A JUDICIALIZAÇÃO DA CRISE DECORRENTE DA COVID 19 E A IMPORTÂNCIA DAS TUTELAS PROVISÓRIAS

25/04/2021

Coluna Advocacia Pública e outros temas jurídicos em Debate / Coordenadores Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta

Um dos temas mais importantes do CPC/15 diz respeito à disciplina das tutelas provisórias e sua utilização como instrumentos de efetivação e garantia dos direitos fundamentais.

O objeto do presente texto é analisar a utilização das técnicas de provisoriedade em tempos de pandemia, especialmente em razão das múltiplas questões que estão sendo levadas ao Poder Judiciário em decorrência da Covid-19.

Nos primeiros meses do ano de 2020, com a disseminação da contaminação no território nacional, e com o reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Congresso Nacional (decreto legislativo 06/2020), é fácil perceber um exponencial aumento de demandas judiciais em que se discute a necessidade de tutela provisória de urgência (antecedente ou mesmo incidental) o que, consequentemente, gera a importante atuação do Poder Judiciário inclusive no que respeita à análise de efeito suspensivo pleiteado em recursos ou mesmo em Pedido de Suspensão de Liminar.

É possível afirmar, sem medo de errar, que está ocorrendo uma explosão da Judicialização da Crise (social, política, federativa[1], econômica, orçamentária, de saúde pública, etc), o que gera, de um lado, a importante e protagonista atuação do Poder Judiciário e, de outro, a necessidade de apreciação da multiplicidade de questões com parcimônia e responsabilidade.

O ativismo judicial e o respeito aos princípios consagrados na Carta Constitucional de 1988 devem ser sopesados em inúmeros casos concretos que demandam a apreciação da tutela provisória antecedente ou incidental.

Aliás, no que respeita a concessão da tutela provisória de urgência inaudita altera pars nestas múltiplas situações jurídicas, há a necessidade de demonstração dos requisitos autorizadores da medida. De acordo com o caput do art. 300, do CPC/15, os positivos são: a) probabilidade do direito; b) perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Já o requisito negativo, para a tutela de urgência antecipada, está previsto no §3º, do art. 300, a saber: perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão[2].

Outrossim, a tutela provisória de urgência pode ser concedida de forma liminar (inaudita altera parte), após justificação prévia (art. 300, §2º, do CPC/15), ou em qualquer outra etapa durante o andamento do feito, inclusive em sede recursal. A rigor, inexiste preclusão em relação ao momento de concessão da tutela provisória incidental[3].

Na prática forense e considerando a já mencionada ampliação da Judicialização dos direitos fundamentais nestes tempos de crise em decorrência da Convid-19, as tutelas provisórias funcionam como um instituto absolutamente essencial e relevante. Não há como se aguardar o natural diálogo procedimental e a ampliação do contraditório para se definir critérios ligados à salvaguarda imediata dos direitos e garantias previstas na Constituição de 1988.

Existem casos urgentes e os de mais absoluta e extrema urgência, tão relevantes que não há como se aguardar propriamente a propositura da demanda (judicialização do objeto litigioso). Imagine, como exemplo, hipótese em que discute direito à saúde, decorrente da negativação de internação de paciente com quadro grave de insuficiência respiratória decorrente da Covid-19, não há que se pensar em aguardar o tempo e a abertura do contraditório. Como sugerido no título deste ensaio, existe a urgência da urgência, a merecer imediata tutela jurisdicional antecipada, inclusive em requerimento antecedente (arts. 303 e 304, do CPC/15) à própria judicialização do objeto principal.

Com efeito, nesta situação extrema (urgência da urgência) não resta outra alternativa senão utilizar da tutela antecipada antecedente, prevista nos arts. 303 e 304, do CPC/15. Aliás, esta tutela antecedente também pode estar presente no caso de tutela coletiva, funcionando como precedente à própria ação coletiva[4].

Existem vários exemplos concretos dessa Judicialização da crise advinda desse novo vírus, onde o fenômeno da tutela provisória tem importante espaço. No âmbito do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, diversas classes de incidentes e demandas foram apresentadas apenas nestes primeiros meses de 2020, dentre as quais é possível destacar:

- Ação Direta de Inconstitucionalidade 6363 (STF – Rel. Min. Ricardo Lewandowki) – cautelar concedida monocraticamente para dar interpretação conforme à Constituição do §4º, do art. 11, da Medida Provisória 936/2020. Em 17.04.20, o Tribunal, por maioria, negou referendo à medida cautelar, indeferindo-a, nos termos do voto do Min. Alexandre de Moraes.

- Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 676 (STF- Rel. Min. Alexandre de Moraes) – Em 20.04.20, em decisão do Exmo. Relator, foi adotado o rito do art. 5º, §2º, da Lei 9.882/99, com a determinação para que os órgãos e autoridades responsáveis pelo ato impugnado (Políticas Públicas voltadas para o combate à pandemia do Coronavírus) possam se pronunciar.

- Ação Direta de Inconstitucionalidade 6341 (STF – Rel. Min. Marco Aurélio) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 672 (Rel. Min. Alexandre de Moraes), que discutem aspectos ligados à Lei 13.979/20 e, também, a própria competência entre os entes federados.

- Ação Civil Originária 3385 (STF- Rel. Min. Celso de Mello), onde foi concedida, em 20.04.20, tutela provisória de urgência, com a determinação de entrega, ao Estado do Maranhão, em 48 horas, de 68 ventiladores pulmonares.

- Ação Civil Originária 3376 (STF- Rel. Min. Alexandre de Moraes). Em 1.04.20, o Exmo. Relator concedeu tutela de urgência para determinar a suspensão por 180 dias do pagamento de parcelas relativas a Contratos envolvendo o Estado do Amazonas.

- Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6387, 6389, 6388 e 6390 (STF- Rel. Min. Rosa Weber) – todas voltadas à a Medida Provisória 954/2020, que consagra o compartilhamento de dados de usuários por prestadoras de serviços de telecomunicações com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para dar suporte à produção estatística oficial durante a pandemia do Coronavírus[5].

- Suspensão de Tutela Provisória 175 (STF - Rel. Min. Dias Toffoli),  que tem por objeto a suspensão de decisão proferida por Desembargador do TJE/SP, que concedeu medida cautelar para suspender efeitos de Decreto editado pelo Município de Santo André. Em 15.04.20 o Exmo. Min. Presidente do STF negou seguimento à pretendida suspensão dos efeitos da tutela[6].

- HC 570.728 (STJ – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino), onde foi concedida ordem judicial para que um bebê de dois meses fique provisoriamente com seus guardiões durante a pandemia do novo coronavirus[7].

-MS 26.024 (STJ- Rel. Min. Assusete Magalhães) impetrado por paciente internado em unidade semi-intensiva, apresentando quadro condizente com a doença SARS-COVID 19, em face de ato supostamente praticado pelo Ministro da Saúde. Em 10.04.20 foi extinto o processo (arts. 212 do RISTJ, 6º, § 5º, da Lei 12.016/2009, e 485, VI, do CPC/2015).

Ainda é possível citar outras demandas em tramitação no Pretório Excelso,  com pedidos diversos de tutelas provisórias incidentais, em temas como: teto de gastos (ADI 5715); sistema prisional, visando reduzir o potencial lesivo da Covid-19 entre a população carcerária (ADPF 347); voos internacionais, com o objetivo de suspender o desembarque de passageiros provenientes da Europa e Ásia pelo período de 30 dias (MS 36997), etc[8].

Além destas, diversos outros temas relacionados à Covid-19 foram levados ao Poder Judiciário, por exemplo: direito a internação imediata, disponibilização de UTI em hospital público ou custeio, pelo ente federado, de UTI em hospital particular, tratamento médico com determinado fármaco, prioridades na aquisição e aplicação de vacinas, etc.

A ampliação da Judicialização de direitos fundamentais acaba gerando reflexos em institutos clássicos do Estado de Direito, como: direito de ir e vir, direito à vida, liberdades individuais e coletivas, pacto federativo[9], Separação de Poderes, dentre outros.

De outro prisma, essa multiplicidade de demandas envolvendo o mesmo tema central (Judicialização da Crise), provoca também a necessidade de revisitação de conceitos como intervenção em políticas públicas, direitos fundamentais (individuais e coletivos) e, em última análise, o próprio ativismo judicial[10]. E nestas demandas, ganha espaço muito grande a utilização das tutelas provisórias (especialmente as de urgência), considerando o pouco tempo, o muito risco, e os bens jurídicos em discussão.

Estas são as reflexões apresentadas em relação a este complexo e importante tema tutela provisória e judicialização da crise.

 

Notas e Referências

[1] Vale a leitura das petições iniciais e das decisões dos Exmos. Ministros Relatores da ADI 6341 (STF – Rel. Min. Marco Aurélio) e da ADPF 672 (Rel. Min. Alexandre de Moraes), que discutem aspectos ligados à Lei 13.979/20 e, também, a própria competência entre os entes federados e as diretrizes do Sistema Único de Saúde.

[2] É mister afirmar, o que já vem sendo discutido desde a redação do CPC/73 (art. 273, §3º), que o requisito negativo não deve ser interpretado de forma absoluta, mas sim de acordo com a situação jurídica tratada em cada caso concreto. A propósito, vale citar o Enunciado 419 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “(art. 300, § 3º) Não é absoluta a regra que proíbe tutela provisória com efeitos irreversíveis. (Grupo: Tutela de urgência e tutela de evidência)”.

[3] Vale citar o Enunciado 496 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “(art. 294, parágrafo único; art. 300, caput e §2º; art. 311) Preenchidos os pressupostos de lei, o requerimento de tutela provisória incidental pode ser formulado a qualquer tempo, não se submetendo à preclusão temporal. (Grupo: Tutela de urgência e tutela de evidência)”.

[4] 1ª Seção do STJ já enfrentou hipótese de requerimento de tutela provisória à ação rescisória (TP 1800 / SP Rel. Min. Francisco Falcão – 1ª Seção – J. em 10.04.2019 – DJe 06/05/2019).

[5] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441728 Acesso em 20.04.20.

[6] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441708 Acesso em 20.04.20.

[7] https://www.conjur.com.br/2020-abr-06/stj-concede-hc-bebe-ficar-guardioes-durante-pandemia. Acesso em 20.04.20.

[8] https://www.conjur.com.br/2020-mar-18/epidemia-covid-19-motiva-acoes-peticoes-entregues-stf Acesso em 23.04.20.

[9] Interessante texto escrito por Gregore Moura aborda a questão da judicialização e o pacto federativo https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/coronavirus-o-federalismo-ainda-respira/?utm_source=estadao:whatsapp&utm_medium=link

[10]“Ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também da função administrativa e, até mesmo, da função de governo. Não se trata do exercício desabrido da legiferação (ou de outra função não jurisdicional), que, aliás, em circunstâncias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho judiciário e sim da descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes”. RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 14.

 

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