O Novo Código de Processo Civil trouxe algumas novidades em relação à Advocacia Pública, através dos arts. 182 a 184, em seu Título VI.
O §1º do art. 183 do NCPC, especificamente, definiu que a intimação da Fazenda Pública, em todas as esferas, tanto federal quanto estadual ou municipal, será pessoal, admitindo-se somente por carga, remessa ou meio eletrônico.
Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.
§ 1o A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.
A redação do referido dispositivo foi replicada tanto para o Ministério Público quanto para a Defensoria Pública, que têm a prerrogativa de recebimento dos autos para todas as manifestações processuais.
Art. 180. O Ministério Público gozará de prazo em dobro para manifestar-se nos autos, que terá início a partir de sua intimação pessoal, nos termos do art. 183, § 1º.
[...]
Art. 186. A Defensoria Pública gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais.
§1º O prazo tem início com a intimação pessoal do defensor público, nos termos do art. 183, § 1º.
A Comissão de Juristas, em Exposição de Motivos do NCPC, esclareceu que a elaboração do Código levou em consideração uma coerência e harmonia interna corporis, além de submissão substancial ao que tange a Constituição Federal da República.
Não se deixou de lado, é claro, a necessidade de se construir um Código coerente e harmônico interna corporis
[…]
A coerência substancial há de ser vista como objetivo fundamental, todavia, e mantida em termos absolutos, no que tange à Constituição Federal da República. Afinal, é na lei ordinária e em outras normas de escalão inferior que se explicita a promessa de realização dos valores encampados pelos princípios constitucionais. (grifos nosso)
O relatório do substitutivo do Projeto do Novo CPC apresentado pelo Deputado Paulo Teixeira na Câmara dos Deputados, deixa claro que a intenção dessa norma foi assegurar um tratamento igualitário à Advocacia Pública frente a outros agentes, como a Defensoria e Ministério Público, que já gozavam de tal prerrogativa:
A respeito do art. 106, ressaltou uma contribuição da advocacia pública no que diz respeito ao prazo, que, dessa feita, não será mais em quádruplo para a defesa, mas em dobro. Ou seja, há uma redução do prazo conferido, ainda que seja contado em dias úteis, mas há uma redução. Ponderou, finalmente, que esse prazo deveria ser contado a partir da efetiva carga ou remessa dos autos ao advogado público, como medida de sintonia em relação a outros agentes, como o próprio membro do Ministério Público, cujos prazos se contam dessa forma, ou seja, da carga pessoal, que é justamente quando o processo está efetivamente disponível para a manifestação do advogado. (BRASIL. Câmara dos Deputados. Relatório do deputado Paulo Teixeira. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo-de-processo-civil/proposicao/pareceres-e-relatorios/parecer-do-relator-geral-paulo-teixeira-08-05-2013> Acesso em: 10 de agosto. 2017. p. 119)
Trata-se de uma importante prerrogativa processual da fazenda pública, não apenas em relação às execuções fiscais, mas sim nas demandas em que estiver participando. A necessidade de intimação pessoal justifica-se por inúmeros fatores, inclusive de ordem prática, na medida em que sua atuação ocorre de forma diferenciada dos particulares em juízo.
Acerca do tema, ao enfatizar a importância das prerrogativas da Advocacia Pública, Leonardo Carneiro da Cunha[1] afirma que:
Exatamente por atuar no processo em virtude da existência de interesse público, consulta ao próprio interesse público viabilizar o exercício dessa sua atividade no processo da melhor e mais ampla maneira possível, evitando-se condenações injustificáveis ou prejuízos incalculáveis para o Erário e, de resto, para toda a coletividade que seria beneficiada com serviços públicos custeados com tais recursos. (Grifos nossos)
E o ilustre professor arremata[2]:
Ora, a Fazenda Pública, que é presentada em juízo pela Advocacia Pública, defende o interesse público, não reunindo as mesmas condições de um particular para defender seus interesses em juízo.
À Fazenda Pública conferem-se várias prerrogativas, sendo algumas, a exemplo dos prazos diferenciados e da remessa necessária, justificadas pelo excessivo volume de trabalho, pelas dificuldades estruturais da Advocacia Pública e pela burocracia inerente à sua atividade, que dificulta o acesso aos fatos, elementos e dados da causa. (Grifos nossos)
O próprio CPC/15, em seu art. 280[3], prevê a nulidade da intimação realizada fora do que legalmente prescrito.
Em análise analógica, vê-se que as intimações/citações referenciadas na Lei nº 11.419/2006 – Lei do processo eletrônico - somente são válidas quando a parte puder ter acesso à toda a documentação constante do processo. Tudo isso a resguardar o amplo exercício do direito de defesa.
Cumpre ao CNJ editar normas que regem os atos processuais eletrônicos (art. 196 do CPC). Por sua vez, ainda vige a Resolução 185/2013 CNJ que preceitua:
Art. 19. No processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, far-se-ão por meio eletrônico, nos termos da Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006.
§ 1º As citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais, nos termos do § 1º do art. 9º da Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006.
Oportuno observar, neste contexto, que o envio de intimações em ofensa à previsão legal, não acarreta mera desconformidade com a lei, mas esvazia os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF), levando em conta a impossibilidade de averiguação dos documentos constantes nos autos.
A intimação pelo Diário de Justiça, portanto, não alcança os ditames legais. O próprio art. 4º, §2º, da Lei nº 11.419/2016, consagra que a intimação pelo Diário não pode ser utilizada nos casos em que a lei prevê intimação ou vista pessoal.
Logo, ao não remeter os autos à Fazenda Pública, cria-se um obstáculo prejudicial à sua defesa, especificamente ao seu poder de influência, por não ter ciência do inteiro teor dos documentos que compõem o processo judicial.
Destarte, o CPC/15, ampliando o conceito de contraditório, definiu-o em dimensão formal e substancial. A primeira formada pela participação no processo e a segunda pela possibilidade de influência na decisão.
Vedam-se, dessa forma, decisões-surpresas, conforme ensinamento de Marinoni, Arenhart e Mitidiero[4]:
Por força da compreensão do contraditório como direito de influência, a regra está em que todas as decisões definitivas do juízo se apoiem tão somente em questões previamente debatidas pelas partes, isto é, obre matéria debatida anteriormente pelas partes. Em outras palavras, veda-se o juízo de terza via. Há proibição de decisões-surpresa (Verbot der Uberraschungsentscheidungen).
Nesta esteira, não basta mais informar e permitir a reação das partes, conformando o contraditório como o binômio informação-reação, exige-se o trinômio informação-reação-consideração, consistindo este último no poder de influência das partes.
Como bem afirma Marco Antonio Rodrigues[5]:
No estágio atual dos estudos do contraditório, porém, o direito fundamental em questão passou por uma remodelagem, dando-lhe configuração mais efetiva. O contraditório não fica satisfeito com a mera comunicação às partes e outros interessados de atos que possam afetar suas esferas de interesse, e a simples possibilidade de manifestação.
Com efeito, num Estado Democrático de Direito, marcado pela participação dos indivíduos na construção dos destinos estatais, o contraditório exige não apenas a informação-reação, mas um direito de influência das partes na formação da decisão final. O juiz deve travar um diálogo com as partes, ouvindo-as e dando-lhes oportunidades de expor e demonstrar seus pontos de vista, para que a tomada de decisão seja a mais justa possível. (Grifos nossos)
Ou seja, através da intimação pessoal da Fazenda Pública, o que se busca é propiciar à esta, condições de atuar no processo da forma mais ampla possível, possibilitando o acesso à todas as informações contidas nos autos, o que resulta numa prestação jurisdicional mais efetiva, considerando o interesse público.
Não se trata, portanto, de privilégio, mas sim de prerrogativa essencial ao bom desempenho da Advocacia Pública.
A despeito da recente vigência do NCPC, o tema em análise já foi debatido em alguns Tribunais de Justiça, os quais, na oportunidade, se manifestaram acerca da necessidade de intimação da Fazenda Pública com remessa dos autos, em obediência ao art. 183, §1º, CPC, sob pena de nulidade. Vejamos:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM REMESSA NECESSÁRIA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO INSS DA SENTENÇA. NULIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. In casu, percebe-se que a autarquia previdenciária não foi intimada pessoalmente para ter ciência da sentença que julgou os embargos de declaração, sendo os autos remetidos a este Tribunal a título de remessa necessária. 2. Nessa linha, Código de Processo Civil garante que "A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal" (art. 183), sendo que esta se aperfeiçoa "por carga, remessa ou meio eletrônico" (§ 1º). 3. Assim, inexistem dúvidas de que o julgamento deve ser anulado para que seja efetivada a intimação pessoal do INSS, a fim de que este, no prazo legal, possa interpor o recurso cabível. (Classe: Embargos de Declaração,Número do Processo: 0057751-15.2009.8.05.0001/50000, Relator (a): José Edivaldo Rocha Rotondano, Quinta Câmara Cível, Publicado em: 19/09/2017 )
(TJ-BA - ED: 00577511520098050001 50000, Relator: José Edivaldo Rocha Rotondano, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: 19/09/2017)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA FAZENDA PÚBLICA DA SENTENÇA. NULIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO QUE SE ACOLHEM, COM EFEITOS INFRINGENTES, PARA ANULAR OS ATOS POSTERIORES À SENTENÇA, COM A BAIXA DOS AUTOS AO CARTÓRIO DE ORIGEM E A DEVOLUÇÃO DO PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO.
(TJ-RJ – Remessa Necessária nº. 0088798-85.2007.8.19.0001 - Des(a). MARCIA FERREIRA ALVARENGA - Julgamento: 14/12/2016 - DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL)
EMENTA: AÇÃO ORIGINÁRIA DE MANDADO DE SEGURANÇA. REPRESENTANTE JUDICIAL DO MUNICÍPIO. INTIMAÇÃO PESSOAL. NECESSIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA.
1. O art. 183, § 1º, do CPC de 2015, dispõe que a intimação pessoal dos representantes judiciais da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.
2. O art. 4º, § 2º, da Lei nº 11.419, de 2006, por seu turno, estabelece que a intimação feita no Diário de Justiça eletrônico substitui qualquer outro meio e publicação oficial, exceto os casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal.
3. Assim, a intimação do representante judicial do Município de Matias Barbosa deve ser feita pessoalmente e não por meio eletrônico.
4. Segurança concedida.
(TJMG - Mandado de Segurança 1.0000.16.073059-4/000, Relator(a): Des.(a) Caetano Levi Lopes, 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/08/0017, publicação da súmula em 02/08/2017)
O mesmo entendimento estende-se à citação da Fazenda Pública.
Em uma interpretação literal do art. 183, §1º, CPC, poder-se-ia concluir de forma negativa, no entanto é necessário interpretar o parágrafo de acordo com os termos do seu caput, que definiu haver prazo em dobro para todas as manifestações processuais, a contar da intimação pessoal, o que, evidentemente, incluiria a contestação, considerada a principal manifestação processual e que tem por ato processual de comunicação a citação.
Na lição de Cândido Rangel Dinamarco[6], a citação comporta dois escopos:
a) ela tem o escopo de levar ao réu o conhecimento da propositura da demanda e do seu teor, com o efeito principal de torná-lo parte no processo;
b) toda citação traz consigo a intimação ao demandado para que realize o primeiro ato que lhe toca no processo. (Grifos nossos)
E continua:
As intimações têm lugar ao longo de todo o procedimento e são indispensáveis sempre que do ato a ser conhecido o sujeito não tiver conhecimento direto. A primeira das intimações que se fazem no processo civil é aquela que vem incluída no ato de citação do demandado, onde ele é intimado do prazo ou momento para defender-se, comparecer, etc., com o convite a realizar o ato que compete e advertência sobre as consequências de eventual omissão (grifos nosso)
Por fim, considerar que a intimação para o Ministério Público e Defensoria Pública exigem remessa dos autos, enquanto não para a Advocacia Pública, apesar do permissivo legal, consiste em flagrante violação ao princípio da igualdade – art. 6º da Lei nº 8.906/1994 – de índole constitucional.
Neste ponto, é importante registrar o recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Repetitivo, nos autos do REsp nº. 1.349.935-SE.
Na ocasião, o Tribunal da Cidadania reafirmou (e até ampliou) o entendimento pela necessidade de intimação pessoal, com remessa dos autos, ao afirmar que “O termo inicial da contagem do prazo para impugnar decisão judicial é, para o Ministério Público, a data da entrega dos autos na repartição administrativa do órgão, sendo irrelevante que a intimação pessoal tenha se dado em audiência, em cartório ou por mandado”.
A mesma tese prevaleceu no julgamento do HC nº. 296.759-RS, no qual o STJ afirmou que “A data da entrega dos autos na repartição administrativa da Defensoria Pública é o termo inicial da contagem do prazo para impugnação de decisão judicial pela instituição, independentemente de intimação do ato em audiência”.
No mais, o Supremo Tribunal Federal em outras oportunidades[7] também já consolidou a necessidade de intimação pessoal para ambas as instituições, sob pena de nulidade.
Importante observar que muitos dos fundamentos utilizados nos julgados supramencionados, para garantir a intimação com remessa dos autos à Defensoria e ao parquet são comuns à Advocacia Pública, como o excesso de processos[8] e a possibilidade de atuação de mais de um procurador no processo, sem que isso descaracterize a representação institucional.
Assim, resta clara a importância da inovação trazida pelo art. 183, §1º, CPC/15, que muito contribuirá com a atuação da Advocacia Pública em juízo, na defesa do Estado e, em última análise, de toda a coletividade.
[1] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo – 14. ed. rev., atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 28.
[2] CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. Cit., p. 29.
[3] Art. 280. As citações e as intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais.
[4] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2015. p. 109.
[5] RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 74-75
[6] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 411.
[7] À título de exemplo: HC nº. 126663/MG, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes; e RE nº. 213121 AgR/SP, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio.
[8] Basta relembrar o levantamento efetuado pelo CNJ acerca dos maiores litigantes no Poder Judiciário Brasileiro, tendo a Fazenda Pública ocupado uma das primeiras posições no ranking. Pesquisa disponível em http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/100_maiores_litigantes.pdf
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