O critério de demarcação entre as esferas de incidência do ICMS e do ISS encontra-se na Constituição Federal. Com efeito, o art. 156, III, da Carta atribui aos Municípios competência para instituir imposto sobre “serviço de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”.
Então, para haver incidência do ISS, (i) deve haver uma prestação de serviço, (ii) o serviço não pode estar compreendido na competência tributária dos Estados e (iii) o serviço deve constar da lista anexa à Lei Complementar 116/2003.
Por outro lado, incide o ICMS (i) sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação e (ii) prestação de serviços que envolvam fornecimento de mercadorias e que não constem da lista anexa à Lei Complementar 116/2003.
Mas, qual o tributo que incide sobre prestação de serviço com fornecimento de mercadoria, ainda que conste da lista anexa à Lei Complementar 116/2003? Em primeiro lugar, temos os produtos em que a própria lista ressalva a incidência do ICMS sobre os materiais fornecidos, a teor do disposto no § 2º do art. 1º da Lei Complementar 116/2003 e no inciso V do art. 3º da Lei Complementar 87/1996. Em segundo lugar, temos a prestação de serviço com fornecimento de mercadoria que consta da lista de serviços, mas cujo produto se destina à comercialização ou industrialização, como é o caso de impressos que deverão ser agregados a outro produto (rótulos, embalagens etc.) ou do tingimento de peças de vestuário que se destinam à comercialização e assim por diante.
A jurisprudência dos tribunais orientou-se inicialmente no sentido de reconhecer a incidência exclusiva do ISS, com exclusão do ICMS, numa interpretação excessivamente literal da Constituição. Como exemplo temos a seguinte decisão da Segunda Turma do STJ (REsp 1.239.018 PR, DJe 12-5-2011; RDDT 190: 216):
- A primeira Seção/STJ, no julgamento do REsp 1.092.206 SP, de relatoria do Min. Teori Albino Zavascki, submetido ao rito dos recursos repetitivos nos termos do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ, consolidou entendimento segundo o qual sobre operações mistas, assim entendidas as que agregam mercadorias e serviços, incide o ISS sempre que o serviço agregado estiver compreendido na lista de que trata a LC 116/03, e incide o ICMS sempre que o serviço agregado não estiver previsto na referida lista.
No caso dos produtos da indústria gráfica, o tribunal chegou a sumular a matéria (Súmula STJ 156): “A prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, ainda que envolva o fornecimento de mercadorias, está sujeita apenas, ao ISS”.
Esse entendimento não só desagradou os Fiscos dos Estados, mas também os contribuintes porque acarretava a cumulatividade do imposto quando o produto se destinava à comercialização ou industrialização, na medida que não permitia a compensação do ICMS correspondente às operações subsequentes com o imposto que onerou os insumos utilizados. Desse modo, a jurisprudência frustrava o propósito do constituinte quando consagrou o princípio da não cumulatividade.
Essa jurisprudência foi, por fim, modificada pelo STF, no julgamento da Medida Cautela em Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.389 DF, relator Min. Joaquim Barbosa (RDDT 191, 2011, pp. 488-505) no qual ficou decidido que “o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Presentes os requisitos constitucionais e legais, incidirá o ICMS”.
Adotado o precedente, o passo seguinte foi ampliar esse entendimento para alcançar outras situações semelhantes. Nessa senda, a Primeira Turma do STF julgou o AgRg no RE com Agravo 839.676 RS, rel. Min. Roberto Barroso, em 10 de fevereiro de 2015:
Agravo Regimental em recurso Extraordinário com Agravo. Industrialização por encomenda. Etapa intermediária da cadeia de produção. Emissão de notas fiscais atestadas pela origem. Inocorrência da materialidade atribuída ao ISQN.
Nas hipóteses de conflito entre fatos imponíveis do ICMS e do ISS, não se pode desconsiderar o papel da atividade exercida no contexto de todo o ciclo produtivo. Sob tal perspectiva, cabe ao intérprete perquirir se o sujeito passivo presta um serviço marcado por um talento humano específico e voltado ao destinatário final, ou desempenha atividade essencialmente industrial, que constitui apenas mais uma etapa dentro da cadeia de circulação. Perfilhando esta diretriz, não é possível fazer incidir o ISS nas hipóteses em que a atividade exercida sobre o bem constitui mera etapa intermediária do processo produtivo.
A jurisprudência do STF, da posição rígida inicial que interpretava literalmente o texto constitucional, evoluiu no sentido de considerar a prestação de serviço como atividade voltada para o destinatário final. Nesse caso, ficariam excluídas da incidência do imposto municipal as atividades essencialmente industriais, caracterizadas como etapas do ciclo de industrialização.
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