A inviolabilidade do advogado e a desfaçatez de Jungmann

03/03/2018

Não faz muito tempo, quando ainda ocupava o ministério da Justiça, o hoje ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, diante de uma grave crise do sistema penitenciário, defendeu que a visita de advogados de chefes de facções criminosas a presídios fosse monitorada, inclusive por meio de gravações. [1]

Certamente, agora ocupando a Corte Constitucional o ministro do STF Alexandre de Moraes deve ter revisto a sua opinião, pelo menos é o que se espera de um constitucionalista.

Agora, o todo poderoso ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, voltou a defender a necessidade de todos os presídios do País, sejam eles federais ou não, terem as conversas entre detentos e seus advogados monitoradas.

O fato de alguns "criminosos" travestidos de advogados se valerem das prerrogativas consagradas na Constituição da República e no Estatuto da Advocacia para praticarem crimes ou de algum modo concorrerem para que outros os pratiquem não dá direito ao Estado de violar e cercear direitos consagrados na nossa Lei Maior.

Não se pode pretender criminalizar toda a categoria profissional pelo desvio de conduta daqueles que porventura possam ter cometido alguma ilegalidade ou crime e que, por isso, devem ser investigados e, caso seja comprovado alguma responsabilidade, punidos na forma do devido processo legal.

Não é despiciendo lembrar que de acordo com a Constituição da República o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. (Art. 133 da CR).

Necessário martelar que quando um advogado é assaltado nos seus direitos e prerrogativas, notadamente, como defensor da liberdade do imputado, é a democracia que sai ferida.

Em relação à inviolabilidade do advogado, o constitucionalista José Afonso da Silva assevera que: “equivoca-se quem pense que a inviolabilidade é privilégio do profissional. Na verdade, é uma proteção do cliente que confia a ele documentos e confissões da esfera íntima, de natureza conflitiva e, não raro, objeto de revindicação e até de agressiva cobiça alheia, que precisam ser resguardados e protegidos de maneira qualificada”. [2]

O direito de defesa e os advogados incomodam, incomodam os que se colocaram do lado do golpe militar de 1964 e se acostumaram a abusar do poder; Incomodam os autoritários e fascistas do presente; Incomodam o braço repressor (a polícia e o Ministério Público) do Estado; Incomodam e atrapalham os julgadores que se transformaram em verdugos; Incomodam os que tomam o justiçamento como se justiça fosse; Incomodam todos aqueles que desprezam a democracia (material) e o Estado de direito.

Em “Estado Pós- Democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis” -  obra indispensável para entender o momento político e jurídico atual - Rubens R. R. Casara constata que a exceção virou a regra e que “Hoje, são as regras e, em especial, os direitos e garantias fundamentais, que aparecem como o principal conteúdo rejeitado pelos órgãos estatais de nossa época, por mais que o discurso oficial insista na existência de um Estado Democrático de Direito. Os direitos fundamentais não são mais percebidos como trunfos contra a maioria ou como garantias contra a opressão do Estado”. [3]

O autoritarismo, como é sabido, pode se revelar por diversas formas, contudo, é no processo penal que o autoritarismo vai encontrar um campo fértil para as suas diferentes formas de manifestações. [4]

E quando o judiciário ao invés de resguardar os direitos e garantias fundamentais - próprias do Estado Democrático de Direito – passa a julgar para agradar determinada maioria e a opinião pública (da) aniquilando, por conseguinte, o “inimigo” da ocasião, o autoritarismo, próprio do Estados de exceção, se avulta desavergonhadamente.

Como já dito alhures, não é sem razão que em estados totalitários e ditatoriais um dos primeiros direitos a ser suprimido é o de defesa. Aqueles que pretendem calar a defesa e a voz dos advogados em nome de um pretenso e fantasmagórico combate ao crime utilizando a perversa lógica de que “os fins justificam os meios”, atentam contra o próprio Estado Constitucional.

 

[1]Disponível em<http://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/01/1849095-visita-de-advogado-de-faccao-deveria-ser-gravada-nas-prisoes-diz-ministro.shtml 

[2] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 22ª ed., 2003, p. 581.

[3] CASARA, Rubens R. R. Estado pós-democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017, p. 69-70.

[4] FRAGOSO, Christiano Falk. Autoritarismo e sistema penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Paraná - CNJ faz Inspeção no Presídio Laudemir Neves em Foz do Iguaçu. // Foto de: Luiz Silveira/ Agência CNJ // Sem alterações

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