A imprescindibilidade da proteção da marca na era da economia digital

29/08/2019

A marca é considerada a identidade visual da empresa e detém elementos nominativos e/ou figurativos que compõem o conjunto marcário. Bem explorada, permite ao consumidor e ao investidor associarem produtos e/ou serviços ao seu idealizador e a um determinado segmento de mercado.

Por essa grande virtude, é recomendável promover o registro de marcas no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual – INPI, de preferência, antes ou logo após o início das atividades econômicas. Tal concepção pragmática também se aplica aos negócios na fase de aceleração, a exemplo das startups, pois, em que pese o pouco crédito depositado ao Órgão Regulador quanto à eficiência, caberá tanto a proteção oficial como também a decorrente da inovação rotineira, diante da necessidade não apenas de disputar com outros players, mas de permanecer no mercado.
O planejamento para o registro da marca deve ocorrer em concomitância com o estudo analítico para constituição da empresa, para o fim de apurar a disponibilidade do conjunto marcário almejado, ressalvadas algumas expressões não registráveis, bem como slogan e/ou marcas que já são considerados de renome, pois as consequências da indisponibilidade ou do não protocolo do pedido de registro trarão repercussões importantes, invariavelmente, negativas para o núcleo da atividade econômica a ser desenvolvida.
No que concerne ao tempo para concessão do registro da marca, estima-se, pela experiência, esteja variando entre dois a cinco anos após o depósito do pedido.
Refletir sobre o momento — pedido — é de suma importância, sendo fundamental o conhecimento profundo sobre o negócio e as atividades econômicas desenvolvidas pelo pretendente. O procurador apresentará a logomarca e assinalará as atividades exercidas pela empresa, obviamente, dando atenção aos produtos e/ou serviços relacionados com a marca, por segmento de mercado. Deverá levar em conta, não apenas as atividades exercidas, mas aquelas que pretende desempenhar, em total consonância com a Classificação Internacional de Produtos e Serviços de Nice (NCL, na sigla em inglês), que conta com uma extensa lista de 45 classes, subdivididas entre os números 01 a 34, para produtos, e entre 35 a 45, para serviços.
Como se sabe, o cenário empresarial é bastante mutável, impulsionado pelas inovações decorrentes da economia 5.1 (digital) e da entrada de novos players. O Comitê de Peritos da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) promove anualmente alterações nas Classificações, com o fim de atualizar e ou acrescentar novos itens para escolha do depositante, como o foco na máxima proteção do conjunto marcário.
Apesar de não ser obrigatório, é de primordial importância que o depósito da marca seja realizado por profissional habilitado, preferencialmente, advogado/consultor que domine a Lei de Propriedade Intelectual, Tratados Internacionais e os mais diversos manuais, instruções normativas estabelecidas pelo INPI e pela OMPI, e, sobretudo, conheça holisticamente (como um todo) a atividade econômica e estratégica que a empresa exerce e visa a atingir.
A mesma recomendação (protocolo do pedido de registro) se faz para as empresas que já estejam estabelecidas no mercado, com o fim de evitar custos de transação que possam sobrevir de medidas extrajudiciais e judiciais em virtude de uso indevido de marca (custos ex ante e ex post — processuais e extraprocessuais).
Os percalços decorrentes da ausência do registro da marca podem recair até mesmo no empresário de boa fé que exerça a atividade empresária há muitos anos, bem como esteja plenamente estabelecido no mercado e amplamente reconhecido por seus consumidores e investidores, entretanto não tenha promovido o registro da marca no tempo oportuno.
Neste contexto, a tramitação do processo administrativo e a avaliação do pedido de registro de marca perante o INPI justifica-se na expressão latina “dormientibus non sucurrit jus”, cuja versão vernácula é: “o direito não socorre os que dormem”, pois, nas hipóteses em análise, a concessão do registro da marca se dará ao titular que promover o depósito por primeiro, salvo as exceções elencadas nos artigos 124 e 126 da Lei 9.279/96.
Em linhas gerais, caso um novo empresário venha a se estabelecer no mercado para exercício da mesma atividade econômica, apresentando identidade visual (logomarca) semelhante ou idêntica a que já exista, o detentor do registro poderá exigir a suspensão do uso, bem como a aplicação de multa diária e indenização por perdas e danos.
Percebe-se que as consequências do uso ilegal são severas, tanto de ordem material como imaterial, pois, além de incorrer no pagamento de indenização por perdas e danos e multa diária, o autor do ilícito também será privado do uso da marca, ou seja, a identidade da empresa que carrega todos os seus bens e serviços, podendo, este ilícito, inclusive, acarretar a descontinuidade ou até mesmo a falência.
Neste sentido caminha o entendimento do INPI mediante negativa da concessão do registro quando existir registro precedente com os elementos nominativos ou figurativos para exercício da mesma atividade empresária.
O STJ tem-se posicionado no mesmo sentido sobre a precedência do registro, a suspensão imediata do uso da marca, aplicação de multa diária e perdas e danos. Confira-se:

RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. DIREITO DE EXCLUSIVIDADE. VIOLAÇÃO. NOME DE DOMÍNIO. SIGNO DISTINTIVO. COLIDÊNCIA. POSSIBILIDADE DE CONFUSÃO. CANCELAMENTO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. COMPROVAÇÃO DOS PREJUÍZOS. PRESCINDIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. 1. (...).
2. O propósito recursal é verificar (i) se o reconhecimento da prática de atos de violação marcária autoriza, independentemente de comprovação dos danos, a condenação ao pagamento de danos materiais e morais ao titular do direito violado; e (ii) a viabilidade do pedido de cancelamento do nome de domínio da empresa recorrida. 3.
No âmbito do STJ, é pacífico o entendimento de que vigora, quanto aos nomes de domínio, o princípio first come, first served, segundo o qual o registro deve ser atribuído àquele que primeiro requerer e preencher os requisitos específicos elaborados pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br), independentemente de apuração quanto à eventual colidência com marcas ou nomes empresarias previamente concedidos a terceiros.
4. Também constitui entendimento firmado nesta Corte que, apesar de o princípio retro mencionado viger no ordenamento jurídico nacional, é possível que eventual prejudicado, detentor de registro de sinal distintivo idêntico ou semelhante, possa vir a contestar o nome de domínio conflitante. A insurgência, contudo, somente deve ser acolhida na hipótese de ficar caracterizada a má-fé, elemento que precisa ser verificado em concreto, caso a caso, a fim de se decidir pelo cancelamento ou transferência da titularidade do registro e pela responsabilização do infrator.
5. A má-fé, em situações como a dos autos, caracteriza-se pela prática de atos antiéticos, oportunistas, direcionados a causar confusão nos consumidores, desvio de clientela ou aproveitamento parasitário.
6. Hipótese concreta em que o nome empresarial, a marca e os nomes de domínio da recorrente DECOLAR.COM LTDA. foram registrados em momento anterior ao pedido de registro do nome de domínio impugnado (www.decolando.com.br).
7. Tratando-se de empresas que atuam no mesmo segmento de atividades, a utilização, pela recorrida, de sinal distintivo composto pelo mesmo verbo que forma o nome empresarial, a marca e os nomes de domínio titularizados pela recorrente é suficiente para causar confusão no público consumidor - circunstância reconhecida pelos juízos de origem -, o que impõe seu cancelamento.
8. Para a jurisprudência do STJ, a configuração de colidência indevida de signos distintivos ocorre com a mera possibilidade de confusão, não se exigindo prova de efetivo engano por parte de consumidores específicos.
9. Registre-se, outrossim, que, de acordo com o que se depreende da sentença, a recorrida sequer utiliza, em sua página na internet e no seu estabelecimento comercial, a marca de sua titularidade, tendo optado por fazer uso de sinais que imitam a marca da recorrente.
10. A jurisprudência do STJ entende que é devida reparação por danos patrimoniais (a serem apurados em liquidação de sentença) e compensação por danos extrapatrimoniais na hipótese de se constatar a violação de marca, independentemente de comprovação concreta do prejuízo material e do abalo moral resultante do uso indevido. RECURSO ESPECIAL DE DECOLANDO LTDA NÃO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL DE DECOLAR.COM LTDA PROVIDO.(REsp 1804035/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 28/06/2019).

De fato, a reprodução ou imitação não autorizada, no todo ou em parte, de marca alheia atribui ao titular o direito de receber indenização decorrente dos danos patrimoniais e não patrimoniais experimentados. É o caso concreto que definirá o quantum e a extensão da obrigação de não fazer, de acordo com o período em que a marca contrafeita foi utilizada.
Uma das finalidades de tutelar o registro de marca consiste em coibir a concorrência desleal, prática rechaçada e repreendida em todo o território nacional e internacional. A Lei 9.279/96, em seu artigo 2º, inciso V e a convenção de Convenção da União de Paris – CUP (revista em Estocolmo a 14 de julho de 1967, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 75.572, de 08 de abril de 1975), expressam o seguinte:

Lei 9.279/96:
Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante:
(...)
V - repressão à concorrência desleal.
(...)
Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
(...)
IV - usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;
V - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências;

Convenção da União de Paris – CUP (revista em Estocolmo a 14 de julho de 1967, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 75.572, de 08 de abril de 1975):
1) Os países da União obrigam-se a assegurar aos nacionais dos países da União proteção efetiva contra a concorrência desleal.
2) Constitui ato de concorrência desleal qualquer ato de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial.
3) Deverão proibir-se particularmente:
1. todos os atos suscetíveis de, por qualquer meio, estabelecer confusão com o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente;
2. as falsas alegações no exercício do comércio, suscetíveis de desacreditar o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente;
3. as indicações ou alegações cuja utilização no exercício do comércio seja suscetível de induzir o público em erro sobre a natureza, modo de fabricação, características, possibilidades de utilização ou quantidade das mercadorias.

É oportuno mencionar que a concorrência desleal é considerada uma grave ofensa resultante de um ato ardiloso, fraudulento, pelo qual a clientela é levada a preferir produtos ou serviços do concorrente desleal. Há abuso do poder econômico quando se elimina a concorrência, ou tende a eliminar , conforme conceitua Nuno Carvalho.
Além desta finalidade, consistente em afastar o abuso na ordem econômica, o registro do conjunto marcário também consiste na tutela do consumidor, que não incorrerá em erro ou abuso no momento da escolha do produto ou serviço. As escolhas racionais, no contexto da economia comportamental, serão feitas pelo consumidor sem prejuízo da confusão gerada pela marca contrafeita.
Por um lado denota-se a relevância da proteção da propriedade imaterial da empresa (ativos de grande valor agregado), mediante o registro da marca, por outro, em razão da complexidade da matéria e os custos de transação envolvidos, mostra-se fundamental socorrer-se de profissionais com amplo know how em propriedade intelectual.
A concessão do registro é o primeiro passo, mas não só. Além do pagamento de taxa administrativa, é necessário monitorar as publicações consistentes em novos pedidos de registro de marca similares, devendo o titular, por meio de seu procurador, manifestar-se mediante oposição a este registro e, sobretudo, atentar acerca das hipóteses que podem levar à caducidade da marca.
A vigência da concessão da marca é de dez anos, podendo ser reiteradamente prorrogada, desde que respeitados os prazos definidos como ordinários (que iniciam quando a marca completa nove anos de registro e se estendem até completar dez anos) e extraordinário (mais seis meses depois do término do prazo ordinário), sendo prudente alertar que a contagem é em dias corridos, conforme estabelece a legislação especial.
Caso o titular não renove a concessão durante o prazo ordinário ou extraordinário, incorrerá na perda de proteção da marca.
Além disso, a caducidade também pode ocorrer em outras modalidades definidas pelo artigo 143, da Lei 9.279/1996, a saber: I- não houver iniciado o uso da marca no Brasil; II- interrupção da atividade econômica por cinco anos consecutivos; III- se a marca houver sofrido modificações que impliquem a alteração do se caráter distintivo original. Confira-se:

Art. 143:
Caducará o registro, a requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse se, decorridos 5 (cinco) anos da sua concessão, na data do requerimento:
I - o uso da marca não tiver sido iniciado no Brasil; ou
II - o uso da marca tiver sido interrompido por mais de 5 (cinco) anos consecutivos, ou se, no mesmo prazo, a marca tiver sido usada com modificação que implique alteração de seu caráter distintivo original, tal como constante do certificado de registro.

Assim, caso haja pedido de caducidade formalizado por outro pretendente que tenha interesse na marca, o titular precisará afastar totalmente as possibilidades que estabelecem a caducidade, eis que o INPI apreciará o caso em consonância com o artigo 143, da referida lei.
Ademais, o entendimento do STJ está em consonância com o conteúdo das decisões proferidas no âmbito do INPI, como, por exemplo, no julgado abaixo, no qual se afastou o pedido de caducidade, considerando-se que o empresário conseguiu comprovar, dentre outras situações/hipótese protetivas, o exercício contínuo da atividade empresária. Confira-se:

PROPRIEDADE INDUSTRIAL - APELAÇÃO CÍVEL - CADUCIDADE DO REGISTRO MARCÁRIO DA APELADA - NÃO OCORRÊNCIA - COMPROVAÇÃO DO USO DAS MARCAS DA APELADA NO PERÍODO DE INVESTIGAÇÃO DE CINCO ANOS ANTERIORES À DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO - APLICAÇÃO DO ART. 143 DA LEI 9.279/96. 1- Nos termos do art. 143 do CPI o período de investigação a ser analisado refere-se aos 05 (cinco) anos anteriores à data do pedido de caducidade feito na esfera administrativa e não 05 (cinco) anos a partir da data da concessão do registro como sustenta a apelante. Assim, considerando que, consoante fls. 71 e 75, a caducidade dos registros 816.306.451 e 820.907.499 foi postulada no INPI em 19/6/2009, o período de apuração é de 19/6/2004 a 19/6/2009; 2- Resta cristalino que no período de investigação (junho/2004 a junho/2009) ocorreu o uso contínuo das marcas em cotejo, notadamente diante das notas fiscais apresentadas que abrangem o período indicado, razão pela qual não há que se falar em caducidade das marcas "GOLÉ" (reg. 816.306.451) e "GOLÉ COLA" (reg. 820.907.499); 3- As notas fiscais apresentadas pela apelada são documentos hábeis a comprovar o uso das marcas "GOLÉ" e "GOLÉ COLA" no período de investigação, uma vez que comprovam a continuidade do uso das referidas marcas no segmento de mercado da apelada e no comércio de produtos especificados nas respectivas classes (refrigerantes); 4- Recurso conhecido e desprovido. (TRF-2 AC: 00235231820134025101 RJ 0023523-18.2013.4.02.5101, Relator: ABEL GOMES. Data de Julgamento: 11/11/2016, 1 TURMA.

O exercício contínuo da atividade empresária vinculada a uma determinada marca não é interpretada restritivamente, mas em sentido ampliativo, pois todos os movimentos do empresário a respeito da marca, desde os projetos, manuais, catálogos, lançamento, alocação em planos, negócios dentre outros fatores que envolvem o planejamento empresarial, obviamente serão considerados para afastar a pretensão de caducidade, levantada por outros players.
Conclui-se pela imprescindibilidade do registro de marca, em virtude de sua função ideológica capaz de gerar o reconhecimento dos consumidores e investidores acerca dos bens e serviços alocados pelo empresário no mercado, tratando-se, em linhas gerais, da identidade da empresa.
A velocidade com que o Órgão Regulador processa o pedido não constitui óbice à proteção, considerando-se os efeitos retroativos do depósito da marca, mas, obviamente, a morosidade do INPI não mais se justifica diante dos avanços tecnológicos que permitem a criação de sistemas inteligentes capazes de dar eficiência e eficácia ao direito marcário, que repercute sobremaneira no mercado e no desenvolvimento econômico do País.
Ademais, em virtude da globalização e da era digital, o exercício pleno do direito marcário reproduz otimismo ao mercado, na medida em que se harmoniza com o direito concorrencial, sendo indispensável à proteção da propriedade imaterial da empresa, cada vez mais técnica e analítica, preferencialmente desenvolvida por profissionais com amplo know how nas legislações nacionais, internacionais e administrativas existentes para adequada tutela deste precioso instituto, capaz de gerar a notória, global identidade e exposição da relação entre produtos/serviços e a empresa que os titulariza, no cenário econômico de um mercado que busca o equilíbrio.

 

Imagem Ilustrativa do Post: low angle photo // Foto de:Phillip Birmes // Sem alterações

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