Em outras oportunidades, já escrevi sobre questões de gênero e, inclusive, sobre a prática do manterrupting (ou ominterrupção). Mas uma colocação feita pela Ministra Cármen Lúcia, Presidente do Supremo Tribunal Federal, faz-me retomar o assunto. Não é redundância, muito menos mimimi. Enquanto as violações de direitos ocorrerem, vamos falar e falar alto.
E é justamente sobre a fala que quero discorrer nessa oportunidade. De acordo com o estudo citado pela Presidente da Corte Suprema, as mulheres que compõem tribunais constitucionais são, em média, 18 vezes mais interrompidas que os homens. A Ministra relatou, ainda, conversa com a Ministra Sotomayor (EUA), que teria lhe perguntado como era a situação no Brasil. Em resposta, a Ministra brasileira esclareceu (valendo-se de uma hipérbole, mas não muito longe da realidade) que por aqui as mulheres nem sequer conseguiam falar, por isso não eram interrompidas. É a mais pura verdade, não só no STF.
Quando se fala em interrupção da fala das mulheres, muitas vezes se ouve o (pseudo)argumento – contrário – de que a pessoa que interrompe é que é mal educada, mas que não tem nada a ver com o gênero. De fato, muitas vezes é difícil fazer a distinção entre o machismo e a hostilidade pura, no caso concreto. Mas, ainda que de modo inconsciente (o patriarcado reina silenciosamente – ou nem tanto), as mulheres são mais interrompidas. E isso decorre, sim, do fato de serem mulheres. Parece mais fácil, mais permitido interromper uma mulher. Chegou-se, inclusive, a desenvolver um aplicativo (woman interrupted), que aponta quantas vezes o homem interrompe a fala de uma mulher.
Parece um pequeno problema diante de tantos outros que precisam ser resolvidos. No entanto, tem extrema relevância. De nada adianta as mulheres ocuparem espaços, se não tiverem voz, se não forem ouvidas. É necessário que a fala feminina seja devidamente considerada, não meramente aceita, quando muito.
Vivemos em um país em que o Chefe do Poder Executivo se manifesta no sentido de que os governos precisam de um “marido” e as mulheres sabem apenas os preços do supermercado. Isso reflete o machismo, a misoginia que se verifica em todo o território nacional, desde o interior dos lares até as grandes empresas. É evidente que, nesse contexto, as mulheres seriam mais interrompidas.
Nada mais absurdo que isso. Nada mais distante de um mundo equânime. Não se pode admitir que a mulher ainda seja relegada a um segundo plano, como se as atividades por ela realizadas, as colocações por ela feitas, os trabalhos por ela produzidos tivessem menor expressão que sua versão masculina. Não se pode tolerar que a voz da mulher ainda seja suprimida em pleno 2017, que até mesmo autoridades sejam desrespeitadas pelo simples fato de serem mulheres.
Mas é incrível como ainda é mais aceitável/ado interromper uma mulher, mesmo que o interlocutor nem sequer perceba isso. Assim como é muito mais comum o homem erguer a voz para uma mulher, exaltar-se diante de uma mulher. Como é fácil ser “homem” diante de alguém teórica e historicamente mais frágil. Como é conveniente se auto-afirmar diminuindo alguém em situação de vulnerabilidade. Como é confortável negar que tudo acontece, achar que é tudo normal e que qualquer posicionamento contrário se trata de mimimi.
Mas, como disse no início, em virtude e apesar de todos os contratempos, falamos e falamos alto. Nada há de nos interromper a ponto de nos calar. Sempre haverá vozes femininas e feministas, cada vez mais. E não se esqueçam: mexeu com uma, mexeu com todas!
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