A MORTE EM VIDA: PROBLEMA EM ASCENSÃO NOS DIFERENTES ARRANJOS FAMILIARES DO SÉCULO XXI 

07/05/2020

Nos últimos anos, é perceptível e comprovado com dados científicos de pesquisa que, no âmbito do Direito de Família, os tribunais usualmente enfrentam diversos conflitos em relação à guarda e à custódia de crianças e adolescentes por parte de seus genitores. Percebe-se que problemas referentes a disputas familiares, como a guarda e a custódia de crianças e adolescentes, são, eventualmente, permeados por diversos efeitos psicológicos, a exemplo da Síndrome de Alienação Parental (SAP), a qual, por sua vez, advém da prática ilícita conhecida como alienação parental.  

Do Judiciário espera-se agilidade em relação a eventuais indícios da prática da alienação parental para que decisões judiciais possam evitar o desenvolvimento da SAP. Para tal, há medidas a serem aplicadas no intuito de preservar a criança ou adolescente com suspeita de alienação parental, como a tutela antecipada ou medidas cautelares, as quais são temporárias e não definitivas. Entretanto, cabe ponderar que a aplicação de uma medida acauteladora precisa vir com a prerrogativa de permitir um estudo psicológico mais profundo das crianças, desse modo, o Judiciário agirá em prol da sociedade e do ser humano, evitando o desenvolvimento da SAP. De acordo com estudos da Psicologia, sabe-se quão difícil é o tratamento e quão difícil é a readequação deste ser humano, pois se entende que cura não é possível, mas sim a readequação uma vez que o dano psicológico já foi causado. 

Este estudo tem o objetivo de elucidar e diferenciar alienação parental e Síndrome de Alienação Parental (SAP), apresentando as contribuições do Direito e da Psicologia a fim de dirimir os seus efeitos danosos. Portanto, a partir da Pesquisa Qualitativa, por meio da análise de conteúdo das falas nas histórias narradas no filme-documentário A morte inventada – dirigido pelo cineasta brasileiro Alan Minas – e da definição de aspectos basilares, buscou-se formular práticas de integração entre Direito e Psicologia a fim de que o bem-estar de crianças e adolescentes seja preservado, buscando evitar a alienação parental, bem como suas consequências. 

 

Interfaces jurídicas e psicológicas da alienação parental e da Síndrome de Alienação Parental 

A alienação parental e a Síndrome de Alienação Parental são comumente confundidas, diferenciá-las, portanto, auxilia na tomada de decisão no que tange a cada uma. A primeira consta na lei de número 12.318, de 26 de agosto de 2010, a qual em seu artigo 2º considera alienação parental “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou o adolescente sob sua guarda”¹ a fim de prejudicar a relação entre o menor e o genitor-alvo. 

No parágrafo único do artigo 2° encontram-se as diversas ações consideradas, a partir de perícia e constatação judicial, exemplos de ações alienantes na esfera da parentalidade. São diversos atos que, a depender das circunstâncias descritas, caracterizam a alienação parental. O dispositivo legal citado elenca sete incisos, os quais estabelecem ações alienantes, a saber: 

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;  

II - dificultar o exercício da autoridade parental;  

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;  

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;  

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;  

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;  

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. ¹ 

A partir das ações realizadas que configuram práticas de alienação parental, a criança e/ou o adolescente atingido absorve os efeitos da manipulação sofrida, os quais podem ser refletidos em diversas consequências maléficas, o que caracteriza a SAP. De acordo com Trindade², pode-se definir a alienação parental como uma forma de coparentalidade maligna, algo que representa, simbolicamente, o ódio do alienador despejado na criança ou adolescente como uma forma de atacar e desconstruir o outro, genitor-alvo. Diante dessa situação, a criança e/ou o adolescente vê-se impelido a pactuar das ações desqualificadoras realizadas pelo alienador e é nesse momento que se pode perceber a insurgência da SAP. 

A Síndrome de Alienação Parental foi um termo criado em 1985 por Gardner³ para descrever um distúrbio da infância e/ou adolescência que aparece quase exclusivamente no âmbito de disputas de custódia. Em síntese, o autor define a SAP como uma propaganda realizada pela própria vítima da alienação que desqualifica a imagem do outro genitor. Dessa forma, Gardner³ afirma:

[...] Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo.  

Quando a criança e/ou o adolescente recebe diariamente uma série de informações caluniosas relacionadas ao outro genitor, que não detém sua guarda, tende a nutrir sentimentos constantes de raiva e ódio contra o genitor alienado, bem como se recusa a dá-lo atenção ou a visitá-lo. Essas situações causam consequências futuras, visto que vítimas da SAP são mais propensas a apresentar queda do rendimento escolar; distúrbios psicológicos como depressão, ansiedade e pânico; usar drogas e álcool como forma de aliviar a dor e a culpa da alienação; apresentar baixa autoestima e/ou agressividade; repetir o discurso do alienante e entre outros.4  

Em busca de compreender os efeitos danosos da alienação parental e como a SAP pode prover consequências ao indivíduo para além das fases da infância e da adolescência, foram coletados e analisados relatos do filme-documentário brasileiro intitulado A morte inventada gravado em 2009. O roteiro traz casos em que genitores e seus filhos, que se identificaram com as características da SAP, relatam detalhes de suas histórias e seus dilemas psicológicos. 

O quadro 01 expressa relatos, em que os sentimentos usualmente expostos são de angústia, raiva e frustração, isto é, sensações comumente carregadas de uma valoração negativa atreladas a um dos genitores. Logo, em virtude da manipulação realizada por um dos genitores, pelos avós ou até por quem detém a guarda da criança ou do adolescente, a criança e/ou o adolescente vão construindo uma formação de personalidade deficiente e consoante ao desprezo pelo outro genitor. Isso gera uma confusão mental uma vez que ao mesmo tempo que a criança e/ou o adolescente deseja a presença do genitor afastado, o repudia em concordância com o alienante. Tudo isso pode produzir no sujeito que sofre ou sofreu com a alienação parental a dificuldade em conviver com a verdade por ter sido constantemente levado a um jogo de manipulações, ademais, esse sujeito pode aprender a conviver com a mentira e a expressar falsas emoções. 

Quadro 01: Depoimentos de pessoas vítimas da alienação parental 

1. 

“Quando o meu filho voltava para casa, das férias ou do final de semana com o pai, ele nem olhava para a minha cara. Ele entrava pela porta e nem me olhava, eu não conseguia falar com ele. Ele ficava travado e agressivo.” 

2. 

“[...] ele [o pai] ia buscar a gente às vezes, mas [...] se eu saísse com ele, e, estivesse curtindo estar com ele, era como se eu estivesse traindo a minha mãe, sabe? Estar com meu pai era mais uma obrigação.” 

3. 

“Ao mesmo tempo que eu queria que ele estivesse mais presente [...] eu queria que não voltasse nunca mais.” 

Fonte: Adaptado pelas autoras de A MORTE...20095

No que tange a falácia de que a alienação parental é cometida em grande parte pelo genitor do sexo feminino, cabe salientar que desde o final da década de 1990, com a insurgência do advento da guarda compartilhada, vem ocorrendo o equilíbrio entre o número de pais e mães que promovem ações de alienação parental e, por conseguinte, a SAP ocorre tanto no ambiente paterno quanto materno em pé de igualdade qualitativa, na medida em que as guardas são concedidas de maneira conjunta.6 

Nesse sentido, mais do que somente estabelecer leis como a específica da alienação parental, é necessário que os sintomas da SAP sejam identificados o quanto antes pelos profissionais competentes para evitar graves danos ao desenvolvimento biopsicossociocultural do sujeito. Portanto, uma vez que a alienação parental e a SAP detêm implicações em diversas áreas do saber, é necessário utilizar abordagens interdisciplinares para melhor proteger crianças e/ou adolescentes vulneráveis às condutas alienantes 

Desse modo, diante de posições diferentes em relação à legislação e à pertinência do tema na sociedade brasileira, é necessário atentar-se que a alienação parental e suas consequências são fatos. As ações alienantes e a SAP causada por estas ações existem e afetam os diversos arranjos familiares como pôde-se perceber na análise dos depoimentos colhidos no documentário. Entretanto, a instituição de leis não é garantia de que a saúde mental e física da criança e/ou do adolescente seja preservada. A maneira como a legislação é aplicada torna-se questão essencial, uma vez que se deve conservar os objetivos das normas criadas, sem subversão.   

 

Considerações Finais 

Após esta breve exposição, é possível refletir que a alienação parental não é um problema novo, mas tem se mostrado cada vez mais frequente no Poder Judiciário brasileiro em processos de dissolução de vínculo matrimonial com disputa de guarda ou custódia de crianças e/ou adolescentes.  Tal prática tem a finalidade de fazer com que a criança e/ou o adolescente desenvolva(m) afetos negativos em relação a um genitor, causando prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos entre eles.  

A SAP foi reconhecida em junho de 2018 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para ser adicionada na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, ou CID-11, e posta em vigor no dia 1º de janeiro de 2022. A entrada da SAP na CID atribui reconhecimento oficial e internacional para esta síndrome que gera consequências prejudiciais ao sujeito. 

A Psicologia, no que concerne à SAP, tem papel fundamental para auxiliar na prevenção, no diagnóstico e na reestruturação emocional e psíquica da pessoa alienada. Ademais, nos casos que se apresentam ao Poder Judiciário brasileiro, é preciso que a ação dos profissionais das áreas do saber Direito e Psicologia sejam efetivas para se identificar práticas de alienação parental e os efeitos deixados na criança e/ou adolescente, cuja proteção deve ser sempre preservada. 

O Direito e a Psicologia ao atuarem de uma maneira integrada contribuem para a adequada formação biopsicossociocultural da criança e/ou do adolescente alienado. A partir da instituição de leis que positivem a questão da alienação parental no ordenamento jurídico brasileiro, os efeitos dessa prática podem ser reduzidos, no entanto, é importante que a legislação seja utilizada de maneira adequada, sem subversão de seus objetivos. 

 

Notas e Referências 

¹BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm>. Acesso em: 19 abr. 2018. 

²TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 331. 

³GARDNER, Richard Alan. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental (SAP)?2002. Tradução para o português por Rita Rafaeli. Disponível em: <http://www.alienacaoparental.com.br/textos-sobre-sap-1/o-dsm-iv-tem-equivalente>. Acesso em: 19 abr. 2018. 

4CONTI, Josie; RIBEIRO, Nara Rúbia. Alienação parental: 8 perguntas necessárias. 2015. Disponível em: <https://pragmatismo.jusbrasil.com.br/artigos/309540376/alienacao-parental-8-perguntas-necessarias>. Acesso em: 30 nov. 2018. 

5A MORTE inventada. [S.I.]: Caraminhola Filmes, 2009. Son., color. 

6PODEVYN, F. Síndrome da Alienação Parental. 2001. Disponível em: <http://www.apase.org.br/94001-sindrome.htm>. Acesso em: 25 maio 2018.  

 

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