A INSEGURANÇA JURÍDICA GERADA PELA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA TAL QUAL É EFETUADA PELA JUSTIÇA DO TRABALHO E OS LIMITES IMPOSTOS PELO CPC DE 2015

04/10/2018

Coluna Direito Empresarial e Análise Econômica / Coordenador João Carlos Zolandeck

 

O empresário brasileiro possui muitos entraves para o desenvolvimento de sua atividade econômica. Segundo o Ranking de Competitividade elaborado anualmente pelo Fórum Econômico Mundial, um dos principais problemas para a atuação do empresário brasileiro consiste na excessiva regulação protecionista ao trabalhador.[i] O Brasil ocupa somente o 114º lugar no Ranking dos mercados de trabalho mais eficientes de um total de 137 países avaliados.

Nesse cenário, a Justiça Trabalhista vem flexibilizando o conteúdo do artigo 50 do Código Civil,[ii] desconsiderando a personalidade jurídica em casos evidentemente ilegais, para além das possibilidades previstas pela norma do Código Civil e sem a devida análise dos critérios necessários para a desconsideração.

Nesse cenário, veja-se, por exemplo, em relação à extensão pessoal da responsabilidade, que o Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR) já decidiu que: “o redirecionamento da execução pode ocorrer em face de quaisquer sócios ou ex-sócios, minoritários ou majoritários, exercentes de cargo de gestão ou não (...)”.[iii]

No caso de sócios não gestores, o TRT-PR possui julgado que salienta que: “a despersonalização jurídica tratada no art. 28 da Lei n.º 8.078/90 e no art. 50 do Código Civil, foi instituída de forma ampla e irrestrita, não havendo óbice legal para a responsabilização de qualquer um dos sócios, pelo pagamento de créditos trabalhistas executados, independentemente de atuarem como gerentes ou administradores da empresa executada”.[iv]

Trata-se, pois, de um entendimento que gera demasiada insegurança jurídica ao ex-sócio da empresa, muitas vezes já envolvido em outro empreendimento e sem qualquer espécie de relação com a antiga sociedade empresária da qual fazia parte.

Ademais, há jurisprudência no sentido de que: “em que pese ter havido decretação de falência da empresa, se existirem sócios responsabilizáveis pelo débito trabalhista, inclusive por meio da desconsideração da personalidade jurídica da empresa falida, entende esta C. Seção Especializada que a Justiça do Trabalho deve prosseguir na execução para atingir bens particulares dos sócios do empreendimento”.[v]

Isto é, mesmo no caso de falência decretada da empresa, a Justiça do Trabalho autoriza o prosseguimento da execução para atingir o patrimônio dos ex-sócios, o que também acaba por gerar grave insegurança jurídica aos antigos sócios do empreendimento empresarial.

Em relação à responsabilidade dos Diretores, há uma Orientação Jurisprudencial (OJ) do TST no sentido de que: “é possível a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade anônima para proceder a execução contra o patrimônio dos seus diretores”.

Veja-se, portanto, que, mesmo no caso de sociedade anônima – uma opção societária que seria, em tese, mais segura que a sociedade limitada no tocante à responsabilização dos acionistas – a Justiça Trabalhista permite a desconsideração da personalidade em frontal violação aos limites impostos pela sobredita norma do Código Civil.

Ademais disso, no tocante aos Conselheiros, o TRT-6 possui decisão afirmando que: “em se tratando de empresa constituída na forma de sociedade anônima, a teor do disposto nos artigos 145 e 158, § 2º, da Lei nº. 6.404/76, é lícita a responsabilização solidária dos seus administradores, conselheiros e diretores, em relação ao cumprimento das obrigações legais contraídas pela empresa, dentre as quais se encontra a satisfação dos créditos trabalhistas”.[vi]

Finalmente, tem-se entendimento pela desconsideração da personalidade jurídica também nos casos de sociedades anônimas fechadas: “o fato de a empresa ter a roupagem jurídica de sociedade anônima não obsta a responsabilização dos sócios minoritários, em face da aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, quando caracterizada a condição de sociedade de capital fechado, com identificação integral dos sócios, à semelhança do que ocorre com a sociedade de responsabilidade limitada (...)”.[vii]

Trata-se de um completo desvirtuamento da ideia que gira em torno da configuração de uma sociedade anônima, haja vista que os acionistas da sociedade de ações não se confundem com a figura do sócio típica da sociedade de pessoas, como é o caso da sociedade limitada.

Quem atua na internalização brasileira de negócios internacionais destaca estes dentre tantos outros riscos desarrazoados que, somados aos entraves do Sistema Tributário Nacional, afetam sobremaneira a geração de riquezas e o desenvolvimento. Trata-se de desincentivos sistêmicos que afastam o investidor e submetem o corajoso empreendedor brasileiro, infelizmente. 

Minimamente, o que se espera desta justiça especializada, é a adoção de critérios processuais estabelecidos pelo CPC/15, o que redundaria em maior racionalidade, sem descuidar, igualmente, de critérios consagrados pelo direito material.   

Veja-se que, em que pese o entendimento jurisprudencial exposto, com a edição do Código de Processo Civil de 2015 criou-se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica no artigo 133 do diploma processual.[viii]

Previamente à edição do dispositivo, o STJ possuía entendimento que admitia a desconsideração sem a prévia citação daqueles indivíduos que seriam atingidos pelos efeitos da decisão do processo, em violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa.[ix] Por outro lado, com a edição do CPC de 2015, resta evidente que é crucial que se possibilite àquele que está na iminência de ser privado de seu patrimônio que seja chamado a discutir no processo se é ou não legítimo que seu bem seja alcançado pela decisão de desconsideração.

Com o advento do novel diploma processual, o TST editou a Instrução Normativa n.º 39, que dispõe sobre as normas do CPC de 2015 aplicáveis ao processo do trabalho. Nesse passo, a Instrução Normativa estabelece, em seu artigo 6º, que se aplica ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica instituído pelo CPC de 2015.

Constata-se, assim, que, instaurado o incidente, o terceiro será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de quinze dias. Isto é, previamente ao deferimento do requerimento de desconsideração da personalidade jurídica (ou antes de agir de ofício e instaurar o incidente), o juiz trabalhista deverá necessariamente citar o sócio ou a pessoa jurídica para manifestar-se no processo, a fim de impedir que terceiros sejam surpreendidos com citações para pagamento de dívidas relativas a processos de cuja existência nem sequer tinham conhecimento.

Com efeito, a desconsideração de forma ilimitada e sem quaisquer critérios (inclusive, das sociedades anônimas) gera evidentes riscos à atividade empresarial, haja vista que da personalização decorre o princípio da autonomia empresarial, que configura um dos elementos cruciais do Direito Societário. Vale dizer, em razão do referido princípio, os sócios não respondem, em regra, pelas obrigações da sociedade, permitindo o desenvolvimento da atividade empresarial. A flexibilização deste princípio enfraquece e põe em risco a atividade do empresário.

Como visto, a criação do incidente de desconsideração pelo CPC de 2015 tenta impor limites à despersonalização sem limites realizada pela Justiça do Trabalho, a fim de trazer uma razoável e necessária segurança jurídica para a atividade do empresário. Resta evidente que a Justiça do Trabalho deve obedecer aos procedimentos determinados pelo artigo 50 do Código Civil, assim como pelos artigos 133 a 137 do CPC, tendo em vista o disposto na IN n.º 39 do TST.  

 

Notas e Referências

[i] SCHAWAB, Klaus. World Economic Forum. The Global Competitiveness Report 2017–2018, p. 70.

 

[ii] Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

 

[iii] TRT-PR-02916-2000- 513-09-00-0-ACO-08452-2015 - SEÇÃO ESPECIALIZADA; Relator: CÉLIO HORST WALDRAFF; Publicado no DEJT em 07-04-2015.

 

[iv] TRT-PR-01764-2012-658-09-00-1-ACO-41616-2014 - SEÇÃO ESPECIALIZADA, Publicado no DEJT em 02-12-2014.

 

[v] TRT-PR-05440-2007-020-09-00-3-ACO-10366-2015 - SEÇÃO ESPECIALIZADA, Publicado no DEJT em 14-04-2015.

 

[vi] TRT-6 - RO: 8112010506 PE 0000008-11.2010.5.06.0009, Relator: Nise Pedroso Lins de Sousa (T1), Data de Publicação: 14/09/2010).

 

[vii] TRT-PR-00739-1997-021-09-00-5-ACO-01658-2006 - SEÇÃO ESPECIALIZADA, Publicado no DJPR em 24-01-2006.

 

[viii] O referido dispositivo em seu caput prevê que: “o incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo”.

 

[ix] STJ, REsp 1266666/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 09/08/2011.

 

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