgão especial do dia 20 de junho de 2024, trouxe sensível alteração no que toca à condenação em honorários advocatícios em cumprimento de sentença não impugnado pela Fazenda Pública. O cerne da questão está na interpretação do art. 85, §7º. do CPC e a jurisprudência até então consolidada no STF e no STJ.
O art. 85, §7º estabelece que “não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada.” A interpretação literal do dispositivo, no sentido de que somente haveria exclusão dos honorários no cumprimento de sentença não impugnado em que fosse necessária a expedição de precatório, não incidindo no caso de pagamento por RPV, estava conforme o entendimento do STJ firmado no julgamento do ERESP 676.719/SC.
Nesse julgamento, havido em 28 de setembro de 2005, a Corte Especial do STJ, sob a relatoria do Ministro José Delgado, acatando o quanto decidido pelo STF no julgamento do RE 420.816/PR, em que foi questionada a constitucionalidade do art. 1º.-D da Lei 9494/1997[1], estabeleceu o seguinte entendimento:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 20, § 4º, DO CPC (REDAÇÃO DA LEI Nº 8.952/94). DECISÃO PELA CORTE ESPECIAL DO STJ. ART. 1º-D DA LEI Nº 9.494/97 (REDAÇÃO DO ART. 4º DA MP Nº 2.180-35/01). INAPLICABILIDADE A CRÉDITO DE PEQUENO VALOR, MESMO EM PROCESSO EXECUTIVO INICIADO APÓS A EDIÇÃO DA MP. PRECEDENTES DO STF E DO STJ.
1. Pacífico no STJ que, estabelecido o contraditório, desenvolvendo-se o processo com a ocorrência de verdadeiro litígio, e que uma das partes resulte sucumbente em face de pretensão resistida que levou ao surgimento da lide, é devida a condenação na verba honorária. O art. 20 do CPC não distingue se a sucumbência é relativa só à pretensão cognitiva ou se à execução fiscal por título judicial. São autônomas, desenvolvem-se e são julgadas à parte, e o objeto de uma não se confunde com o da outra. Os patronos das partes realizaram trabalho e a eles não é dado o bel-prazer de laborarem de graça. O citado artigo não deixa dúvida sobre o cabimento da verba honorária em execução, seja ela embargada ou não, não fazendo a lei, para tal fim, distinção entre execução fundada em título judicial e em título extrajudicial.
2. A Corte Especial (EREsp nº 217883/RS, DJ 01/09/2003 e AgReg nos EREsp nº 433299/RS, j. em 27/03/2003) decidiu que na execução de título judicial, embargada ou não, é cabível a condenação de honorários de advogado, ainda que devedora a Fazenda Nacional, nos termos dos arts. 100 da CF/88 e 730 do CPC.
3. São indevidos os honorários reclamados quando a execução iniciou-se após a vigência da MP nº 2.180-35, de 24/08/2001.
4. No entanto, o colendo STF, ao julgar o RE nº 420816/PR (decisão perfilhada no AgReg no RE nº 440458-3/RS e no RE nº 437484/RS), orientação seguida, também, por este Tribunal (AGREsp nº 682828/SC;
EDcl no AGREsp nº 624712/RS; AgReg nos EDcl no REsp nº 689791/SC;
AGREsp nº 672545/SC; AGREsp nº 714065/SC e AGREsp nº 665394/SC), adotou entendimento conforme a Carta Magna para determinar o alcance da vedação contida no art. 1º-D da Lei nº 9.494/97, declarando, incidentemente, a constitucionalidade da MP nº 2.180-35/01, com interpretação de modo a reduzir-lhe a aplicação à hipótese de execução, por quantia certa, contra a Fazenda Pública (CPC, art. 730), excluídos os casos de pagamento de obrigações definidos em lei como de pequeno valor, objeto do § 3º do art. 100 da CF/1988.
5. São devidos, portanto, honorários em execução, mesmo que não-embargada, cujo crédito seja de pequeno valor, id est, com valores inferiores a sessenta (60) salários-mínimos, pagos por intermédio de requisições de pequeno valor (RPV).
6. Embargos de divergência conhecidos e parcialmente providos.
Desde então, o STJ aplicava tal entendimento, por considerar que ao contrário dos precatórios, que seguem o trâmite previsto constitucionalmente no art. 100, os requisitórios de pequeno valor ensejariam a possibilidade de cumprimento espontâneo por parte da fazenda.
Com a entrada em vigo do CPC/15, passou-se a interpretar restritivamente o art. 85, §7º, condenando a Fazenda no pagamento de honorários nos cumprimentos de sentença sujeitos a RPV mesmo quando não houvesse impugnação.
Ocorre que esse entendimento, além de não fazer sentido em termos sistêmicos, uma vez que o RPV, assim como o precatório, segue um procedimento legal de pagamento, não permitindo o adimplemento espontâneo pela Fazenda Púbica, quando analisado em termos práticos pela ótica da Fazenda, tornava mais interessante fazer uma impugnação parcial sem qualquer fundamento jurídico, para que a condenação na verba honorária fosse apenas parcial, do que cumprir o julgado na forma legal, com a expedição imediata do RPV.
Esse comportamento contraria a ideia de um processo célere, eficiente e cooperativo, levando a parte a promover incidente desnecessário para evitar a aplicação de entendimento prejudicial ao interesse público. Isso porque, caso não houvesse qualquer resistência ao cumprimento de sentença de valor inferior ao estabelecido para a expedição de precatório, incidiria a verba honorária sobre todo o valor executado, enquanto na hipótese de haver impugnação, os honorários incidiriam apenas sobre o valor impugnado. Um verdadeiro non sense.
Tal situação não retrata o quanto pretendido pelo sistema processual atual, que preza pela atuação voltada à solução efetiva dos litígios da maneira mais eficiente e em prazo razoável. Por essa razão, o STJ houve por bem afetar o tema para uma nova análise em sede de julgamento de recursos repetitivos, ensejando o Tema 1190.
Desse modo, constatou o STJ ser mais producente para a efetividade do processo, além de estar mais afinada com a função da condenação da verba honorária na fase de cumprimento de sentença – qual seja a de funcionar com verdadeira sanção premial ao devedor que não apresentar impugnação indevida e cumprir imediatamente com o pagamento da obrigação - interpretar o dispositivo do art. 85, §7º de maneira mais ampla, englobando tanto o pagamento por meio de precatórios, como o pagamento por RPV, tendo-se firmado a seguinte tese:
Tese – tema 1190 STJ: Na ausência de impugnação à pretensão executória, não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais em cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública, ainda que o crédito esteja submetido a pagamento por meio de Requisição de Pequeno Valor - RPV.
Nota e referência:
[1] Acrescido pela MP 2.180-35, de 24.8.2001, dispondo o seguinte: "Não serão devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções não embargadas."
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