A insensibilidade socioambiental - Por Wagner Carmo

23/10/2017

Introdução.

Em regra, o Ser Humano não se preocupa com o outro. O Ser Humano não se compadece pelo desempregado, pelo marginalizado e pelo injustiçado. O Ser Humano acredita que a dignidade e a felicidade decorrem do quanto é possível consumir e possuir bens e produtos. A vida moderna não fomenta a solidariedade, sendo o homem o explorador do próprio homem e o coveiro da própria desgraça.  O Ser Humano não se preocupa com a fauna e com a flora; trata o meio ambiente de forma utilitarista e antropocêntrica. A insensibilidade persiste e reside dentro do Ser Humano até o dia e o momento em que o mal-estar e a dor deixam a fronteira do outro e alcança a individualidade pessoal.   

A sociedade atual parece não se incomodar com os problemas socioambientais que estão vertendo por todos os cantos do planeta terra. Sob o ponto de vista social, a Organização das Nações Unidas – ONU, estima que no ano de 2016, cerca de 108 milhões de pessoas foram afetadas pela fome no mundo[1]. Na perspectiva ambiental, as questões que comprometem a qualidade de vida – o desmatamento; a crise hídrica; as condições climáticas; a poluição atmosférica; a desertificação do solo; a contaminação da agua; a falta de saneamento básico; o uso de produtos químicos na lavoura e a destruição da biodiversidade na fauna e na flora, passam incólume diante dos olhos do Ser Humano.

Jung Mo Sung[2], estudando a interface do mercado capitalista com a sociedade, explica que se vive um estranho paradoxo: as pessoas integradas no mercado têm uma consciência tranquila diante da atual crise social, diante da intranquilidade social. O Professor e Teólogo entabula que a maioria das pessoas não se sente mais interpelada pelo sofrimento dos pobres. Aduz que é como se ela não tivesse nada a ver com isto e a única intranquilidade em face da crise social é a preocupação de não ser atingido por ela e de não sofrer violência por parte dos pobres e marginalizados.

A insensibilidade socioambiental é um mal e o presente artigo retratará a questão.

O Ser Humano insensível.

É insensível o Ser Humano que desprovido de sensibilidade não reage a estímulos físicos. Não sem razão, a parcela social incluída – aquela que se encontra inserida no mercado formal de trabalho e possui as condições mínimas de sobrevivência; parece não enxergar a miséria social e a destruição do meio ambiente. A única intranquilidade da classe socialmente incluída, em face da crise social (e ambiental), é a preocupação de não ser atingida pelas intemperes naturais e de não sofrer violência por parte dos pobres e dos marginalizados[3].

O Ser Humano insensível acredita na proteção dos muros; na capacidade de resolver os principais problemas pelo poder de consumo e na hipocrisia da profissão de fé. Geralmente, não se importa com a destruição do ambiente em que vive e pratica hábitos de vida que são insustentáveis a médio e a longo prazo – o que importa é o prazer fugaz do aqui e do agora.

Envolto a ordem econômica e moral do sistema capitalista, o Ser Humano impressiona pela capacidade de obediência, domesticação e cegueira. Kant, retratando o sistema absolutista da Prússia, observou que o lema de Frederico II para tratar o cidadão era raciocinem o quanto quiserem e sobre o que quiserem, mas obedeçam[4]. O Ser Humano tem sido capaz de obedecer ao sistema e de conviver de forma feliz com o horror e com a desgraça cotidiana – a violência contra as crianças, as mulheres, os índios; com a dor da infelicidade social – o desemprego, a fome, o desamparo; com o sofrimento psicológico – a violência moral, a violência física, a violência intelectual; e a destruição das diversas formas de vida, inclusive, da vida humana.

A máxima do cada um por si e Deus por todos.

No sistema neoliberal em que vivemos, o Estado é organizado pela classe econômica dominante para não intervir nos processos econômicos, deixando o mercado livre para a auto regulação. A ideia imanente é a de que o mercado seja capaz de resolver os problemas econômicos e sociais. Assim, a ilusão vendida pela teoria neoliberal, é de que o mercado e não o Estado, seria o responsável por identificar, delimitar e intervir na sociedade para estancar as desigualdades sociais e para combater a degradação da vida e do meio ambiente.

Nas relações humanas, o princípio fundamental do neoliberalismo é a defesa dos interesses pessoais e corporativos em desfavor dos interesses coletivos, inclusive, geralmente, a qualquer preço e muitas vezes sem parâmetro ético. Nesse sentido, o sistema difunde a máxima de cada um por si e Deus por todos, fomentando o egoísmo e afastando a solidariedade entre os Seres Humanos.

A solidariedade do Ser Humano e a sustentabilidade.

É necessário resgatar o sentimento de responsabilidade coletiva, de que cada Ser Humano é responsável, de certa forma, pelos problemas e pelas soluções dos dilemas socioambientais.

O fomento da solidariedade, do cuidado com o Ser Humano e com o planeta deve ser um contraponto a ideologia do mercado neoliberal. A solidariedade deve constituir um dever fundamental, uma responsabilidade mutua entre os cidadãos e o Estado para com o bem-estar, a qualidade de vida e a dignidade dos outros cidadãos.

O modelo de desenvolvimento econômico e social deve ser revisado para incluir a sustentabilidade humana – pela inclusão social dos pobres e dos marginalizado e, ambiental – pela atenção ao uso adequado, responsável e racional dos recursos naturais.

Conclusão.

Vê-se que a insensibilidade do Ser Humano em relação aos males sociais e ambientais decorrentes da forma de vida estabelecida no planeta é uma realidade posta, estabelecida de forma sistêmica e absorvida de forma indireta. É preciso resgatar a indignação e o espanto humano com o sofrimento e com a destruição do ambiente. É necessário romper com a hipocrisia do amor ao próximo sem solidariedade e sem o cuidado com o bem comum.  


[1] Disponível em https://istoe.com.br/onu-numero-de-pessoas-que-passam-fome-no-mundo-sobe-para-108-milhoes/ - acesso em 17 de out. 2017.

[2]   SUNG, Jung Mo. Se Deus existe por que há pobreza? A fé cristã e os excluídos. São Paulo: Paulinas, 1995, p. 77

[3] Op cit. 79

[4] Os clássicos da política, 2. Francisco C. Weffort. 11 ed. São Paulo: Ática, 2006.

 

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