A instabilidade da Teoria do Domínio do Fato no Poder Judiciário Brasileiro

05/12/2018

A doutrina, elaborada por Hans Welzel, surgiu na Alemanha,em 1930, com a precípua finalidade de igualar o mandante ao autor do crime e evitar que que se aplicasse àquele uma pena menor[1]. Para essa concepção, o autor de uma conduta somente pode ser aquele que conduz o acontecimento causal conforme sua vontade final (segundo sua finalidade)[2]eque desempenha papel decisivo e determinante na realização da ação típica[3]. Partícipe, por sua vez, será aquele não exerce domínio sobre a ação, muito embora colabore dolosamente para o alcance do resultado[4]. A vontade de cometer o fato como próprio seria, portanto, o elemento diferenciador entre o mero participe e o autor de uma conduta.

No Brasil, o Código Penal, no art. 29, não distingue a pena do autor e do partícipe: elas são iguais. Assim, a teoria adotada para a definição de autor do crime, é a teoria objetivo-formal. Nesta, relaciona-se que autor é quem realiza o verbo núcleo do tipo e participe é quem contribui de outra maneira para o delito. Contudo, com o julgamento da Ação Penal 470 (popular Mensalão) e devido às inúmeras críticas à adoção teoria objetivo-formal, passou-se a aceitar, em alguns casos, a chamada Teoria do Domínio do Fato. A doutrina, seguida pelos Tribunais Superiores, a tem adotado como justificativa pra transformar a responsabilidade subjetiva - considerando autor todo aquele que contribui para a produção do resultado - em objetiva.

A Teoria Do Domínio Do Fato, segundo Claus Roxin, retrata uma restrição ao conceito de autor; diferentemente da teoria subjetiva que inclui a vontade no âmbito do conceito de autoria. Logo, a Teoria do Domínio do Fato delimita claramente a atuação do autor (aquele que domina a ocorrência do fato delituoso) e do partícipe (que não possui esta capacidade de domínio)[5] .

Luiz Flavio Gomes, baseado no estudo aprofundado de Roxin, entende que a referida teoria apresentou três desdobramentos,  admitindo-se como autor: a) quem tem o domínio da própria ação típica (teoria do domínio da organização criminosa); b) quem domina a vontade de outra pessoa; e c) quem tem o domínio funcional do fato (casos de coautoria).A teoria do domínio da organização criminosaconsidera autor nãoapenas quem tem o domínio direto do fato (domínio da ação verbal do crime), senão também aquele tem o domínio organizacional de uma associação criminosa constituída fora do Estado de Direito. Para a teoria do domínio da vontade de outras pessoas, que encontra previsão no art. 20, §2º,do Código Penal, autor (mediato) é quem tem o domínio da vontade depessoadistinta. Já para a teoria do domínio funcional do fato, é autor também quem colabora funcionalmente para a execução do crime, mesmo sem realizar diretamente a ação verbal descrita na lei[6].

O “problema” desta teoria não se encontra em suas definições, mas sim na maneira como tem sido implementada no âmbito judicial, principalmente no seu desvirtuamento durante as decisões colegiadas.É notório que a Teoria do Domínio do Fato possui alguns requisitos que devem ser respeitados, não se tratando de “um “cheque em branco” a ser “preenchido” ao alvedrio acusatório ou decisório. Não se presta, pois, a responsabilizar sujeitos que não têm responsabilidade penal”[7].

A referida teoria tem sido utilizada em diversos casos de corrupção – problema que assola o país e rendeu inúmeras discussões durante aseleições. Exemplo disso encontra-se nojulgamento, em segunda instância, do Triplex do Guarujá, atribuído ao presidente Lula, quando deveria ter sido comprovada que a ação praticada (nomeação de diretores, atos próprios de Presidente da República) tivesse concorrido para a consumação dos delitos imputados[8] – o que se entende quenão foi.

Para a classe da advocacia, fica muito difícil (porém não impossível) combater a aplicação jurisprudencial desta teoria. Isso porque o crescente ativismo judicial tem transformado as decisões em moeda de troca. Pode se perceber, em muitos casos, interesses escusos na culpabilidade do agente sem, no entanto, perceber que a Teoria doDomínio do Fato “não serve para fundamentar responsabilidade penal pela mera posição de destaque dentro interior da estrutura hierárquica”[9].

A aplicação da concepção roxiniana na ordem jurídica evidencia a existência de motivações sociológicas que transcendem a racionalidade e análise técnica do julgador. Certifica-se, assim, o populismo penal, com a cobrança direta da sociedade pela punição dos agentes a qualquer custo, mesmo que as acusações não sejam comprovadas. Por conseguinte, vale dizer que as decisões desprovidas de independência por parte do Poder Judiciário acabam afrontando as garantias constitucionais, trazendo insegurança jurídica à sociedade“sobre a qual, de fato, recairão as mazelas ensejadas por seu próprio clamor condenatório incondicional”[10].

Para fins de elucidação, traz-se a propositura do Projeto de Lei nº 434/2018 do Senado, de autoria do Senador Roberto Requião (MDB/PR), queprevê novos critérios para a concessão de perdão judicial, a critério dos juízes, a políticos que tenham se arrependido e feito 'pedido público de desculpas' por seus crimes ou acusações. Importa lembrar que se trata de um protesto irônico ao que o senador chama de ‘generosidade’ de Sérgio Moro, futuro ministro da Justiça dogoverno Bolsonaro, para com seu futuro colega de ministério, o deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que será ministro-chefe da Casa Civil, no que se refere a revelação de admiração daquele pelo deputado, afirmando que o mesmo "já admitiu o erro, pediu desculpas e tomou as providências necessárias para compensar o crime (de caixa 2)". 

Pelo exposto, é inequívoca a necessidade de afastamento da teoria do domínio do fato para superar a prova da culpa, bem como a sua utilização como coringa para a falta de provas. A toda evidência, não se pode tolerar, num Estado Democrático de Direito, imputações por presunção. Deve haver, assim, a comprovação exaustiva da imputação seja ela feita em relação a qualquer indivíduo.

 

Notas e Referências

[1]VASCONCELLOS, Marcos de; BEZERRA, Elton. JURISPRUDÊNCIA EM CONFLITO: "Interpretação sobre lavagem é maior equívoco do STF". 2012. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2012-dez-16/entrevista-fabio-tofic-advogado-especialista-direito-penal>. Acesso em: 09 nov. 2018.

[2]SILVA, Rodrigo Medeiros da. A aplicação da teoria do domínio do fato no julgamento de lula. Justificando. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/teoria-do-dominio-do-fato/>. Acesso em: 09nov. 2018.

[3]SILVA, Rodrigo Medeiros da. A aplicação da teoria do domínio do fato no julgamento de lula.Justificando. Disponível em: <http://www.justificando.com/2018/01/29/aplicacao-da-teoria-do-dominio-do-fato-no-julgamento-de-lula/>. Acesso em: 29 jan. 2018.

[4]CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral 9arts. 1º ao 120) - 5ª Ed.Salvador: JusPODVIM, 2017. Pag 399

[5]SILVA, Rodrigo Medeiros da. Op. cit.

[6]GOMES, Luiz Flávio. Teoria do domínio do fato pode levar Lula e Dilma para a cadeia? JusBrasil. Disponível em: <https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/210942805/teoria-do-dominio-do-fato-pode-levar-lula-e-dilma-para-a-cadeia>. Acesso em: 09 nov. 2018.

[7]ELO, Valber; OSTI, Artur Barros Freitas; NUNES, Filipe Maia Broeto. Teoria do domínio da posição de comando é distorção do domínio do fatoConjur. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-nov-10/teoria-dominio-posicao-comando-distorcao-dominio-fato>. Acesso em: 09 nov. 2018.

[8]SILVA, Rodrigo Medeiros da. Op. cit.

[9]FOLHA DE SÃO PAULO: Teoria do domínio do fato não vale para corrupção, diz pesquisador. São Paulo, 26jan. 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/01/1953459-teoria-do-dominio-do-fato-nao-vale-para-corrupcao-diz-pesquisador.shtml>. Acesso em: 09 nov. 2018.

[10]UCHA, Larissa GomesO Supremo Tribunal Federal e a teoria do domínio do fato retomada técnica da Ação Penal 470. JUS. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/49207/o-supremo-tribunal-federal-e-a-teoria-do-dominio-do-fato/2>. Acesso em: 09 nov. 2018.

 

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