A criação de um inimigo é uma estratégia muito antiga, mas também bastante útil para os poderosos. E não se trata apenas de criar um inimigo, mas de exaltá-lo, de transformá-lo numa figura em que nela convirja a ameaça aos valores mais caros da coletividade. Foi assim no nazismo contra os judeus e é assim no ódio ao islâmico, ainda que no primeiro caso os judeus tivessem sido despossuídos e discriminados e depois, por óbvio, assassinados, e que no segundo caso sejam as potências ocidentais as invasoras de uma região rica em petróleo e com a cultura e religiosidades diferentes da ocidental.
Não estou dizendo com isso que a questão da violência urbana no Rio de Janeiro não seja algo grave. Mas não houve nenhum fato que demonstrasse que essa realidade aumentou de maneira significativa em relação aos últimos anos, ao ponto de gerar um caso que justificasse uma intervenção. Nem sequer o Rio de Janeiro é o estado com maiores índices de homicídios per capita. Não foi uma decisão técnica. Foi uma decisão política.
Um governo com baixíssima legitimidade e apoio popular precisa encontrar um inimigo comum, um amálgama para tentar criar uma identificação com as ruas. Precisa desesperadamente criar um fato novo. Por isso, ao mesmo tempo, serve de estratégia de deslocamento do discurso popular atualmente fixado na perda de direitos e na corrupção, ainda mais em período pré-eleitoral, para o campo do medo difuso da violência urbana. A propaganda e a psicologia social sabem como o medo é capaz de comover e de mover as massas, de tirar delas o olhar crítico, de manipulá-las para que abram mão dos seus direitos voluntariamente.
Podem ter certeza de que esse plano de intervenção não saiu do pensamento de especialistas em segurança pública. Foi gestado e planejado a partir de agências de propaganda. É puro marketing. Não foi discutido nem refletido com especialistas em segurança pública porque seria facilmente desmoralizado. Foi feito às pressas e na surdina.
Observem que na mídia menos se tem falado na corrupção intragovernamental. A estratégia parece estar funcionando. Cuida-se agora do sistema se autoimunizando, redirecionando o aparato estatal coercitivo que estava voltado para os atos anti-sociais do núcleo político-empresarial para a da bandidagem ordinária porque já não mais interessa. De volta aos pobres. Para bater em Chico, como sempre.
Portanto, não se trata de intervir na segurança pública. Trata-se de intervir na razão das massas, de fragilizá-las, infantilizá-las e capturá-las.
Como em todas as guerras, não faltarão soldados se voluntariando, ingenuamente se pondo em sacrifício em nome de um ideário criado pela propaganda. Mas, parafraseando Simone de Beauvoir, o que seria dos opressores sem a colaboração do oprimidos?
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