A judicialização é o remédio para a saúde? – Por Clenio Jair Schulze

30/12/2015

Muitos questionamentos surgem em razão da judicialização da saúde[1].

O que a judicialização traz de positivo?

1) A correção da administração - pública e das operadoras de plano de saúde, pois grande parte da judicialização da saúde no Brasil (aproximadamente 35%) decorre do não fornecimento de tecnologias já incorporadas, ou seja, de medicamentos e produtos que já constam da relação de medicamentos e que, portanto, deveriam ser fornecidos diretamente no SUS e não foram por omissão inércia, inapetência, etc.

2) A incorporação de novas tecnologias. Em razão da sucessão de inúmeras decisões judiciais procedentes levou o SUS e a ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar a incorporar tais tecnologias, após a comprovação da eficácia, da acurácia, da segurança, eficiência e custo-efetividade.

3) Concretização da teoria dos direitos fundamentais. A judicialização permite o cumprimento da Constituição - pelo menos em parte -, que deixa de ser apenas uma promessa inconsequente (Celso de Mello).

4) Ajustes na regulação. O alto número de condenações judiciais exigiu uma atuação mais concreta a acentuada dos órgãos de regulação, como Anvisa, ANS, entre outros, no controle da administração pública e das operadoras de plano de saúde.

5) Criação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias - CONITEC. A entidade foi criada pela Lei 12.401/2011 com a finalidade de auxiliar o Ministério da Saúde na incorporação de novas tecnologias, após elaboração e apresentação de estudos técnicos.

6) O fomento ao uso da Medicina Baseada em Evidências - MBE como critério na teoria da decisão judicial.

O que a judicialização traz de negativo?

1) A percepção de que todas as tecnologias existentes no mercado mundial são passíveis de uso pela sociedade brasileira. É inegável que os recursos públicos - e das operadoras de plano de saúde - são inexoráveis, razão pela qual é impossível custear tudo a todos.

2) O pensamento de que o Judiciário é o caminho mais fácil. Muitos judicializam diretamente sem postular o medicamento ou produto na via administrativa, fomentando, indevidamente, a análise per saltum da questão pelo Estado-Juiz.

3) Ausência de visão técnica adequada do Judiciário na análise das postulações. Não é sempre que os juízes estão preparados tecnicamente para usar a medicina baseada em evidências na análise dos casos judicializados. A falta de critérios adequados pode ensejar a prolatação de decisões contrárias ao sistema de saúde e a ciência - médica, farmacêutica.

4) Aumento do impacto financeiro com o alto número de condenações judiciais. Os entes públicos e as operadores de plano de saúde passaram a fornecer, por força de decisões judiciais, tecnologias de alto custo e com baixa evidência científica, causando forte influência nas suas contas. Muitas vezes as decisões judiciais causam dificuldades administrativas (v.g. há Municípios que despendem 30% do seu orçamento com saúde em razão do cumprimento de decisões judiciais, etc).

5) Aparente desorganização da administração, pois o impacto financeiro da condenação impede que a Administração pública ou a operadora do plano de saúde fomente determinadas práticas ou políticas previamente programadas.

6) Uso indevido da máquina do Judiciário. A Associação dos Magistrados do Brasil - AMB aponta que há uso predatório da Justiça na propositura de ações judiciais desnecessárias, muitas delas decorrentes de abuso praticado pelo usuário - consumidor - pelas operadoras de plano de saúde e pelo SUS.

7) Causa benefício prioritário àqueles que judicializam, em detrimento aos cidadãos que não buscam ou não podem acessar o Poder Judiciário (duas portas do SUS[2]).

Esta é uma descrição - ainda que sumária - de algumas das consequências do fenômeno da judicialização da saúde. A missão da sociedade e do Poder Judiciário é permitir que os aspectos negativos sejam superados e que os pontos positivos sejam fortalecidos.


Notas e Referências:

[1] NETO, João Pedro Gebran. SCHULZE, Clenio Jair. Direito à Saúde . Análise à luz da judicialização. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2015.

[2] FERRAZ, Otávio. WANG, Daniel. As duas portas do SUS. Folha de São Paulo, 19/06/2014.


 

Imagem Ilustrativa do Post: [day13] on drugs // Foto de: Fernando Mafra // Sem alterações

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