Refletir sobre os chamados meios alternativos de resolução de litígios se mostra especialmente apropriado num período em que se discute a efetividade e o poder de melhoramento institucional por intermédio do Código de Processo Civil de 2015 (Lei n. 13.105/2015), em vigor há pouco mais de um ano.
A reflexão é relevante na tentativa de contribuir ao aperfeiçoamento de uma justiça que necessita de urgente remodelagem, para que possa atender aos preceitos para os quais foi concebida e aos deveres constitucionalmente previstos.
A alteração legislativa que se pretende comentar dá aparente incentivo à arbitragem, mas, no fundo, compromete-a, ao criar uma hipótese para a retirada de acionistas minoritários.
Trata-se da inserção do art. 136-A na Lei 6.404/1976, pela Lei n. 13.129/2015, que disciplina a inserção de convenção de arbitragem no estatuto social.
No caso em análise tudo indica não ter havido um estudo pormenorizado sobre as consequências do conteúdo da norma legal e sobre os incentivos que ela promove, pois, ao que parece, o legislador não se apoiou adequadamente nas técnicas usualmente utilizadas pela teoria da análise econômica do direito, em que o comportamento do empresário e as suas escolhas são tecnicamente explicáveis, já que não mensurou devidamente o impacto da criação de mais uma hipótese de retirada.
Não há uma medida exata ou uma estatística que possa apoiar um posicionamento sobre o impacto da referida alteração legislativa a partir do ano de 2015, todavia o entendimento corrente é o de que, proporcionalmente, ainda são poucos os contratos sociais e os estatutos que preveem meios alternativos para a resolução de litígios no Brasil, encontrando-se, mais frequentemente, em sociedades de pessoas e não com tanta frequência nas sociedades de capitais[1], mesmo com o aparente paradoxo em razão da estrutura mais complexa e do maior profissionalismo que as sociedades intuitu pecuniae costumam apresentar.
Defende-se a arbitragem como uma alternativa eficiente para a solução de controvérsias societárias, aproveitando, no caso, tanto o acionista minoritário como o majoritário, pois a escolha de árbitros especialistas no tema específico em debate torna mais provável a análise de acordo com o mercado e dentro do paradigma do direito empresarial, radicalmente distinto da lógica civilista e consumerista, mais próximas do dia-a-dia do Juiz (em razão da quantidade de demandas).
A Lei n. 13.129/2015 inseriu o art. 136-A na Lei n. 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações) trazendo a seguinte redação: “A aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quorum do art. 136, obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 45”.
Referido artigo, à primeira vista, consagrou o entendimento doutrinário preponderante no sentido de que todos os acionistas estão vinculados à cláusula compromissória, independentemente de terem votado favoravelmente à sua adoção. Isto fica claro ao observar a expressão “obriga a todos os acionistas”.
Todavia a disciplina legal também trouxe importantes ressalvas, uma vez[2] que incluiu, pioneiramente, a exigência do quórum qualificado previsto no art. 136 da Lei n. 6.404/76 para a inclusão da cláusula compromissória e a faculdade do exercício de retirada por parte do acionista que discordar da inserção da cláusula no estatuto.
Neste sentido, o mencionado artigo criou, em sua parte final do caput, uma nova hipótese para o exercício do direito de retirada – tão restrito nas sociedades anônimas – já que prevê expressamente que o acionista divergente pode exercer o potestativo direito de se retirar da sociedade, mediante o reembolso de suas ações, na forma do art. 45 da Lei.
Nada obstante, cabe observar que o parágrafo segundo do referido art. 136-A previu limitações ao exercício do direito de retirada na hipótese de inserção de cláusula compromissória, fazendo consignar que:
(i) não será possível o exercício do direito de retirada caso a convenção de arbitragem represente condição para que os valores mobiliários da companhia sejam colocados à negociação em segmento que exija dispersão acionária mínima de 25% (vinte e cinco por cento) das ações de cada espécie ou classe e;
(ii) não será possível o exercício do direito de retirada caso a inclusão da convenção de arbitragem seja efetuada no estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez, nos termos do disposto nas alíneas a e b do inciso II do art. 137 da Lei das S/A.
A partir da leitura da referida alteração legislativa, pode-se identificar que a despeito de ter optado pela concepção ampliativa de incidência da cláusula compromissória nas sociedades anônimas, o legislador se preocupou com a figura do sócio dissidente, a tal ponto de ter previsto uma hipótese específica de exercício do direito de retirada para aquele sócio que manifestar sua discordância na assembleia que decidir pela inserção da cláusula compromissória.
É expressiva tal válvula de escape, haja vista que toda a construção doutrinária e legislativa sempre foi bastante restritiva no que concerne à retirada de sócio nas sociedades anônimas, sobretudo por conta dos caracteres institucional e de capital, típicos das S/A.
Por outro lado, preocupando-se com os efeitos decorrentes de retiradas dos acionistas e de possíveis desincentivos à adoção da cláusula compromissória no estatuto das companhias, o próprio legislador trouxe ressalvas ao direito de retirada, mormente para não obstar a entrada em segmento do mercado da bolsa ou de balcão que exija dispersão acionária ou para que não haja abuso no exercício do direito, visto que, quando existe liquidez das ações, o mecanismo mais adequado é a simples venda, evitando-se a indesejável descapitalização da sociedade anônima mediante o reembolso acionário.
O parágrafo primeiro do art. 136-A prevê que a inserção da cláusula compromissória somente terá eficácia 30 (trinta) dias após a publicação da ata da assembleia geral que aprovou a deliberação. Com isso, estabelece-se um lapso temporal dentro do qual os sujeitos envolvidos podem levar suas divergências, inclusive quanto à cláusula compromissória, ao Poder Judiciário.
Ao avaliar conjuntamente o art. 136-A e seus parágrafos, verifica-se que o legislador buscou equilibrar os interesses envolvidos. Por um lado, prestigiando o instituto da arbitragem, ao disciplinar que todos os acionistas estão sujeitos à cláusula compromissória. Por outro, protegendo o acionista divergente ao trazer a possibilidade de se retirar da sociedade, mediante reembolso de suas ações, e ao criar o período de 30 (trinta) dias para eficácia da cláusula. Finalmente, teve a intenção de proteger a sociedade ao instituir limitações ao exercício do direito de retirada, buscando evitar a descapitalização ou a limitação ao ingresso das S/A em determinados segmentos do mercado.
Diante destas ponderações, não parece muito evidente que a alteração legislativa tenha superado um dos problemas que desestimulava a adoção da cláusula compromissória, qual seja, o problema da segurança. A suposta estabilidade criada pelo teor da nova lei, em uma análise mais aprofundada, não evitará efeitos “colaterais”, cuja constatação decorre da resposta à seguinte indagação: a alteração legislativa estimula ou desestimula a adoção da cláusula compromissória nas sociedades anônimas? Veja-se que de nada adianta garantir a segurança de um instituto se ele não for efetivamente utilizado.
Parece inegável que a previsão da hipótese de exercício do direito de retirada ao acionista que discordar da alteração estatutária que faça a inclusão de cláusula compromissória é um mecanismo de defesa colocado à disposição do acionista minoritário.
Afinal, a análise sistemática da Lei das Sociedades por Ações demonstra que são raras as hipóteses que autorizam o direito de retirada e elas têm em comum a ideia de proteger os minoritários de mudanças estruturais e/ou arbitrárias, em que os acionistas tenham sido dissidentes.
Ainda que cientes da possibilidade de haver críticas em sentido contrário, a posição aqui adotada é de que não andou bem o legislador ao estipular a possibilidade de retirada do acionista que divergir da inserção da cláusula compromissória.
Em primeiro lugar, acredita-se que a previsão de cláusula compromissória não representa uma mudança substancial na estrutura da sociedade anônima, capaz de se compatibilizar com as demais previsões de exercício do direito de retirada da Lei n. 6.404/76.
Teme-se que o movimento legislativo de ampliação das hipóteses de direito de retirada possa conduzir a um fenômeno parecido com o havido em relação à dissolução parcial das companhias fechadas, cada vez mais aceita pela jurisprudência, inclusive com a mitigação de preceitos basilares das sociedades anônimas.
Em segundo lugar, acredita-se que, se a preocupação reside em eventuais abusos dos majoritários, a proteção aos minoritários deveria vir em outras formas, não com o evitar da arbitragem, mormente num contexto de estímulo à adoção da via arbitral no mercado de capitais.
Não é a via arbitral que prejudicará o minoritário na tentativa de se proteger de eventuais abusos do majoritário. Até mesmo pode-se invocar que, em razão da especialização típica da arbitragem, a tendência é que o julgador árbitro tenha muito mais conhecimento a respeito do tema específico objeto da lide do que o julgador convencional do Poder Judiciário. Portanto pode-se argumentar que a tutela que seria provinda do juízo arbitral poderia estar em maior consonância com a realidade empresarial e, em tese, ser mais justa.
Outro ponto a ser observado diz respeito às previsões que mitigaram o exercício do direito de retirada (parágrafo segundo do art. 136-A). Acredita-se que tenha sido correta a opção do legislador em restringir o exercício da retirada do acionista nos casos em que a dispersão acionária seja requisito para o ingresso em determinado segmento do mercado de balcão ou da bolsa.
Caso não houvesse a exceção, haveria um claro desincentivo às companhias a adotar a cláusula compromissória, visto que, ao sopesarem o risco de perder as condições de ingresso, fatalmente abririam mão da arbitragem.
No mesmo sentido, a importante ressalva de que quando houver liquidez acionária não poderá ser exercido o direito de retirada é pertinente como medida de evitar a indesejável descapitalização societária, ruim para todos os consectários da atividade empresarial. A saída natural de um sócio ou de um acionista é a venda das ações, não a retirada de valores da própria sociedade.
Ao cotejar as previsões do art. 136-A e seus parágrafos, o presente texto conclui que não se pode comemorar a alteração legislativa.
Por mais que houvesse o posicionamento de importantes autores que destoavam do entendimento geral doutrinário acerca da incidência da cláusula compromissória sobre os acionistas ausentes, dissidentes ou futuros, o fato é que já havia uma posição doutrinária majoritária, inclusive adotada pela Câmara de Arbitragem da própria BM&F BOVESPA (CAM). Destarte, a alteração legislativa consagrou um entendimento que já estava assente na doutrina, algo que, no máximo, ajuda a pacificar (estabilizar) a interpretação.
Ocorre que o custo da alteração legislativa parece ter sido alto demais para a arbitragem e para a própria higidez da Lei n. 6.404/76, já que a previsão de retirada do sócio dissidente parece corromper a lógica da lei das sociedades por ações e desestimular a adoção da arbitragem nos estatutos das companhias.
Se já é difícil para os acionistas lidar previamente (na formação do estatuto) com a possibilidade de entrar futuramente em litígio com os demais acionistas, mais complicado ainda será convencer os acionistas a alterar o estatuto se podem ocasionar uma indesejável retirada de minoritários da S/A.
[1] EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Vol. I – arts. 1º a 120. São Paulo: QuartierLatin, 2011, p. 610.
A ideia do presente artigo foi trabalhada em um contexto mais amplo, em ALVES, Giovani Ribeiro Rodrigues. A reforma legislativa e a convenção de arbitragem nas sociedades anônimas: reflexos e expectativas. In: Tarcísio Teixeira; Patricia Ayub C. Ligmanovski. (Org.). Arbitragem em Evolução. 1 ed. Barueri: Manole, 2018, v. 1, p. 250-259.
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