A locação empresarial, o risco do negócio e o impacto das decisões judiciais  

01/11/2018

 

    Discutir a tríade: locação empresarial, o risco do negócio e o impacto das decisões, no sentido da evolução ou involução da jurisprudência é bem propício neste momento pós-eleitoral.

            O comportamento social dá norte ao processo decisório, estimulando ou desestimulando o investimento e a economia de um país, sendo certo que quanto mais dinheiro existir no mercado, maior será o emprego e o desenvolvimento econômico.

            A locação empresarial não se esvazia em si mesma, pois abrange outros mercados, como o da construção civil, indústria, comércio, logística, infraestrutura, investimentos entre outros. Sua estrutura legal decorre de contratos gerais e particularizados, variando de acordo com o modelo da atividade empresarial que se desenvolve.

            Diversas são as relações jurídicas de cunho locativo-empresarial, com abordagens diferentes no que se refere a direitos, deveres e obrigações passíveis de alocação no pacto ou na convenção, revelando-se importante uma cuidadosa análise sobre os alicerces legais e jurisprudenciais que norteiam tais relações.   

            De certa forma complexa, a locação empresarial tem variações segundo as suas espécies e características, a saber: 1) locação empresarial comum/usual (imóveis/espaços de rua ou isolados); 2) imóveis em condomínios comerciais ou empresariais; 3) imóveis em galerias de lojas; 4) imóveis/containers em vilas ou parques gastronômicos; 5) imóveis ou espaços em hipermercados; 6) shopping centers (em todas as classificações da ABRASCE: tradicionais e especializados, tipo: outlet, life stile ou temáticos); 7) imóveis construídos ou reformados para atender os interesses do locatário (built to suit — termo de locução inglesa que significa “construído para servir” ou “feito sob encomenda”, ou “feito para atender ao locatário” — BTS).

            Para todas as relações locatícias a Lei n. 8.245/1991 constitui a base legal justificadora, sendo que, em duas hipóteses, shopping center e built to suit, há maior liberdade de pactuar, estando prestigiado, com maior evidência e força, o princípio da autonomia privada, nos termos do conteúdo dos artigos 54 e 54-A, sendo que este foi introduzido pela Lei n.  12.744/12.

            A distinção entre as espécies, se assim se pode designar, depende de variáveis entre a autonomia plena e o valor agregado. A locação empresarial comum/usual, por exemplo, dá autonomia plena ao locatário e ao seu negócio nas questões de ordem prática, mas tem maior limitação quanto ao livre pacto e a redação de cláusulas. Por outro lado, na locação em shopping center, o lojista/locatário e o empreendedor/locador têm autonomia plena para contratar e construir cláusulas, mas vinculam-se a objetivos maiores que orientam todas as atividades empresariais daquele empreendimento, em direção ao sucesso coletivo, havendo, por parte daquele complexo, um prévio valor agregado, formado pelo empreendedor ao ter orientado e organizado o mix, que representará a força propulsora para atrair o público alvo.

Da mesma forma, a locação na modalidade built to suit, por exemplo, carrega,  igualmente, valor agregado ao locatício, observável pela compra, construção ou reforma do imóvel pelo locador segundo os critérios e interesses do locatário.

            Estabelecidas estas premissas, é possível tratar do risco do negócio no cotejo com algumas decisões judiciais, segundo variáveis comportamentais importantes, a saber: a primeira variável decorre do comportamento descuidado do locador ao impor a um determinado contrato características de outro (s), como, por exemplo, dotar o contrato de locação empresarial comum/usual ou de lojas de galerias com cláusulas utilizadas em contratos de shopping centers ou com cláusulas exclusivas para o built to suit, exigindo-se, ali, o 13º aluguel, o aluguel variável em percentual sobre a receita bruta e o fundo de promoção, cláusulas estas, típicas do contrato de shopping, ou mesmo, cláusulas de barreira à ação revisional e de estipulação de multa pelo valor total do remanescente do contrato por denúncia antecipada, típicas do BTS.

            A prática tem mostrado que uma parcela bem importante das demandas judiciais saneadoras decorre da ausência de transparência de parte a parte sobre questões fundamentais, bem como em razão de erros grosseiros e equívocos no momento da elaboração dos contratos, muitos transcritos a partir de modelos pré-formatados e extraídos da rede mundial de computadores, como se aplicáveis a todo e qualquer tipo de relação jurídica locatícia.

            Outro fator de risco preponderante decorre de decisões judiciais lançadas em equívoco e desestabilizadoras do sistema judicial de controle, diante da corriqueira ausência de análise das consequências jurídicas e econômicas desta ou daquela posição, como foi, por exemplo, a decisão da 1ª Turma do STF no julgamento do RE 605709[1], julgado em 12 de junho de 2018, pela qual, por maioria, houve o reconhecimento da impenhorabilidade do bem de família do fiador em locações comerciais, contrariando a forte jurisprudência consolidada ao longo de anos, a súmula 549 do STJ e o artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009/90, que já havia, inclusive, sido questionado quanto à constitucionalidade, todavia, a regra do referido artigo 3º. manteve-se hígida.

            Outro exemplo decorre, aqui mesmo, do Tribunal de Justiça do Paraná, onde a 11ª Câmara, na Apelação Cível sob o n. 1.446.838-9[2], por unanimidade de votos, declarou inexigível a cobrança de encargos de locação de um determinado locatário/lojista em shopping center, simplesmente porque não foram anexados documentos probatórios das despesas que compunham aquela receita.

            Sabe-se, desde há muito tempo, que a jurisprudência firmou o entendimento pela desnecessidade da juntada de comprovante das despesas incorridas que compõem a taxa condominial em sede de execução, pois o lojista/condômino tem oportunidade anterior e posterior para exigir contas e até mesmo o reembolso quando inexigível determinada obrigação, não cabendo ao Tribunal, sem análise, diga-se, novamente, das consequências, afastar o crédito legítimo decorrente de despesas incorridas cobertas tanto pelo empreendedor do shopping como pelos demais lojistas adimplementes.

            Indaga-se: Qual é a consequência deste posicionamento? De ordem prática, não é razoável que o locador, em se tratando de locação em shopping center, frente a milhares de despesas incorridas dentro do semestre, dentro do ano, ou de vários anos como era o caso, tenha a obrigação legal de comprovar despesa a despesa, em sede de execução de título judicial. Obviamente, não se pensou no elevado custo de transação não apenas da parte — locador/shopping — mas, também, dos advogados e desembargadores componentes daquela Câmara, como se fosse, a eles, viável, neste tipo de procedimento (executivo), debruçar-se em milhares de pequenos documentos para decidir contra o inadimplente que não juntou qualquer comprovante de pagamento daquelas despesas exigidas na pretensão executiva.

            Lembre-se que, em shopping center, assim como em condomínios de maneira geral, as despesas são previamente orçadas, lançadas, aprovadas e fiscalizadas pelo respectivo conselho, com a participação dos condôminos. Para solucionar problemas na justificativa de contas, a medida adequada é a ação de prestação de contas, a qual guarda correspondência com o trabalho de examinar receita/despesa e documentos probatórios.

            Além do 1º e 2º exemplos de ordem prática, cabe outro, a respeito da revisão da multa em contrato locatício built to suit.  O parágrafo 2º do artigo 54-A da Lei 8.245/91 estabelece que “em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação”.  

            Como visto, é possível, nesta modalidade, ajustar que a multa por denúncia antecipada do contrato, pelo locatário, acarrete a obrigação de pagar a soma do total dos aluguéis restantes até o termo do pacto. Há uma lógica para esta previsão e, nem por isso, o contrato será de adesão, considerando-se o fato de que é direito do locador recompor o investimento feito com a construção e ou reforma segundo os critérios pré-definidos pela contraparte.

Todavia não foi este o entendimento lançado na apelação cível n. 1031395-54.2014.8.26.0114[3], da 37ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, de relatoria do Des. Azuma Nishi, em cujo v. acórdão houve a definição pela abusividade da respectiva cláusula, tendo sido determinada a redução da penalidade para o valor correspondente ao importe de três alugueres, sob o manto do artigo 413 do Código Civil[4].

Este entendimento viola literalmente o parágrafo 2º do artigo 54-A da Lei 8.245/91,  gerando insegurança jurídica capaz de eliminar do mercado o contrato de locação na modalidade built to suit.

Com a redação dada ao artigo 20 e seguintes do Decreto-Lei n. 4.657/42, pela Lei n. 13.655/2018, o legislador traz uma abordagem interpretativa que leva em consideração alguns postulados da AED (Análise Econômica do Direito), mas é importante que se diga, desde logo, que a Lei não traz uma metodologia de avaliação do direito ou do caso concreto sob o enfoque da economia. A economia continua e deve continuar sendo uma ferramenta importante para dar eficiência ao julgado diante das ponderações sobre as repercussões extra partes que a decisão confere, na medida das externalidades positivas e negativas que gera.

                   Deste modo, não se pode desprezar a evolução, pela inserção de mais um elemento hermenêutico no contexto da análise do caso concreto, em cujo conteúdo, percebem-se incentivos para que o juiz construa uma decisão criativa e eficiente. Lembre-se que decisões neste sentido sempre encontrarão motivação e fundamentação para a entrega da justa tutela.

                   A mencionada Lei n. 13.655/2018 alterou dispositivos do Decreto Lei n. 4.657/42, que passaram ter a seguinte redação:

Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.

Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.

Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.

                  Diante de um tradeoff, fazer a melhor escolha, em detrimento da pior é a melhor solução para o conflito. Para isso, necessário é o entendimento dos contornos, da lateralidade e das externalidades desta ou daquela posição.

                  Dialogando com os alunos do LLM em Direito Empresarial Aplicado, das Faculdades da Indústria do Sistema FIEP, recentemente, o juiz Tiago Gagliano Pinto Alberto expressou que o julgador deve cuidar para que a decisão estabilize o sistema e não seja produto de avaliação individual, contrariando critérios de coerência já assinalados pela jurisprudência. Acrescentou que o juiz faz parte de uma engrenagem e, por isso, não pode decidir com base em convicções que contrariem a óptica materializada pelo sistema, podendo, evidentemente, ressalvar o seu pensamento. Como diz, trata-se de um critério epistemológico de coerência como definição de verdade (Lewis, Davidson), que acolhe como correto para estabilização do sistema decisório[5].

                  Este pequeno texto teve por objetivo contextualizar algumas questões de ordem prática e jurídica que afetam a dinâmica do amplo e reinventado mercado de locações empresariais.

                  Conclui-se, assim, que o risco do negócio — locação empresarial — decorre do comportamento das partes na fase pré-contratual, na fase de elaboração e formalização do contrato e na posterior discussão deste mesmo pacto perante o Poder Judiciário ou a Jurisdição Arbitral, o que tem resultado em precedentes, como os acima registrados, não aderentes aos artigos 20 e seguintes da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, que remete ao julgador a análise das consequências da decisão.

 

 

Notas e Referências

[1]1ª Turma do STF — RE 605709. Relatoria da Ministra Rosa Weber. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jun-18/stf-afasta-penhora-bem-familia-fiador-locacao-comercial>. Acessado em: 07 de agosto de 2018.

[2] TJPR—Apelação Cível 1.446.838-9. Relator Des. Sigurd Roberto Bengtsson. Órgão Julgador: 11ª. Câmara Cível. Data da publicação 24/01/2017.

[3]TJSP— Apelação 1031395-54.2014.8.26.0114. Relator AZUMA NISHI. Órgão Julgador: 37ª Câmara Extraordinária de Direito Privado. Foro de Campinas — 1ª Vara Cível. Data do Julgamento: 24/05/2018. Data de Registro: 29/05/2018.

[4] CC, art. 413. “A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”.

[5] ALBERTO, Tiago Gagliano Pinto. In Diálogo com os Alunos do LLM em direito empresarial aplicado das Faculdades da Indústria do Sistema FIEP, outubro/2018.

 

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