Coordenador: Marcos Catalan
É início do mês de novembro e os estabelecimentos comerciais estão sendo decorados para o Natal. Shoppings montam árvores gigantescas e contratam papais noéis para chamar a atenção não apenas das crianças, mas também dos adultos que ficam “infantizados”[1] diante da imagem hipnótica de luzes brilhantes, guirlandas de todos os tamanhos, bolas coloridas e renas que completam o ambiente de magia, fazendo as pessoas se sentirem em pleno dia 25 de dezembro.
Não é novidade que o comércio desperte precocemente para os preparativos natalinos com o objetivo de impulsionar as vendas, assim como ocorre em outras datas comemorativas como o Dia das Mães e dos Namorados, quando as vitrines exploram a cor vermelha e enfeites em forma de coração mais de um mês antes do dia marcado. Um exemplo emblemático são as festividades do “Natal Luz” da cidade de Gramado-RS, que inicia as suas comemorações natalinas no final do mês de outubro e as estende até metade de janeiro (ou seja, por três meses).
Ainda, como se não bastassem as comemorações tradicionais existentes, o mercado de consumo busca inovar a cada ano com novos motivos para festejar e presentear (tudo sempre em prol do consumo). Para isso, inclusive, dissemina uma série de datas[2], inclusive algumas importadas e distantes da realidade brasileira, como o Halloween (31 de outubro) e o Black Friday (final de novembro).
A antecipação temporal para “vender” o Natal e outras datas festivas é mais uma faceta da colonização de todos os aspectos da vida humana pela economia, resultado da expansão do capitalismo nas últimas décadas. Assim, o tempo é manipulado de maneira artificial e vendido como um objeto de consumo, constituindo-se no que Debord denominou de “tempo espetacular”[3]. Bauman observa que na sociedade de consumidores o tempo deixa de ser contínuo ou linear, constituindo-se de maneira “pontilhista”, composto por vários momentos, que vão e que voltam, fazendo com que o consumo efêmero ocorra a qualquer hora[4].
Conforme Baudrillard[5], o shopping center, criação contemporânea, apresenta-se como verdadeiro “templo” pós-moderno de peregrinação, em que o lazer mistura-se com a compra, em um ambiente de temperatura amena e luminosidade constante, perdendo-se a noção de tempo e espaço. O dinheiro, por sua vez, sublima-se na forma do crédito, podendo ser acessado a qualquer momento, restando como contrapartida juros exorbitantes para aqueles que não conseguem honrar suas obrigações financeiras, muitas vezes entorpecidos pelo caleidoscópio do consumo.
A popularização da Internet contribui para o agravamento desta dinâmica. A partir da Internet são criadas conexões (flexíveis e adaptáveis) antes inimagináveis, ultrapassando as noções tradicionais de espaço e tempo. Se antes o “ato de comprar” era um processo demorado, que implicava na verificação da necessidade da compra, o deslocamento físico até a loja e ao produto, a escolha e o pagamento, o comércio eletrônico subverte essa lógica ao permitir a compra instantânea, de qualquer lugar do mundo, acessível ao um mero click.
Dessa forma, mais uma vez percebe-se que o consumo é capaz de transformar qualquer ideia em produto a ser consumido, inclusive o tempo, ou manipulá-lo, antecipando datas festivas, para impulsionar as vendas.
Não há limites para essa antecipação. Enquanto houver pessoas dispostas a comemorar o Natal por 90 dias ao ano, Gramado-RS manterá seu calendário de comemorações estendido. Enquanto as vendas pela Internet continuarem em crescimento, por vezes até substituindo lojas físicas, novos mecanismos on-line surgirão.
Essa é a lógica da sociedade de consumo: explorar de forma ilimitada o consumo, mesmo que isso signifique subverter e distorcer o fim último da data festiva, ou seja, demonstrar carinho, gratidão ou amor por uma pessoa (sem, necessariamente, presentear).
[1] Na obra Consumido: como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos, Benjamin Barber nomeia de “infantilização” o fenômeno social no qual o sistema capitalista molda a ideologia e o comportamento da sociedade consumista, em especial os adultos, de forma a induzir uma infância.
[2] Ano Novo, Carnaval, Dia da Mulher, Páscoa, Dia das Mães, Dia do Amigo, Dia do Namorados, Dia dos Pais, Dia dos Avôs, Dia das Crianças, Dia de cada profissão.
[3] DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
[4] BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008.
[5] BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Portugal: Edições 70, 2011.
Imagem Ilustrativa do Post: Feliz Navidad! // Foto de: Marcela // Sem alterações
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