A Lei 13.454/2017 retrata aparente colisão no Direito à Saúde – Por Clenio Jair Schulze

26/06/2017

A Lei 13.454 foi publicada em 26 de junho de 2017 e autoriza “a produção, a comercialização e o consumo, sob prescrição médica no modelo B2, dos anorexígenos sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol”[1] (também conhecidos como inibidores de apetite).

Trata-se de questão extremamente polêmica, porque a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária proibiu a comercialização das aludidas substâncias, diante da aparente ausência de evidências científicas quanto à eficácia, efetividade e segurança. Além disso, alegou que as substâncias possuem severas restrições no mundo (o femproporex não é aprovado nos EUA e foi proibido na Europa em 1999; o mazindol foi retirado dos mercados dos EUA e da Europa também em 1999 e a anfepramona é vendida nos EUA, mas não é aprovada na Europa)[2].

Não obstante a orientação negativa da Anvisa, o Congresso Nacional desconsiderou tal posição, aprovou o projeto de lei e o Presidente da República em exercício o sancionou.

A despeito da polêmica inerente ao tema, é possível vislumbrar aparente inconstitucionalidade da aludida legislação.

É que não é do Poder Legislativo a atribuição para a análise técnica sobre a viabilidade de fabricação e comercialização de medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos e correlatos, bem como produtos de higiene, cosméticos, perfumes e produtos destinados à correção estética. Com efeito, a Lei 6.360/1976 confere tal prerrogativa apenas à Anvisa, que é autarquia federal, vinculada ao Poder Executivo.

Em 2016, no caso da fosfoetalonamina aconteceu idêntico procedimento, em que o Congresso atuou usurpando a atribuição da Anvisa e outros órgãos e aprovou a Lei 13.269 de 13/04/2016, que autorizou o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna.

O Supremo Tribunal Federal, contudo, no julgamento cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5501 suspendeu os efeitos da lei que autorizou o uso da pílula sintética, assentando que: (a) a produção de medicamentos deve ser precedida de rigoroso crivo científico; (b) a Lei 6360/1976 fixa atribuição à Anvisa para prévio controle das substâncias químicas e de tecnologias em saúde; (c) a lei é casuística; (d) houve violação ao princípio da separação dos Poderes, diante da atuação per saltum do Legislativo, sem o prévio controle sanitário por parte de órgão do Poder Executivo[3].

Assim, a despeito da polêmica, é provável que o STF volte a atuar e também reconheça a inconstitucionalidade da Lei 13.454/2017. Afinal, se inexiste evidência científica qual foi a razão para a aprovação do aludido diploma normativo?

A resposta deve ser apresentada a partir do catálogo de direitos fundamentais e, principalmente, de acordo com a interpretação que melhor concretize o Direito à Saúde.


Notas e Referências:

[1] BRASIL. Lei 13.454 de 23 de junho de 2017. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13454.htm. Acesso em 26 de junho de 2017.

[2] BRASIL. Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Disponível em http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/anvisa-lei-que-libera-anorexigenos-e-inconstitucional/219201?p_p_auth=AKtRbzDO&inheritRedirect=false&redirect=http%3A%2F%2Fportal.anvisa.gov.br%2Fnoticias%3Fp_p_auth%3DAKtRbzDO%26p_p_id%3D101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_id%3D_118_INSTANCE_dKu0997DQuKh__column-2%26p_p_col_count%3D2. Acesso em 26 de junho de 2017.

[3] Os fundamentos da decisão podem ser encontrados no Informativo 826 do STF, disponível em http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo826.htm. Acesso em 26 de junho de 2017.


 

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