A mitigação da presunção de inocência – Por Léo Rosa de Andrade

24/02/2016

Que convicções fundamentam nossas posições individuais nas regras do jogo da convivência democrática? As principais regras da coexistência são, nos países bussolados pelo Estado de Direito, as previstas na constituição.

A Constituição brasileira atribui ao Supremo Tribunal Federal a interpretação última da Carta Magna. O STF, inegavelmente, tem se havido como uma corte lúcida, plantando avanços importantes nos nossos costumes retrógrados de fundo religioso.

Agora, essa decisão sobre o alcance da aplicação da presunção de inocência gerou manifestações efusivas, sejam de gosto, sejam de desgosto. Uma parte supõe que “os bandidos irão para a cadeia”; a outra vê “o fascismo rondando as cortes judiciais”.

Tendo a mundanizar essas coisas. Salvo alguns juristas intelectualmente preocupados com a proteção do melhor Direito, o mais vem às mídias para sustentar posição que servem a interesses aparentes à menor observação.

Sem nenhuma dúvida, a mitigação da presunção de inocência é questão constitucional e de filosofia do Direito. Mas esses saimentos extremados são coisa de oposição histérica ao governo ou de defesa prosélita e alienada dos governantes.

Para a oposição raivosa, “os lulopetistas pegarão cadeia mais rápido”; para os sequazes do lulopetismo, o Supremo está sendo instrumentado por uma “armação conspiratória da burguesia com cobertura dirigida da grande mídia”.

Proponho elevar as razões do STF. Tenho: 1) a Corte ficou entre os princípios constitucionais e as consequências sociais, políticas, jurídicas e judiciárias da sua decisão; 2) mandou um recado de basta aos ladrões lulopetistas.

Em termos de filosofia do Direito, o Supremo abandonou o principiologismo e ficou com o consequencialismo. Para a primeira corrente, os princípios são sempre o que importa; valem incondicionalmente e deles devem decorrer as decisões.

Para a segunda, os princípios abstratos não podem estar acima das consequências que acarretam. O ato é validado pelo resultado que produz. Assim, uma decisão judicial não seria boa se seus resultados não fossem bons para a Nação.

O STF há que ser neutro, diria quem acredita em neutralidade. Eu diria que o STF, instância máxima da Justiça, hoje expressão popularizada de poder, ou se afirma diante do País, ou todo o Judiciário continuará desmoralizado.

Daí, as consequências que o STF mediu: sociais: a imagem pública da Justiça; políticas: a afirmação como Poder; jurídicas: as decisões do Judiciário têm que surtir efeito; judiciárias: o número exagerado de recurso emperra a “máquina”.

Sobre o recado ao lulopetismo: o Mensalão e a Lava-Jato são vistos como simples corrupção. Contudo, são (ou foram) um modo de governar e um projeto de poder. O mensalão capturaria o Congresso. A Petrobrás alimentaria a compra de eleições.

A cooptação de um bom número de parlamentares, os cofres inesgotáveis (agora esgotados) das estatais e a submissão interessada das grandes empreiteiras dava ao PT recursos para a “eternidade” no poder. A coisa derruiu.

Empresários (que sabem quem levou quanto) estão sob pressão das prisões preventivas do juiz Moro. Dilma, para acalmá-los, contemplou-os com a MP 703 (leniência de empresas corruptas que abasteciam com dinheiro o PT e aliados).

“Todo mundo” sabe disso. E o STF, diante de crimes contra a República, arcaria com o desgaste de administrar o “instituto da prescrição”, movido por recursos especiais e extraordinários de discutível cabimento e ajuizados com evidentes fins protelatórios?

O Supremo, consequencialisticamente poupou-se, afastando a principiologia. O mal que pratica? Atropelo a um princípio constitucional. O bem que promove? O restabelecimento da efetividade às sentenças penais, que andavam meio inúteis.

O mundo civilizado agasalha o que o STF deliberou. Não se trata, pois, do abandono a princípios da melhor cultura, mas de mitigar o ideal para estabelecer eficácia na aplicação do Direito de modo que aconteça alguma Justiça real.

Minhas convicções pessoais recomendariam os princípios, que dão mais conteúdo ético à Justiça. Mas, pra mim, quem diz o que é o Direito é o Supremo Tribunal Federal, pelo menos no tanto em que, principiologicamente, aceito a Constituição.

Então, contrariando Couture, entre minha concepção de Justiça e a compreensão que o STF deu ao Direito, abandono minha convicção do justo e fico com o princípio constitucional de que, na controvérsia, é o STF, que (ainda bem) interpreta a lei.


 

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