OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Os princípios ao lado das regras são espécies do gênero normas jurídicas, portanto, merecem a devida atenção por parte dos estudiosos do direito, eis os ensinamentos do administrativista José dos Santos Carvalho Filho:
As regras são operadas de modo disjuntivo, vale dizer, o conflito entre elas é dirimido no plano da validade: aplicáveis ambas a uma mesma situação, uma delas apenas a regulará. Atribuindo-se à outra o caráter de nulidade. Os princípios, ao revés, não se excluem do ordenamento jurídico na hipótese de conflito: dotados que são de determinado valor ou razão, o conflito entre eles admite a adoção do critério da ponderação de valores (ou ponderação de interesses), vale dizer, deverá o intérprete averiguar a qual deles, na hipótese sub examine, será atribuído grau de preponderância.[2]
O jurista português José Joaquim Gomes Canotilho entende que “os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, e permitem o balanceamento de valores e interesses, consoante seu peso e a ponderação com outro princípio eventualmente conflitante”.[3]
Os princípios básicos da Administração estão previstos no caput do artigo 37 do Constituição Republicana de 1988, que estabelece que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios deverá obedecer aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.
Além destes princípios, a administração pública direita e indireta de qualquer dos Poderes da República deverá obedecer a outros princípios, dentre eles os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da supremacia do interesse público, da autotutela, da indisponibilidade de interesse público, da continuidade dos serviços públicos, da segurança jurídica, da proporcionalidade, da precaução e da motivação dos atos administrativos, que apesar de não estarem expressando contidos no artigo 37 do Texto Constitucional, também são de extrema relevância para a regularidade dos atos administrativos, até porque a violação destes princípios também pode resultar na nulidade do ato praticado em desconformidade.
Dentre todos os princípios inerentes à Administração Pública, entendo que o princípio da legalidade é de maior envergadura, pois a legalidade administrativa é uma garantia do cidadão contra a tirania do Poder Estatal, funcionando “como fundamento e limite de todo funcionamento do Estado”[4], o que demonstra a importância do princípio da legalidade administrativa frente aos demais princípios jurídicos.
Entre os princípios da Administração Pública, o princípio da legalidade está no ápice da escala axiológica do ordenamento jurídico, ou seja, trata-se de princípio de maior envergadura, portanto, merece o devido respeito por parte dos administradores. Como isso, todas as condutas dos agentes do Estado devem estar previamente estabelecidas em lei, sob pena de o ato administrativo ser declarado ilegal, podendo, inclusive o gestor ser responsabilizado pessoalmente por ato de improbidade administrativa.
Cabe registrar que a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), em seu artigo 4º, estabelece que “Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos”.
Dessa maneira, diante da violação de um dos princípios retromencionados, em tese, poderá o Gestor responder por ato de improbidade, notadamente quando pratica determinado ato sem respaldo legal, tendo em vista que o artigo 11 da Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, preceitua que “constituiu ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”.
O administrador pode até não concordar com as disposições contidas na norma vigente, todavia não lhe resta alternativa senão praticar o ato administrativo em estrita obediência ao que está previamente fixado na norma criada pelo legislador democraticamente eleito pelo povo, pois a legalidade é princípio matriz de todos os atos da Administração Pública, dela não podendo o administrador desgarrar, sob pena de ser severamente responsabilizado pessoalmente por praticar ato administrativo ao arrepio da previsão legal.
O administrador público deve repensar o alcance e a importância do princípio da legalidade administrativa, visto que em várias oportunidades o gestor age como se particular fosse, o que tem resultado em várias ações de improbidade administrativa por violação às disposições contidas no artigo 11 da Lei n 8.429, de 02 de junho de 1992, até porque todos os atos administrativos somente podem ser praticados de acordo com a lei; em contrapartida os particulares podem fazer tudo o que não for proibido pelo ordenamento jurídico vigente.
Muitas vezes o administrador público é condenado pelo fato de ter praticado o ato administrativo como se um particular fosse, condenação mais do que acertada, visto que tal tipo de comportamento é reprovado pelo ordenamento jurídico.
O administrador tem que entender definitivamente que o órgão público não é a extensão de sua residência ou de sua empresa, nestes locais o gestor está autorizado a fazer tudo o que não for vedado pelo ordenamento jurídico. Não há dúvida de a legalidade administrativa guiará todos os comportamentos do administrador, de um simples ato até a mais complexa decisão a ser proferida pela Administração Pública, pois a legalidade administrativa está no ápice da escala axiológica dentre os princípios administrativos, merecendo, portanto, a devida observância e efetividade.
O legislador ao instituir o princípio da legalidade administrativa almejou afastar eventuais comportamentos tiranos e pessoais do agente público no exercício do cargo público, que eram marcas impregnadas do regime jurídico anterior, onde o aparelhamento estatal estava para satisfazer aos interesses pessoais do detentor do cargo, ao invés de servir aos anseios e necessidades dos cidadãos, especialmente para as pessoas mais necessitadas.
Entretanto, mesmo depois de transcorridos mais de 32 anos da promulgação da Constituição Republica de 1988 ainda deparamos com agentes públicos que agem com a coisa pública como se particular fosse, em total desrespeito aos princípios constitucionais, especialmente os princípios da legalidade e da isonomia, merecendo a devida repulsa por parte de todos nós.
Neste estudo não será feito uma abordagem minuciosa de cada princípio inerente à Administração Pública, por não se tratar do ponto central do estudo, reserva-se a analisar a jornada de trabalho dos detentores de cargos privativos de advogado lotado em órgão público.
Este estudo terá como base de sustentação a Constituição Republicana de 1988, notadamente os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, contidos no artigo no caput do 37 da Lei Maior, até porque todo estudo jurídico deve ter como pondo de partida as normas constitucionais, em razão de sua força normativa e supremacia frente às demais normas.
A JORNADA DE TRABALHO DOS DETENTORES DE CARGOS PÚBLICOS PRIVATIVOS DE ADVOGADOS
De início, cabe registrar que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994), em seu artigo 20, estabelece que a carga horária do advogado, em regra, é quatro horas contínuas e a vinte horas semanais, salvo acordo ou convenção coletiva ou em caso de dedicação exclusiva, in verbis:
Art. 20. A jornada de trabalho do advogado empregado, no exercício da profissão, não poderá exceder a duração diária de quatro horas contínuas e a de vinte horas semanais, salvo acordo ou convenção coletiva ou em caso de dedicação exclusiva.
§1º Para efeitos deste artigo, considera-se como período de trabalho o tempo em que o advogado estiver à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, no seu escritório ou em atividades externas, sendo-lhe reembolsadas as despesas feitas com transporte, hospedagem e alimentação.
§2º As horas trabalhadas que excederem a jornada normal são remuneradas por um adicional não inferior a cem por cento sobre o valor da hora normal, mesmo havendo contrato escrito.
Destarte, a jornada do agente público que exerce cargo privativo de advogado, seja ele comissionado, efetivo ou contratado, não pode exceder a quatro horas diárias e a vinte horas semanais, salvo se existir lei autorizativa transformando o cargo privativo de advogado como de dedicação exclusiva, devendo, ainda, ser fixada a carga horária, lembrando que a dedicação exclusiva proíbe o advogado prestar serviços jurídicos para terceiros estranhos ao órgão em esteja lotado.
Em várias Entes Públicos o advogado público desempenha jornada de trabalho superior a quatro horas diárias e a vinte horas semanais, entretanto, a jornada majorada é fixada em Lei, como é o caso dos Advogados da AGU (Advocacia-Geral da União), que tem a jornada de trabalho fixada na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, o que não é admitido é o advogado público exercer jornada de trabalho superior a quatro horas diárias sem lei autorizativa.
Mesmo nos casos de cargos comissionados privativos de advogado, não pode a Administração fixar a jornada aleatoriamente, até porque o Estatuto da OAB regulamenta a jornada de trabalho do advogado, não fazendo distinção entre advogado empregado, detentor de cargo efetivo, detentor de cargo comissionado. Logo, não pode o intérprete fazer a distinção ao seu bel-prazer, pois não tem legitimidade e competência para tanto.
Segundo o jurista Lenio Luiz Streck, o Direito é o resultado de uma construção coletiva, intersubjetiva, e não o produto da consciência individual ou de um colegiado. O mesmo autor continua aduzindo que “a legitimidade jurídica num ambiente democrático requer outra justificação, que inclui, sobretudo, o respeito aos limites semânticos dos textos constitucionais/legais”.[5]
Dessa maneira, pode-se concluir que o advogado detentor de cargo comissionado deve executar a jornada prevista no artigo 20 do Estatuto da OAB, salvo se existir lei autorizativa no Ente que o agente público esteja lotado, visto que o Estatuto da OAB não excepciona o advogado detentor de cargo comissionado/contratado, não podendo o intérprete, ao seu alvedrio, criar exceções não previstas pelo legislador eleito democraticamente pelo povo.
Vale destacar que eventual norma jurídica que disciplina a carga horária dos advogados públicos deve tratar todos de maneira uniforme, ou seja, todos devem ter a mesma jornada de trabalho, em homenagem ao princípio constitucional da isonomia[6].
Insta salientar que não havendo lei autorizativa, a jornada de trabalho do detentor de cargo privativo de advogado deve ser nos moldes fixados no artigo 20 da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, vez que a Administração Pública, diferentemente do particular, deve praticar seus atos em consonância com o que estiver previamente estabelecido em lei, em respeito ao princípio da legalidade estrita, que consiste na ideia de que todo e qualquer ato que emane da Administração Pública deve ter amparo legal, sob pena de declaração de nulidade do ato e responsabilização pessoal daquele que praticou a irregularidade.
Veja as precisas palavras do saudoso administrativista Hely Lopes Meireles acerca do princípio da legalidade na Administração Pública:
A legalidade, como princípio da administração, significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil, criminal, conforme o caso.[7]
Como é de conhecimento geral, todo e qualquer ato administrativo deve ser praticado em observância ao princípio da legalidade, isto é, a Administração Pública somente pode praticar seus atos com base nas disposições contidas texto normativo prévio ao ato administrativo a ser praticado, que inclui a jornada de trabalho dos servidores públicos, pois o administrador não está autorizado a fixar fornada de trabalho de acordo com suas conveniências.
Em todo e qualquer ato administrativo o agente público deve obediência ao princípio da legalidade administrativa, em observância a determinação contida no caput do artigo 37 do Texto Constitucional, até porque o princípio da “legalidade é certamente a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração”[8], não existindo discricionariedade do administrador para praticar o ato administrativo de modo diverso do previsto em lei.
Como dito linhas acima, o Administrador Público dispõe da prerrogativa da discricionariedade para organização e funcionamento da administração, o que inclui a mudança de lotação de servidor e horário de funcionamento da repartição pública. Todavia, a discricionariedade conferida pela lei ao administrador para organizar o funcionamento da máquina pública não é ilimitada, conforme pensam alguns, tratando-se de uma discricionariedade regrada, haja vista que o administrador não pode praticar o ato discricionário ao seu “bel-prazer”, nem de modo arbitrário, em razão dos limites expressos e implícitos traçados pela norma jurídica.
Nas palavras do jurista Waldo Fazzio Júnior a discricionariedade administrativa refere-se à conveniência ou oportunidade e está sujeita à legalidade. Os atos discricionários, de certa forma, são também vinculados, porque jungidos a sua motivação. Depois, sua finalidade está prevista em lei, certo que se trata de requisito do ato administrativo, de natureza vinculada.[9]
Para o professor Juarez Freitas, o ato administrativo discricionário ou vinculado “encontra-se vinculado cogentemente ao direito fundamental à boa administração pública”, tornando-se a administração eficiente, eficaz, bem como cumpridora de seus deveres com a legalidade, transparência, a motivação, a imparcialidade e o respeito à moralidade. Portanto, tanto o ato administrativo vinculado como o ato discricionário encontram-se vinculados aos princípios fundamentais.
Dessa maneira, diante da vinculação dos atos discricionários aos princípios fundamentais contidas na Constituição Republicana de 1988, pode-se concluir que o mérito dos atos administrativos (ato discricionário ou vinculado) deve ser objeto de controle jurisdicional, devendo o Judiciário investigar se o ato, objeto de análise, foi praticado em sintonia com os princípios fundamentais da Administração Pública, especialmente o princípio da legalidade administrativa.
O Colendo Superior Tribunal da Cidadania – STJ, tem decidido no sentido de que é possível o controle do mérito do ato administrativo pelo Poder Judiciário, vez que a Administração deve se submeter ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade, o que demonstra que a discricionariedade administrativa não é ilimitada, eis a ementa de um julgado neste sentido:
Administrativo e Processo Civil – Ação Civil Pública – Obras de Recuperação em prol do Meio Ambiente – Ato Administrativo Discricionário.
- Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.
- Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la.
- O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade.
- Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la. 5. Recurso especial provido." (STJ, Segunda Turma, REsp 429570/GO; Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 22.03.2004 p. 277 RSTJ vol. 187 p. 219). (Grifos).
A melhor doutrina também é no sentido de que o Poder Judiciário deve realizar o controle do mérito administrativo, no que tange à observância aos princípios norteadores da atividade administrativa, bem como em observância à ordem vigente. Nesse sentido ensina o professor Juarez Freitas, aduzindo que:
A discricionariedade, no Estado Democrático (quer dos atos administrativos, que dos atos judiciais), está sempre vinculada ao primado dos princípios, objetivos e direitos fundamentais, sob pena de se traduzirem em arbitrariedade proibida e minar os limites indispensáveis à liberdade de conformação, a saber, racional característica fundante do Direito. [...] Numa visão sistemática consentânea com o novo conceito de Direito Administrativo e com a supremacia da ordem constitucional, o mérito do ato, por via reflexa, pode ser inquirido (efetuado o controle de demérito ou de arbitrariedade por ação ou omissão)[10].
Dessa maneira, em respeito aos princípios fundamentais da Administração Pública, em especial ao princípio da legalidade administrativa, a Administração não pode, sem lei autorizativa, regulamentar o cargo privativo de advogado como de dedicação exclusiva, fixar a jornada de trabalho superior a quatro horas diárias, vez que todo e qualquer ato da Administração deve ter previsão em lei, sob pena de nulidade absoluta, pois a inobservância ao princípio da legalidade trata-se de vício intransponível.
Cabe consignar que o detentor do cargo exclusivo fica à disposição da Administração Pública, podendo ser requisitado a qualquer momento para atender situações excepcionais. Todavia, não dá direito à Administração exigir que o detentor do cargo comissionado execute jornada indeterminada de trabalho, sob pena de afronta aos princípios norteadores dos atos da Administração Pública, o que não deve ser aceito no paradigma do Estado Democrático de Direito inaugurado pela Constituição Republicana de 1988, onde a Administração deve agir sob o viés da legalidade estrita.
Alguns estudiosos do direito partem da premissa equivocada de que o detentor de cargo comissionado, privativo de advogado, tem jornada de trabalho indeterminada, tão somente pelo fato de o cargo ser de recrutamento amplo. Este entendimento merece ser revisto urgentemente, visto que o cargo privativo de advogado, seja efetivo ou comissionado, deve ter tratamento diferenciado, por força das disposições contidas do Estatuto da OAB. Em razão das peculiaridades inerentes e inafastáveis aos cargos privativos de advogado não deve ser aplicada a regra concernente aos demais cargos comissionados, conforme insistem alguns hermeneutas.
No que concerne aos cargos de livre nomeação, o Ministro Marco Aurélio, no Processo Administrativo nº 353.132, enfatizou que independentemente da assunção de cargo em comissão ou de função de confiança, a jornada que extrapolar na lei que regulamenta a atividade deve ser remunerada como extraordinária, eis trecho do voto ilustre ministro da Suprema Corte:
Nota-se que o percebido em virtude do cargo de provimento em comissão ou de natureza especial visa remunerar não o trabalho extraordinário prestado, mas a responsabilidade maior do cargo ou função, o trabalho de maior valia desenvolvido pelo servidor.
Em outras palavras, a interpretação sistemática da Lei nº 8.112/90 conduz a concluir-se que parcela remuneratória satisfeita em razão de encontrar-se o servidor no cargo de provimento em comissão ou de natureza especial não se refere a trabalho extraordinário. Este deve ser remunerado a partir do que recebido normalmente pelo servidor, observado o quantitativo concernente ao cargo de provimento em comissão como o de natureza especial. A assim não se entender, ter-se-á situação jurídica na qual haverá verdadeira compensação, que, por sinal, pode, em tese, não ser completa, bastando, para tanto, que o pagamento a maior seja insuficiente a cobrir o trabalho extraordinário. Mais do que isso, na alteração da Lei nº 8.112/90 promovida pela Lei nº 8.270/91, dispôs-se que a regência do artigo 19 dela constante não alcança a duração do trabalho fixada em leis especiais.
Do contexto, depreende-se, então, que os servidores protegidos, sob o ângulo da duração do trabalho, por legislação especial estão sujeitos à jornada normal nela prevista, sendo desinfluente a circunstância de virem a exercer cargo em comissão ou função de confiança, no que estes – repito – geram o direito ao aumento remuneratório tendo em conta não a dilatação da jornada, mas o desempenho de atividade de maior responsabilidade.
Pronuncio-me no sentido de observar-se, independentemente da assunção de cargo em comissão ou de função de confiança, a jornada estabelecida na lei especial de regência da atividade do servidor, remunerando-se, como extraordinárias, as horas de trabalho que a ultrapassarem.[11]
Dessa maneira, o gestor não está autorizado a fixar a jornada de trabalho do detentor de cargo privativo de advogado, seja efetivo ou comissionado/contratado, com fundamento na discricionariedade administrativa, até porque todos os atos da Administração devem ser praticados com base no que estiver previamente fixada em lei aprovada pelo Poder Legislativo, não podendo a jornada de trabalho ser fixada por decreto, portaria ou outro instrumento normativo infralegal, conforme rotineiramente vem acontecendo.
Assim, se gestor público compelir o detentor de cargo comissionado privativo de advogado a executar carga horária superior a fixada em Lei Autorizativa ou na ausência desta superior à jornada fixada no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, deverá efetuar o pagamento das horas extras laboradas, devendo o gestor ser responsabilizado pessoalmente por determinar o exercício de jornada além da fixada pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994).
Nesse contexto, o detentor do cargo efetivo ou comissionado/contratado, cargo privativo de advogado, não pode ter carga horária diária superior a quatro horas contínuas e a vinte horas semanais, salvo se existir lei autorizativa transformando o cargo privativo de advogado como de dedicação exclusiva, com a fixação da carga horária, das atribuições e do vencimento, sob pena de ilegalidade do ato administrativo e responsabilização do gestor público, visto que o gestor público não está autorizado a agir de acordo com suas conveniências e interesses pessoais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
À luz dos argumentos expostos no decorrer do presente artigo pode-se concluir que os detentores de cargos públicos privativos de advogados, seja cargo efetivo ou comissionado/contratado, em regra não pode ter carga horária diária superior a quatro horas contínuas e a vinte horas semanais, salvo se existir lei autorizativa transformando o cargo comissionado ou efetivo como de dedicação exclusiva. Caso contrário, o administrador estará incorrendo em ilegalidade, pois está praticando ato sem previsão legal, em total afronta ao princípio da legalidade, o que é gravíssimo.
Sendo assim, a jornada de trabalho dos cargos públicos privativos de advogados, seja detentor de cargo efetivo ou comissionado/contratado, deve ser aquela fixada em norma do Ente político ou em caso de ausência normativa obedecer-se-á a jornada de trabalho fixada pela Lei nº 8.906, de 4 de Julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, conforme será melhor abordado ao longo deste estudo.
Conforme visto linhas acima, a Administração Pública, diferentemente do particular, somente pode praticar seus atos com base no que estiver estabelecido previamente em lei, em obediência ao princípio da legalidade estrita. Assim, a jornada do profissional que exerce cargo privativo de advogado, inclusive os detentores de cargo comissionado/contratado, deve ser àquela fixada pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, salvo se existir lei autorizativa transformando o cargo privativo de advogado como de dedicação exclusiva, com a fixação da jornada de trabalho, atribuições e vencimentos.
Do contrário, o administrador pode ser responsabilizado pessoalmente por praticar o ato desamparado de autorização legislativa, podendo, inclusive, responder por ato de improbidade administrativa em razão do atentado aos princípios da Administração Pública, notadamente ao princípio da legalidade administrativa, princípio este merecedor da devida proteção e efetivação, por estar no ápice da escala axiológica do ordenamento jurídico brasileiro emanando seus efeitos sobre os demais princípios administrativos.
Notas e Referências
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[1] CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26. ed. rev., ampl. e atual. até 31-12-2012 – São Paulo: Atlas, 2013, p.101
[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 19.
[3] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.1161-1162.
[4] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional - São Paulo, 12. ed. Saraiva, 2017, p. 887.
[5] STRECK, Lenio Luiz. Os limites semânticos e sua importância na e para a democracia. Revista da AJURIS – V. 41 – n. 135 – Setembro de 2014, p. 176.
[6] Adverte Celso Antônio Bandeira de Mello que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações benéficas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. (Curso de Direito Administrativo, 15ª ed., Malheiros, 2003, cap. II, pág. 104).
[7] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 35 ed. Malheiros, 2009, p.89
[8] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32 ed. rev. ampl. e atualizada até 19-01-2018. São Paulo: Atlas, 2018, p. 20.
[9] FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa; doutrina legislação e jurisprudência. 4 ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016, p. 329.
[10] FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.388-389
[11] STF. Secretaria de Gestão de Pessoas. Processo Administrativo nº 353.132.
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