Que convicções fundamentam nossas posições individuais nas regras do jogo da convivência democrática? As principais regras da coexistência são, nos países bussolados pelo Estado de Direito, as previstas na constituição.
A Constituição brasileira atribui ao Supremo Tribunal Federal a interpretação última da Carta Magna. O STF, inegavelmente, tem se havido como uma corte lúcida, plantando avanços importantes nos nossos costumes retrógrados de fundo religioso.
Agora, essa decisão sobre o alcance da aplicação da presunção de inocência gerou manifestações efusivas, sejam de gosto, sejam de desgosto. Uma parte supõe que “os bandidos irão para a cadeia”; a outra vê “o fascismo rondando as cortes judiciais”.
Tendo a mundanizar essas coisas. Salvo alguns juristas intelectualmente preocupados com a proteção do melhor Direito, o mais vem às mídias para sustentar posição que servem a interesses aparentes à menor observação.
Sem nenhuma dúvida, a mitigação da presunção de inocência é questão constitucional e de filosofia do Direito. Mas esses saimentos extremados são coisa de oposição histérica ao governo ou de defesa prosélita e alienada dos governantes.
Para a oposição raivosa, “os lulopetistas pegarão cadeia mais rápido”; para os sequazes do lulopetismo, o Supremo está sendo instrumentado por uma “armação conspiratória da burguesia com cobertura dirigida da grande mídia”.
Proponho elevar as razões do STF. Tenho: 1) a Corte ficou entre os princípios constitucionais e as consequências sociais, políticas, jurídicas e judiciárias da sua decisão; 2) mandou um recado de basta aos ladrões lulopetistas.
Em termos de filosofia do Direito, o Supremo abandonou o principiologismo e ficou com o consequencialismo. Para a primeira corrente, os princípios são sempre o que importa; valem incondicionalmente e deles devem decorrer as decisões.
Para a segunda, os princípios abstratos não podem estar acima das consequências que acarretam. O ato é validado pelo resultado que produz. Assim, uma decisão judicial não seria boa se seus resultados não fossem bons para a Nação.
O STF há que ser neutro, diria quem acredita em neutralidade. Eu diria que o STF, instância máxima da Justiça, hoje expressão popularizada de poder, ou se afirma diante do País, ou todo o Judiciário continuará desmoralizado.
Daí, as consequências que o STF mediu: sociais: a imagem pública da Justiça; políticas: a afirmação como Poder; jurídicas: as decisões do Judiciário têm que surtir efeito; judiciárias: o número exagerado de recurso emperra a “máquina”.
Sobre o recado ao lulopetismo: o Mensalão e a Lava-Jato são vistos como simples corrupção. Contudo, são (ou foram) um modo de governar e um projeto de poder. O mensalão capturaria o Congresso. A Petrobrás alimentaria a compra de eleições.
A cooptação de um bom número de parlamentares, os cofres inesgotáveis (agora esgotados) das estatais e a submissão interessada das grandes empreiteiras dava ao PT recursos para a “eternidade” no poder. A coisa derruiu.
Empresários (que sabem quem levou quanto) estão sob pressão das prisões preventivas do juiz Moro. Dilma, para acalmá-los, contemplou-os com a MP 703 (leniência de empresas corruptas que abasteciam com dinheiro o PT e aliados).
“Todo mundo” sabe disso. E o STF, diante de crimes contra a República, arcaria com o desgaste de administrar o “instituto da prescrição”, movido por recursos especiais e extraordinários de discutível cabimento e ajuizados com evidentes fins protelatórios?
O Supremo, consequencialisticamente poupou-se, afastando a principiologia. O mal que pratica? Atropelo a um princípio constitucional. O bem que promove? O restabelecimento da efetividade às sentenças penais, que andavam meio inúteis.
O mundo civilizado agasalha o que o STF deliberou. Não se trata, pois, do abandono a princípios da melhor cultura, mas de mitigar o ideal para estabelecer eficácia na aplicação do Direito de modo que aconteça alguma Justiça real.
Minhas convicções pessoais recomendariam os princípios, que dão mais conteúdo ético à Justiça. Mas, pra mim, quem diz o que é o Direito é o Supremo Tribunal Federal, pelo menos no tanto em que, principiologicamente, aceito a Constituição.
Então, contrariando Couture, entre minha concepção de Justiça e a compreensão que o STF deu ao Direito, abandono minha convicção do justo e fico com o princípio constitucional de que, na controvérsia, é o STF, que (ainda bem) interpreta a lei.
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