A intimação extrajudicial da testemunha e a advocacia pública: reflexões iniciais – Por Denarcy Souza e Silva Júnior

05/06/2017

Com o advento do novo Código de Processo Civil, não raras vezes recebo consultas de alunos ou colegas advogados acerca das mudanças por ele implantadas, que não foram poucas, é bom que se diga. Uma das mais recorrentes é sobre a produção da prova testemunhal, mais precisamente acerca da forma da intimação das testemunhas. Muitos acreditam, ao que parece, que o CPC-15 instituiu como regra geral que as testemunhas serão levadas pelas partes que as arrolaram independentemente de intimação, o que, de resto, não é verdade.

O CPC-15 instituiu como regra geral que cabe ao advogado da parte que arrolou a testemunha informá-la ou intimá-la do dia, da hora e do local da audiência designada, dispensando-se a intimação do juízo (art. 455 do CPC-15). A regra é, portanto, que a testemunha seja intimada extrajudicialmente pela parte (advogado) que a arrolou, tornando a intimação do juízo, que antes era a regra, em exceção, aplicável apenas para os casos previstos no § 4º, do art. 455, do CPC-15.

Não se está afirmando, é bom que se diga, que se a parte que arrolou a testemunha, no caso concreto, puder levá-la independente de intimação não deve fazê-lo, até porque essa medida tem o condão de atender ao princípio da celeridade e ao da economia processual, pois tornará desnecessária a intimação da testemunha seja judicial ou extrajudicialmente. Saliente-se, que se a parte se comprometer a levar a testemunha à audiência de instrução, mas ela não comparecer, presume-se que a parte desistiu de sua inquirição, o que não acontece se ela tiver sido intimada, ainda que extrajudicialmente.

Como dito, a regra geral do CPC-15 é que a testemunha seja intimada pelo advogado da parte que a arrolou, intimação que deverá ser realizada por carta com aviso de recebimento. Incumbe ainda ao advogado juntar aos autos, com no mínimo 03 (três) dias de antecedência da data da audiência, cópia da correspondência de intimação e do comprovante de recebimento, conforme preceitua o § 1º, do art. 455 do CPC-15.

Saliente-se, que se o advogado não realizar a intimação extrajudicial nos termos do § 1º, do art. 455 do CPC-15, isso importará na desistência da inquirição da testemunha, conforme § 3º, do referido dispositivo legal. Uma dúvida surge dessa previsão da desistência “tácita”: e se o advogado tiver promovido a intimação da testemunha extrajudicialmente, mas o A.R. não tiver retornado a tempo, ainda assim considera-se que houve desistência?

Parece evidente que o advogado diligente enviará a correspondência com tempo suficiente para que o aviso de recebimento retorne ainda com prazo para a juntada dele e de cópia da correspondência aos autos do processo com no mínimo três dias antes da audiência de instrução. A dúvida existe no caso de mesmo agindo com a diligência esperada o A.R. não retorne a tempo de sua juntada aos autos no prazo assinalado. Mais. Como deve o advogado agir em chegando o prazo limite e o A.R. não tenha retornado?

Como o instituto da intimação extrajudicial das testemunhas é uma novidade, no dia a dia forense ainda subsistem várias dúvidas que merecem alguma reflexão. Dúvidas não há que o advogado deve promover a intimação extrajudicial levando em consideração a demora da intimação pelos correios, calculando o tempo necessário para a juntada aos autos do processo de cópia da correspondência de intimação e do aviso de recebimento, mesmo porque isso faz parte dos deveres de atuação do profissional e é inerente a atividade por ele desenvolvida.

Não obstante, tendo o advogado agido com a diligência que dele se espera, não se pode a ele imputar uma demora a que não deu causa, ou seja, se a demora em se realizar a intimação extrajudicial se deu por culpa (causa) do correio, não se pode penalizar a parte por algo que foge ao seu alcance, não havendo o que se falar, nestes casos, em desistência da inquirição da testemunha. É bem verdade que essa análise deve ser realizada caso a caso, sempre se levando em consideração o direito fundamental à ampla defesa e a conduta do advogado da parte na realização da intimação extrajudicial.

Entretanto, a demora no retorno do A.R. não desonera o advogado da parte que arrolou a testemunha de cumprir o prazo previsto no § 1º, do art. 455 do CPC-15. Naquele prazo deve ser juntado aos autos cópia da correspondência enviada e a comprovação da postagem (já que o A.R. ainda não retornou), somente assim será possível ao magistrado analisar se o advogado agiu de forma desidiosa ou não com o envio da correspondência à testemunha. Ademais, com a juntada da cópia da correspondência e comprovação de sua postagem, decerto, não se poderá presumir qualquer desistência na inquirição da testemunha, restando ao magistrado analisar quem responderá pelas custas de eventual adiamento.

Muito embora a intimação extrajudicial da testemunha seja regra geral, o novo diploma ainda prevê hipóteses de intimação judicial, estando elas elencadas no § 4º, do art. 455:

Art. 455. Cabe ao advogado da parte informar ou intimar a testemunha por ele arrolada do dia, da hora e do local da audiência designada, dispensando-se a intimação do juízo.

[...]

§ 4o A intimação será feita pela via judicial quando:

I - for frustrada a intimação prevista no § 1o deste artigo;

II - sua necessidade for devidamente demonstrada pela parte ao juiz;

III - figurar no rol de testemunhas servidor público ou militar, hipótese em que o juiz o requisitará ao chefe da repartição ou ao comando do corpo em que servir;

IV - a testemunha houver sido arrolada pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública;

V - a testemunha for uma daquelas previstas no art. 454.

Para o CPC-15 não importa se a intimação foi extrajudicial ou judicial, caso a testemunha regularmente intimada deixe de comparecer sem motivo justificável, será conduzida “sob vara”[1] e responderá pelas despesas do eventual adiamento de sua inquirição, conforme preceitua o § 5º, do art. 455.

Da leitura do referido § 4º do art. 455, percebe-se que a testemunha que houver sido arrolada pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública será intimada judicialmente, ou seja, a essas instituições não se aplica a intimação extrajudicial, tendo elas a prerrogativa da intimação judicial da testemunha por elas arrolada. Partindo-se dessa constatação outra dúvida pode surgir: teria a Fazenda Pública a mesma prerrogativa em razão de uma interpretação extensiva?

Analisando-se o novo diploma processual, parece existir um regime jurídico único para as prerrogativas do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Fazenda Pública. Os membros da Defensoria Pública dispõem da prerrogativa de serem intimados pessoalmente de todos os atos do processo (art. 186, § 1º do CPC-15). Da mesma forma os membros do Ministério Público dispõem da prerrogativa da intimação pessoal de todos os atos do processo (art. 180 do CPC-15). Igual prerrogativa é conferida à Advocacia Pública (art. 183 do CPC-15).

Ministério Público, Advocacia Pública e Defensoria Pública gozam, ainda, da prerrogativa de prazo em dobro para todas as manifestações processuais (arts. 180, 183 e 186 do CPC-15), sendo garantida a seus membros a vantagem de só responderem subjetiva e regressivamente pelos atos que praticarem (arts. 181, 184 e 187).

Diante dessas constatações, Leonardo Carneiro da Cunha assim se manifestou:

Há, enfim, um regime único dessas prerrogativas para a Fazenda Pública, o Ministério Público e a Defensoria Pública. A essas instituições conferem-se prerrogativas comuns que contribuem para o desempenho de suas relevantes funções no processo judicial.[2]

Em havendo prerrogativas comuns a essas instituições, visando contribuir para o desempenho das relevantes funções por elas desempenhadas no processo judicial, não há razão para não se ter concedido à Fazenda Pública a prerrogativa da intimação judicial das testemunhas por ela arroladas. Repare que as mesmas dificuldades inerentes ao MP e à Defensoria Pública para realizar a intimação extrajudicial estão presentes na atuação da Advocacia Pública, razão pela qual se faz necessária uma interpretação extensiva do que preceituado no § 4º, IV, do art. 455 do CPC-15, conferindo-se à Advocacia Pública a prerrogativa da intimação judicial das testemunhas por ela arroladas.

Na verdade, tal entendimento decorre, ainda uma vez, de uma interpretação sistemática do CPC-15 que, ao que parece, instituiu sim um Regime Jurídico Uniforme para as Carreiras Públicas (MP, Defensoria Pública e Advocacia Pública), não havendo qualquer razão para se excluir a Advocacia Pública da prerrogativa da intimação judicial da testemunha por ela arrolada, não sem quebrantar o referido regime jurídico único e deslegitimar a manutenção da referida prerrogativa às demais instituições que fazem parte do regime único de prerrogativas.

Parece mais consentâneo com as necessárias prerrogativas concedidas ao MP, à Defensoria Pública e à Advocacia Pública, que a esta seja estendido o direito de se realizar a intimação judicial das testemunhas por ela arroladas, adequando-se esse direito às demais prerrogativas comuns inerentes às demais instituições que compõem o referido regime jurídico unificado das prerrogativas processuais.

Não se está afirmando, é bom que se diga, que as atividades desenvolvidas no processo pelas referidas instituições é a mesma, tampouco que não poderia haver vicissitudes que outorgassem mais prerrogativas a uma das instituições do que a outras. Ocorre que não parece ser o caso de se atribuir prerrogativas diferentes ao MP e à Defensoria do que à Advocacia Pública. Nada há, por exemplo, que pudesse legitimar a concessão dessa prerrogativa ao MP e não à Advocacia Pública, seja no que diz respeito à estrutura do órgão, aos custos do envio da correspondência ou ao interesse público por trás da atuação dessas duas instituições.

Ainda que com a Defensoria Pública se pudesse enxergar uma diferença mais palpável, em razão da atuação típica da Defensoria dizer respeito à assistência dos hipossuficientes e vulneráveis, a tão só concessão da prerrogativa ao MP já legitimaria a interpretação extensiva que aqui se defende. O interesse público é inerente à atuação das três instituições, os custos de atuação de quaisquer delas no processo acaba, ainda que indiretamente, ecoando nos cidadãos, não havendo qualquer diferença digna de um tratamento diferenciado no que diz respeito à intimação judicial da testemunha arrolada seja pelo MP, pela DP ou pela Advocacia Pública.

A questão está longe de ter um desfecho, mas o novo necessita ser enfrentado com cuidado, com interpretações inerentes ao Estado Constitucional, que sempre deve levar em consideração os Direitos Fundamentais, os Princípios Constitucionais, numa interpretação conforme a Constituição. Não se pretendeu colocar um ponto final, seja na intimação extrajudicial da testemunha, seja na possibilidade de extensão da prerrogativa concedida ao MP e à Defensoria pública à Advocacia Pública (Fazenda Pública), mas apenas lançar luz em um assunto que parece merecer maior atenção da doutrina.


Notas e Referências:

[1] Expressão utilizada na praxe forense que significa “coercitivamente”.

[2] A fazenda pública em juízo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 37.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Contract // Foto de: Gunnar Wrobel // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/wrobel/281135463

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura