A MEDIAÇÃO FAMILIAR COMO INSTITUTO JURÍDICO DE ENFRENTAMENTO DO DESENVOLVIMENTO DA SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL    

09/03/2021

Coluna Direito Negocial em Debate / Coordenador Rennan Mustafá

Os primeiros trabalhos desenvolvidos a respeito da Síndrome da Alienação Parental estão relacionados principalmente ao psiquiatra Richard Gardner, clínico do Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia, Estados Unidos, que utilizou o termo síndrome a fim de impelir a sua inclusão no rol do IV Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, conceituando a Síndrome da Alienação Parental como “um distúrbio que surge principalmente no contexto de disputas de custódia da criança. Sua manifestação primária é a campanha do filho para denegrir o progenitor, uma campanha sem justificativa”[1].

Em que pese a Organização Mundial da Saúde, em 2018, ter incluído o termo “alienação parental” ou “alienação dos pais” na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11), a legislação brasileira trata apenas dos atos de alienação parental, focando seus esforços em punir a prática, não abrangendo seus sintomas e consequências.

Desta forma, tem-se uma distinção entre o conceito de alienação parental e o conceito de Síndrome da Alienação Parental, enquanto o primeiro está relacionado aos atos praticados pelos pais, familiares ou responsáveis no sentido de interferir no desenvolvimento psicológico do infante para afastá-lo do convívio afetivo do outro, ou seja, uma verdadeira campanha de disseminação de comportamentos que visam utilizar os filhos como instrumento de agressividade e vingança[2], o segundo manifesta-se como reflexo dos atos de alienação que se “concretizam através de um transtorno”[3].

A legislação brasileira por meio da Lei n° 12.318/10 positivou a alienação parental e trouxe a construção do conceito, suas causas e as consequências jurídicas para os agentes promotores de tal conduta. A legislação ampliou a compreensão a respeito dos possíveis alienadores, ultrapassando a conduta dos pais e alcançando terceiros que direta ou indiretamente possam contribuir para o impedimento do estabelecimento de vínculo afetivo.

Além de caracterizar em rol exemplificativo as condutas que podem ser consideradas alienantes no sentido de prejudicar ou impossibilitar o pleno convívio entre o infante e o genitor, prevê as consequências e punições que a autoridade judicial poderá determinar frente ao caso concreto em que se configura alienação parental, respectivamente nos artigos 2° e 6° da Lei n° 12.318/2010[4].

Essa conduta de alienação, condenada pela legislação vigente, torna-se tão constante que passa a confundir o discernimento do infante em relação ao outro, podendo, inclusive, desenvolver sentimento de rejeição e falsas memórias.

Portanto, ressalta-se que, muitos casos de alienação parental surgem no contexto da dissolução da união estável ou do divórcio da sociedade conjugal, de modo que os pais, no contexto litigioso, valem-se dos filhos para guerrear entre si. Por isso, no âmbito familiarista surge o instituto da mediação familiar como forma de resolução de conflito com vistas a mitigar os impactos nefastos dos atos de alienação parental que podem incorrer no desenvolvimento da Síndrome de Alienação Parental.

Os métodos alternativos de resolução de conflito são discutidos e incentivados no ordenamento jurídico brasileiro por oferecerem uma resolução mais adequada em determinados casos específicos em que o Poder Judiciário, em face de sua morosidade e ineficácia da prestação jurisdicional, não tem atendido de maneira efetiva, pondo fim ao processo, mas não à lide.

A mediação e a conciliação são mecanismos autocompositivos que se enquadram nesta perspectiva de resolução mais adequada de conflitos de interesses, além da arbitragem e da negociação.

Na conciliação, a figura do conciliador realiza sugestões e participa ativamente no estabelecimento de alternativas que sejam viáveis à concretização da resolução do conflito. Por sua vez, a medição é um método que possui, entre outras peculiaridades, a exigência da presença de “um terceiro, imparcial e neutro, sem o poder de decisão, que assiste às partes, para que a comunicação seja estabelecida e os interesses preservados, visando ao estabelecimento de um acordo”[5].

Além disso, usualmente aplica-se a mediação a casos em que haja um relacionamento pré-existente entre as partes e em que é desejável que a comunicação mantenha-se o mais saudável possível após a autocomposição.

Nesse contexto de estímulo à utilização dos meios alternativos de solução de conflitos (MESCs), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou a Resolução 125 no ano de 2010 a fim de enfatizar a importância dos meios autocompositivos de resolução de conflitos, mediação e conciliação, tanto nas fases pré-processuais quanto no curso do processo.

A referida resolução instituiu em seu artigo 1º a Política Judiciária Nacional de Tratamento dos Conflitos de Interesses que objetiva assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade. Além disso, a resolução possui por objetivos a disseminação da cultura de pacificação social, o estímulo à prestação de serviços autocompositivos de qualidade e o incentivo para que os tribunais se organizem e planejem programas amplos de autocomposição, reafirmando a função de agente apoiador da implantação de políticas públicas do Conselho Nacional de Justiça[6].

A tendência crescente em empregar os meios autocompositivos aos conflitos encontrou especial adesão no âmbito das contendas familiares. Isso porque além da maior celeridade dos meios alternativos de solução de conflitos, na mediação há a preocupação em preservar a relação entre as partes e em buscar um acordo que seja do agrado de todos os envolvidos no conflito. Assim, diferentemente da justiça comum, em que as decisões são tomadas verticalmente gerando, na maioria das vezes, a sensação de ganhador e perdedor, nos acordos oriundos de mediação há uma maior percepção de que é possível todos saírem ganhando.

Nesse contexto, a mediação familiar pode ser conceituada como “(...) um acompanhamento das partes na gestão de seus conflitos, para que tomem uma decisão rápida, ponderada, eficaz, com soluções satisfatórias no interesse da criança, mas, antes, no interesse do homem e da mulher que se responsabilizam pelos variados papéis que lhe são atribuídos, inclusive de pai e mãe”[7].

A condução da mediação familiar poderá ser realizada por meio de uma equipe multidisciplinar composta por psicólogos, assistentes sociais, psicoterapeutas e psicanalistas que disporão das habilidades e do manejo necessário para possibilitar a identificação dos atos de alienação parental e construir canais de diálogo para que as partes litigantes possam desenvolver acordos que minimizem seus efeitos para o processo de desenvolvimento do infante.

Neste sentido, a partir da constitucionalização do direito de família, da reconstrução da concepção de entidade familiar por meio de princípios como solidariedade e afetividade e por tratar de matérias específicas que versam sobre memórias, sentimentos e psique dos indivíduos a mediação familiar parece ser o caminho mais adequado, sobretudo pela morosidade e ineficiência da prestação jurisdicional do Poder Judiciário em atender adequadamente às demandas litigiosas que envolvem a temática familiar[8].

Sendo assim, a utilização da mediação familiar constitui-se em instrumento efetivo e eficaz para a resolução dos conflitos que envolvam alienação parental no sentido de prevenir que, ao final das relações conjugais, os litígios dela decorrentes possam impossibilitar o pleno exercício das relações parentais que permanecem e que devem ser desenvolvidos de maneira plena.

 

Notas e Referências

BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar: uma vivência interdisciplinar. In: Direito de família e psicanálise – rumo a uma nova epistemologia. ROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Org.). Rio de Janeiro: Imago, 2003.

CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Mediação nos conflitos e direito de família. Curitiba: Juruá, 2011.

CNJ. Manual de mediação judicial. 2016. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp content/uploads/2015/06/f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54.pdf. Acesso em: 05 jan. 2021.

DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 50.

GARDNER, Richard Alan apud NAZARETH, Yuri Carvalho. A evolução do conceito de alienação parental. Dom Total. Disponível em: https://domtotal.com/direito//pagina/detalhe/36146/a-evolucao-do-conceito-de-alienacao-parental/print. Acessado em: 27 fev. 2021.

KROTH, Maria Fernanda Caramori. SARRETA, Catia Rejane Liczbinski. A guarda compartilhada como mecanismo de prevenção à alienação parental. Revista Eletrônica do Curso de Direito. V. 11, n. 2/2016. UFSM. Disponível em: file:///C:/Users/Usuario/Downloads/19737-112678-1-PB.pdf. Acessado em: 02 jan. 2021.

MADALENO, Carpes A. C.; MADALENO, Rolf. Síndrome da Alienação Parental. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

TORRES, Glaucia Cardoso; TIROLI, Luiz Gustavo. A guarda compartilhada como mecanismo de enfrentamento à síndrome da alienação parental no contexto jurídico brasileiro. In: 57ª Semana Jurídica da UEL. 2019, Londrina. Anais da 57ª Semana Jurídica da UEL – Direito Civil e Direitos Individuais. Londrina. 2019

[1] GARDNER, Richard Alan apud NAZARETH, Yuri Carvalho. A evolução do conceito de alienação parental. Dom Total. Disponível em: https://domtotal.com/direito//pagina/detalhe/36146/a-evolucao-do-conceito-de-alienacao-parental/print. Acessado em: 27 fev. 2021.

[2] MADALENO, Carpes A. C.; MADALENO, Rolf. Síndrome da Alienação Parental. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 48.

[3] KROTH, Maria Fernanda Caramori. SARRETA, Catia Rejane Liczbinski. A guarda compartilhada como mecanismo de prevenção à alienação parental. Revista Eletrônica do Curso de Direito. V. 11, n. 2/2016. UFSM. Disponível em: file:///C:/Users/Usuario/Downloads/19737-112678-1-PB.pdf. Acessado em: 02 jan. 2021, p. 02.

[4] TORRES, Glaucia Cardoso; TIROLI, Luiz Gustavo. A guarda compartilhada como mecanismo de enfrentamento à síndrome da alienação parental no contexto jurídico brasileiro. In: 57ª Semana Jurídica da UEL. 2019, Londrina. Anais da 57ª Semana Jurídica da UEL – Direito Civil e Direitos Individuais. Londrina. 2019, p. 69.

[5] DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 50.

[6] CNJ. Manual de mediação judicial. 2016. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp content/uploads/2015/06/f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54.pdf. Acesso em: 05 jan. 2021.

[7] BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar: uma vivência interdisciplinar. In: Direito de família e psicanálise – rumo a uma nova epistemologia. ROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Org.). Rio de Janeiro: Imago, 2003, p. 340.

[8] CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Mediação nos conflitos e direito de família. Curitiba: Juruá, 2011.

 

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