A MEDIAÇÃO E A CONCILIAÇÃO NO CPC/2015 E O PLURALISMO JURÍDICO

17/01/2019

Coluna Espaço do Estudante

1 DIRETO AO PONTO: A FERIDA DO SISTEMA MONISTA NO BRASIL

Primeiramente, insta salientar que dada a complexidade da ciência do direito – tanto que há quem defenda ser uma tarefa árdua conceitua-lo –, a própria ideia de pluralismo jurídico aparenta atentar contra a segurança jurídica de um Estado. Em verdade, porém, não se pode fechar os olhos para o fato de que o ordenamento jurídico brasileiro, tal como está estabelecido nos dias atuais (monismo jurídico, quase que em plenitude), já não mais se revela suficiente para atender as demandas dos jurisdicionados, de modo que a busca por alternativas se tornou mais do que uma mera necessidade, mas uma circunstância legitimadora de implemento do pluralismo jurídico.

Para Antônio Carlos Wolkmer, “uma prática alternativa ou informal do direito será tanto mais legítima quanto mais se aproxime dos fundamentos formais e materiais enunciados acima. Mais que isso, tais fundamentos apontam para um caminho a ser seguido, no qual o fim último é a construção de uma nova cultura no direito, através de profundas reformulações no modelo monista e positivista ainda predominante no país”[1].

Percebe-se, em caráter analítico, que Wolkmer vislumbra duas estratégias para a superação do monismo jurídico em prol da teoria do pluralismo jurídico, sendo, dentre elas, objeto desta tese, a prática de alternativas surgidas no bojo do próprio direito estatal, o que aliás vai ao encontro do Estado Democrático de Direito que visa, sobretudo, a salvaguarda da dignidade do sujeito, razão pala qual, se um sistema monista de direito não supre as necessidades, até mesmo as mais básicas de seus jurisdicionados, mostra-se crível que outros sistemas sejam admitidos. Nessa linha, Fernanda Trantin observa que:

Vivencia-se então a crise paradigmática do direito, em conjunto com uma crescente demanda jurisdicional, capaz de abarrotar o sistema judiciário atual, que fez emergir tentativas menos convencionais para atendimento dos interesses do cidadão. Isso fez com que o Poder Judiciário passasse a buscar estratégias a fim de atender a esse aumento sem necessariamente fazer com que a solução para os litígios fosse dada pela figura do Juiz. Diversas doutrinas trazem a possibilidade de utilização de formas menos convencionais ou alternativas de acesso à justiça, de modo a auxiliar o Poder Judiciário a vencer o acúmulo de demanda que espera pela tutela jurisdicional. Desta forma, as formas alternativas de resolução de controvérsias, fruto da doutrina do pluralismo jurídico mostram-se como uma válvula de otimização à resolução dos conflitos.[2]

Atrelado à teoria do pluralismo jurídico, a teoria do direito alternativo, como dito anteriormente, não deve ser vista apenas como forma de suprir a necessidade por meios mais eficazes de solução dos litígios. Mais do que isso. Deve ser encarado enquanto elemento legitimador do pluralismo jurídico. Especificamente no Brasil, as ideias do direito alternativo surgiram como uma crítica ao direito tradicional, em prol de um objetivo: uma sociedade plenamente democrática e satisfativa[3].

Assim como a ideia do pluralismo jurídico, o direito alternativo não é estanque, consubstanciando-se em um movimento que está em constante construção, até porque, diante de seu objetivo que é integralizar de forma mais democrática possível os fenômenos sociais, estabelecer uma definição seria demasiado imprudente, sob pena de se confrontar com a própria luta por uma alternatividade jurídica. Claro, pois métodos alternativos “contribuem para repensar a própria cultura, destacando entre eles a negociação, a conciliação, a mediação e a arbitragem”[4].

De todo modo, para fins conceituais, o direito alternativo pode ser compreendido como aquele “paralelo ao direito estatal, um direito que oferece como alternativa diante do direito dogmático – que é o direito estatal contemporâneo por excelência, aquele representado pela lei, pela jurisprudência, pelos contratos lícitos, etc”[5].

Sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, a pauta temática sobre meios alternativos de resolução de conflitos era objeto, com relevo, apenas na doutrina mais moderna, com pouca atenção do Judiciário, até porque havia pouco estímulo estatal nesse viés. Todavia, com a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil (Lei n. 13.105 de 16 de março de 2015), com vigência desde 18 de março de 2016, verifica-se que o próprio estado legislador, diante da insuficiência do Poder Judiciário no esvaziamento das demandas, não só se preocupou em estimular meios extrajudiciais de resolução de conflitos como reservou capítulo próprio na nova processualística civil, positivando no ordenamento jurídico brasileiro as audiências de conciliação e de mediação.[6]

Note-se que a ideia das audiências preliminares de conciliação ou mediação revelam não apenas uma manifestação de uma das correntes do pluralismo jurídico (métodos alternativos), mas um reconhecimento tácito do legislador, no sentido de que a máquina pública de judicialização não é suficiente para a prestação estatal na resolução das lides, posto que tais audiências somente não serão realizadas quando se tratar de direitos que não admitem autocomposição ou se ambas as partes litigantes a dispensarem.

Vale dizer, portanto, que a regra do novo paradigma processual é o meio alternativo de resolução do conflito instaurado: ou concilia ou media. Isso é mais claro ainda quando se constata que, se uma das partes manifestar interesse em conciliar ou mediar e a outra não comparecer à audiência, de forma injustificada, ocorrer prática de ato atentatório à dignidade da justiça, ilícito que ensejará a aplicação de multa de até 2% (dois por cento) da vantagem econômica da demanda em favor do Estado.

Não há dúvidas, nessa atual perspectiva do direito processual civil brasileiro, que o pluralismo jurídico, enquanto fenômeno de emancipação do direito estatal puro e estático, tem ganhado maior campo de legitimação no Estado de Direito, notadamente porque o próprio Poder Legislador, em verdadeiro reconhecimento da insubsistência de um sistema jurídico monista, admite a imprescindibilidade de meios alternativos. A respeito:

É incontestável que o Novo Código de Processo Civil prestigia de forma significativa os meios de solução consensual dos conflitos, sendo nesse sentido o art. 694, caput, do diploma legal, ao prever que nas ações de família todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação.[7]

Isso não só é verdade que, sob o caráter imperativo da Lei n. 13.105 de 16 de março de 2015, o próprio estado determina que “os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição”.

Fora isso, toda a estrutura do atual Código de Processo Civil é voltada para o estímulo, pelos julgadores, de meios de autocomposição, embora haja certa resistência por parte de alguns magistrados. E essa resistência, embora injustificada, compreende-se pelo fato de que a jurisdição exercida exclusivamente pelo Estado é o meio institucional mais utilizado na contemporaneidade para se buscar a resolução de conflitos, tendo sido incumbido ao Poder Judiciário a salvaguarda da paz social[8].

Em última análise, a conciliação e a medição (judiciais ou extrajudiciais), refletem não apenas um dos tentáculos do pluralismo jurídico, como traduzem a ideia de um efetivo acesso à justiça, posto que, atrelado à mínima intervenção do Estado na conciliação e mediação, o conflito será de forma mais célere resolvido, sem imposição de uma decisão do Estado-juiz, mas o resultado de interesses comuns.

O que se vê é que a ideia de pluralismo jurídico não é externaliza no estado inseguranças jurídicas, mas criar diversas alternativas de acesso à justiça que, no monismo jurídico seriam impossíveis. Wolkmer mostra que a teoria do pluralismo jurídico, enquanto meio legítimo de resolução dos fenômenos sociais, permiti um maior acesso à justiça, um acesso efetivo, o que reflete uma aproximação entre o Direito e a realidade social, que faz, per se, renascer o paradigma da justiça plena.

 

2 CONCLUINDO AS REFLEXÕES PROPOSTAS

À guisa do arrazoado, firmamos entendimento segundo o qual as formas alternativas de resolução de conflitos (conciliação e mediação), positivadas no atual Código de Processo Civil, consubstanciam-se em verdadeiro corolário da teoria do pluralismo jurídico, que, no Estado Brasileiro, estabeleceu-se diante do reconhecimento tácito pelo estado legislador de que o sistema jurídico monista – em que há o monopólio estatal de resolução de lides e aplicação de normas –, é insuficiente diante da crescente demanda de judicialização dos fenômenos sociais.

 

 

Notas e Referências

ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência [através e um exame da ontologia de Nicolai Hartmann]. São Paulo: Saraiva 1996, p. 174.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 20 nov. 2018.

______. Lei n. 13.105 de 16 de março de 2015. Instituiu o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 20 nov. 2018.

CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Mediação nos conflitos e direito de família. Curitiba: Juruá, 2006, p. 16.

LOPES, Hálisson Rodrigo; PIRES, Gustavo Alves de Castro; PIRES, Carolina Lins de Castro. Análise ontológica do direito alternativo, Âmbito Jurídico, Rio Grande do Sul, a. 12, n. 121, fev. 2014. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14528>. Acesso em: 20 nov. 2018.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil.  8. ed. vol. único. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 258 (livro em PDF).

TRENTIN, Fernanda. Métodos alternativos de resolução de conflito: um enfoque pluralista do direito, Âmbito Jurídico, Rio Grande do Sul, a. 15, n. 98, mar. 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11252>. Acesso em: 20 nov. 2018.

WOLKMER, Antônio Carlos (org.). Pluralismo jurídico: os novos caminhos da contemporaneidade. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

[1] WOLKMER, Antônio Carlos (org.). Pluralismo jurídico: os novos caminhos da contemporaneidade. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 29.

[2] TRENTIN, Fernanda. Métodos alternativos de resolução de conflito: um enfoque pluralista do direito, Âmbito Jurídico, Rio Grande do Sul, a. 15, n. 98, mar. 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11252>. Acesso em: 20 nov. 2018.

[3] LOPES, Hálisson Rodrigo; PIRES, Gustavo Alves de Castro; PIRES, Carolina Lins de Castro. Análise ontológica do direito alternativo, Âmbito Jurídico, Rio Grande do Sul, a. 12, n. 121, fev. 2014. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14528>. Acesso em: 20 nov. 2018.

[4] CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Mediação nos conflitos e direito de família. Curitiba: Juruá, 2006, p. 16.

[5] ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência [através e um exame da ontologia de Nicolai Hartmann]. São Paulo: Saraiva 1996, p. 174.

[6] Art. 334 do Código de Processo Civil. In: Brasil. Lei n. 13.105 de 16 de março de 2015. Instituiu o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 20 nov. 2018.

[7] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil.  8. ed. vol. único. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 258 (livro em PDF), p. 1681.

[8] TRENTIN, Fernanda. Métodos alternativos de resolução de conflito: um enfoque pluralista do direito, Âmbito Jurídico, Rio Grande do Sul, a. 15, n. 98, mar. 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11252>. Acesso em: 20 nov. 2018.

 

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