A justificação prévia nas tutelas de urgência: em busca do sentido do art. 300, § 2º, do novo CPC – Por Felippe Borring Rocha e Luísa Tostes Escocard de Oliveira

23/05/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

Um ponto que parece esquecido pela doutrina, mas que merece especial destaque, é a consagração da possibilidade de justificação prévia no procedimento das tutelas de urgência no artigo 300, § 2º, do CPC/2015. É certo que esse instituto já era conhecido dos operadores de direito, porquanto previsto expressamente no CPC/1973 para tutelas de natureza cautelar e para a liminar possessória, de cunho satisfativo. Contudo, não gozava de previsão expressa sobre a sua aplicabilidade a toda e qualquer modalidade de tutela antecipada. Foi o que fez o CPC/2015.

Assim, temos que “a tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia” (art. 300, § 2º, CPC/2015). Mas o que vem a ser essa “justificação prévia”? Nos parece bastante óbvio que o legislador do CPC/2015, em linha com o que já existia na vigência do CPC/1973, buscou trazer para o procedimento das tutelas de urgência a possibilidade de convocação de uma audiência para o requerente se justificar oralmente sobre os requisitos da medida provisória, quando estes não puderem ser identificados a partir da leitura da petição inicial. A justificação prévia, portanto, mantém a sua natureza instrutória, tendo como protagonista o requerente da tutela de urgência (autor).

Para deixar mais claro, a justificação prévia serve para o autor, que requereu a antecipação dos efeitos do provimento final, mas que não conseguiu demonstrar a presença de todos os requisitos necessários à concessão da medida provisória, fazê-lo oralmente em audiência. Por isso, o seu objetivo é formar a convicção do magistrado sobre o deferimento provisório da tutela, que, embora calçada sobre uma cognição sumária, deve ser formada da melhor maneira possível, dentro de um quadro de celeridade inerente ao conceito de urgência. Trata-se, a audiência de justificação prévia, de uma ferramenta com vistas à prestação da efetiva tutela jurisdicional. Nessa perspectiva de entendimento, podemos destacar autores como Leonardo Ferres da Silva Ribeiro[1], Cassio Scarpinella Bueno[2] e José Carlos Barbosa Moreira[3].

A despeito disso, o que temos verificado na prática forense é que alguns julgadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro têm atribuído à justificação prévia ao pedido de tutela de urgência o caráter de defesa específica[4]. Assim, ao receber a petição inicial, esses magistrados têm determinado a intimação do requerido para, em 5 dias, apresentar em juízo resposta escrita ao pedido de tutela de urgência formulado. Não fosse apenas a deturpação da finalidade do instituto, essas decisões têm interpretado que o silêncio do requerido em apresentar a justificação prévia por escrito implicaria numa modalidade especial de revelia, que serviria, de per si, como fundamento para a concessão da medida. Daniel Mitidiero[5] parece compartilhar desse entendimento.

Não nos parece correta essa orientação. A uma, porque distorce a natureza tradicional do instituto. A duas, porque há uma razão procedimental para que a justificação prévia seja um ato destinado ao autor, e não ao réu. Determinar que o requerido apresente nos autos uma defesa por escrito antes da realização da audiência de autocomposição prevista no art. 334 do CPC/2015 pode comprometer o propósito conciliatório do procedimento, por antecipar e cindir a manifestação defensiva.

E, como todos sabem, uma das grandes apostas do CPC/2015 é a audiência de conciliação ou de mediação, trazida para o início do procedimento, como ato prévio ao oferecimento da contestação, justamente com o escopo de ampliar as possibilidades de acordo em um momento em que ainda não há tanta animosidade entre as partes. Qual lógica teria, portanto, chamar o réu para justificação prévia antes dessa audiência?

Além de frustrar o ânimo compositivo trazido pela nova estrutura procedimental trazida pelo CPC/2015, atribuir natureza defensiva à justificação prévia significa antecipar e cindir a defesa do requerido, em franca inversão tumultuária do processo, agredindo o princípio constitucional do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF).

Percebemos um cenário de insegurança instaurado pela lacônica redação do parágrafo segundo do artigo 300 do CPC/2015, consistente na falta de definição sobre os contornos da justificação prévia. Como nós, talvez o legislador tenha pensado ser evidente a natureza do instituto. De todo modo, na hipótese da controvérsia se avolumar e não ser pacificada pela jurisprudência, o ideal seria uma reforma legislativa a fim de especificar, de uma vez por todas, as características desse importante instituto para a efetividade da prestação da tutela jurisdicional.


Notas e Referências:

[1] RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela provisória: tutela de urgência e tutela de evidência: Do CPC/1973 ao CPC/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 210.

[2] BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 219.

[3] Barbosa José Carlos Moreira. A antecipação da tutela jurisdicional na reforma do Código de Processo Civil, p. 202.

[4] Por todas: TJRJ – 12ª Câmara Cível – AI 0001505-31.2017.8.19.0000 – Rel. Des. José Acir Giordani, j. em 29/03/2017; TJRJ – 24ª Câmara Cível – AI 0039061-04.2016.8.19.0000 – Rel. Des. Andréa Fortuna, j. em 03/08/2016; TJRJ – 23ª Câmara Cível – AI 0051050-07.2016.8.19.0000 – Rel. Des. Maria Celeste Jatahy, j. em 30/09/2016; TJRJ – 9ª Câmara Cível – AI 0010607-77.2017.8.19.0000 – Rel. Des. Jose Roberto Compasso, j. em 04/04/2017.

[5] MITIDIERO, Daniel. Comentários ao art. 300. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et altri (coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 782: “A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente (isto é, in liminem no início do processo, sem que se tenha citado a parte contrária – inaudita altera parte), quando o tempo ou a atuação da parte contrária for capaz de frustrar a efetividade da tutela sumária. Neste caso, o contraditório tem que ser postergado para o momento do procedimento posterior à concessão da tutela. Não sendo o caso de concessão liminar, pode o juiz concedê-la depois da oitiva do demandado em justificação prévia (isto é, oitiva específica da parte contrária sobre o pedido de tutela de urgência)”.


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