A importância das gerações de direitos para se construir a vida dos Direitos Humanos - Por Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino

07/12/2017

Pensar os Direitos Humanos[1] significa vivenciá-los sob as dificuldades locais de cada região da Terra. Na medida em que se vive historicamente essas dificuldades e como impedem o desenvolvimento civilizacional, identifica-se aquilo que se torna fundamental, indispensável ao reconhecimento e respeitos não apenas entre os seres humanos e seus semelhantes, mas da comunidade viva do mundo. A clareza dessa unidade que vida que nasce de sua diversidade são conquistas históricas que fomentam novos direitos, novas interpretações as quais conferem à dignidade a sua matriz de significalidade.

Os Direitos Humanos precisam ser praticados a partir dos fenômenos históricos os quais demonstram os conteúdos essenciais para se realizar critérios civilizacionais adequados os quais não podem restringir-se aos limites impostos pelos territórios nacionais. Busca-se os Direitos Humanos de Terceira Geração, nas quais proporcionem a qualidade de vida, a paz, a proteção ao meio ambiente, entre outros.

A afirmação dessa condição histórica não deseja demonstrar a substituição de velhos direitos pelos chamados novos direitos. A expressão gerações não pode ser confundida com períodos de tempo que se iniciam e se encerram. Essa seria uma postura incompatível com a permanente construção de sentidos dos Direitos Humanos e da Dignidade Humana. Os tempos se comunicam, se complementam na medida em que nenhum período histórico anterior, como é o caso da primeira geração de direitos – os direitos de liberdade – se encontram plenamente compreendidos e efetivados: o trabalho escravo é um fato, bem como o tráfico de pessoas e todas as formas de imigração não recepcionadas pelos Estados-nação.   

Por esses motivos, a terminologia utilizada Terceira Geração dos Direitos Humanos salienta quais fenômenos caracterizam uma época que se vive, pois indica o limite de exercício da(s) liberdade(s) e a compreensão do Direito, ou seja, qual sua titularidade, a competência para exercê-lo, seus sistemas e garantias.

Os Direitos Humanos de Terceira Geração tem sido a reposta para diminuir o avanço da liberdade individual na sua postura egoísta sobre a coletiva. Evita-se a contaminação das liberdades públicas, principalmente quando se discute o uso de novas tecnologias ou quando aparecem novos paradigmas que servem como “martelo” para se edificar novas fontes e sensibilidades de outra civilização. Cita-se como exemplo a Sustentabilidade[2] no século XXI.

Percebe-se que essa preocupação se desenvolve a partir das gerações anteriores, no quais se privilegiou a liberdade – primeira geração – e a igualdade – segunda geração. Desde o final do Século XIX, a Modernidade aferiu, por meio da Razão Lógica, a sua construção histórica pelo aspecto filosófico, político e jurídico. A subjetividade se torna a discussão principal pela proteção à Pessoa a partir de sua condição peculiar, indispensável à manutenção das finalidades proporcionadas pelo Estado de Direito.

Os Direitos Humanos, contudo, nascem num cenário cuja prevalência pela liberdade individual ocasionou experiências históricas nos quais se percebeu a paulatina erosão desse valor na passagem do Século XIX ao XX. Efetiva-se no momento presente a busca pela solidariedade. As novas tecnologias[3], a nova reflexão sobre condições indispensáveis ao desenvolvimento de uma vida razoável, clamam pela efetivação de direitos nos quais o exercício da Cidadania seja, também, modificado. Esse movimento é perceptível na passagem do Estado Liberal ao Estado Social de Direito.

Os Direitos Humanos, a partir dessas reflexões, requerem novos modos de titularidade e instrumentos processuais adequados a um projeto de convivência real e emancipatório. Não se confere aos direitos universais a tarefa de modificarem as relações humanas como se fossem entidades metafisicas capazes de “salvarem a humanidade”. Não é possível que se elabore novos significados dos Direitos Humanos quando se prescinde da experiência histórica e cotidiana. Trata-se de uma legitimação utópica[4] na qual traduz os significados de ser humano, de se proteger as manifestações existenciais que conferem irrenunciabilidade ao seu conteúdo.

Entretanto, no intuito de se proteger essas novas possibilidades culturais e legais, torna-se necessário um Estado no qual traga a abertura e pluralidade necessárias para os debates que surgem a partir do desenvolvimento histórico de cada Sociedade.

Os espaços transnacionais que, aos poucos, se tornam realidade no cotidiano mundial, reforçam a tese da supraestatalidade, de se considerar as diferenças existentes nos ordenamentos jurídicos nacionais e promover sua integração comum. Aos poucos, desenvolve-se uma “tessitura comunicacional”. O monopólio da lei e seu sistema hierárquico esmaecem-se. O pluralismo jurídico, num cenário de Estado Constitucional, precisa de uma atitude hermenêutica que consolide uma reflexão crítica, desenvolvendo-se, portanto, um cenário dinâmico em detrimento à rigidez imposta pela atitude monista do governo das leis.

O Estado Constitucional não será compreendido como reserva normativa ou, segundo Kelsen, pela norma hierarquicamente superior, mas representará a identidade cultural de um povo resguardando seus anseios e projetos para uma convivência mais harmoniosa. A Constituição é entidade viva porque as pessoas (re)constroem seus significados a partir de suas experiências.

Apesar do Estado Constitucional representar um fenômeno autentico na reflexão sobre a força da lei e a sua compreensão histórica, percebe-se, contudo, o positivismo enraizou-se na elaboração do sistema legal por meio de uma racionalidade burocrática. O exemplo é o caráter hierárquico e unitário conferido à Constituição como Norma Fundamental.

O Estado Constitucional, ao refletir sobre os Direitos Humanos de Terceira Geração, deverá se tornar o meio espacial e temporal para realização daquilo que se considera valioso para as Pessoas em escala mundial. Essa possibilidade decorre da transformação de direitos e liberdades as quais não podem ser considerados, taxativamente, como rol de fenômenos protegidos atemporalmente. A evolução histórica permite seu questionamento e reformulação a fim de se efetivar qualidade à vida no mundo.

A universalidade dos Direito Humanos não reforça a tese de seu caráter estático. A reflexão oriunda sobre o sentido existencial que proporciona sua proteção significa contínua dinamicidade pelos novos fenômenos que surgem no transcorrer da História. Trata-se de seu alcance que se enraíza pela práxis das diferentes culturas com diferentes modos de realizar a sua organização social.  

A aplicação desses direitos será instigada quando o discurso da diferença, especialmente veiculado pelo espírito nacional, relativizar o sentido da cultura por subculturas nas quais promovem a degradação da Natureza e do Ser humano. Nesses casos, os Direitos Humanos devem agir de modo intransigente, pois não se pode obscurecer a proteção oferecida às manifestações humanas quando a referida identidade cultural local privilegia a segregação ou discórdia. A proposta do humanismo cosmopolita não coaduna com comportamentos nas quais não estejam adequados ou preparados para oferecer sua contribuição para o desenvolvimento mundial.

A construção de um ethos que oriente os Direitos Humanos de Terceira Geração não pode ser fundamentada pelas morais individuais e nacionais. A ponderação sobre sua validade, eficácia, amplitude, efetividade, entre outros, decorre de um diálogo multicultural e multinacional, ou seja, de uma tessitura ética mundial que se manifesta pela nossa humanidade compartilhada. Propaga-se por meio desse consolidado de caráter humanitário – não essencialmente antropocêntrico – a solidariedade, a paz e a comunicação intersubjetiva (e interespécies).

A globalização[5] influencia a (re)construção dos Direito Humanos. A prevalência dos critérios econômicos – de caráter Neoliberal – resulta o aumento das diferenças entre classes sociais nacionais e a homogeneização de liberdades e direitos como garantia de se (re)estabelecer a individualidade conquistada na Modernidade.

Não se discute a conquista histórica reconhecida mundialmente pelas liberdades individuais, porém o exagero conferido à sua proteção causa fragilidades ao exercício da soberania e permite retomar o caráter universal e inegociável dos Direitos Humanos. Paradoxalmente, quando se debilita os Direitos Fundamentais e suas políticas que asseguram a estabilidade cidadã em cada país.

O Direito Global[6] não pode ser reconhecido como processo exclusivamente econômico ou portador apenas das ideologias eurocêntricas, impedindo o desenvolvimento de outros lugares como a identidade da América Latina[7], mas de assegurar a compreensão do funcionamento dos sistemas econômico, sociais, políticos, culturais os quais se comunicam cotidianamente no mundo. Os povos se tornam responsáveis quando realizam discursos globais que prescindem da presença do Outro para usufruir de sua cultura, liberdade, justiça, igualdade, solidariedade, entre outros.

Essas características, portanto, devem atender aos modelos funcionais dos Direitos Fundamentais. A diferença entre essa expressão e a dos Direitos Humanos está que a primeira é o reconhecimento nacional sobre a importância do segundo para fomentar cenários sociais equilibrados.

O caráter absoluto dos Direitos Humanos não pode se tornar renunciável na implementação dos Direitos Fundamentais. Esses se tornam as metas a serem cumpridas por cada Sociedade, conforme suas disposições constitucionais. No entanto, a sua realização não pode ser limitada por regras infraconstitucionais. Nessa linha de pensamento, o caráter funcional desses direitos perde sua identidade conceitual porque a doutrina e jurisprudência relativizam a proteção dos bens jurídicos enunciados pelos Direito Humanos.

As reflexões oferecidas pelos modelos funcionalistas precisam proteger as pessoas a partir do Direito sob duas possibilidades: subjetiva e objetivamente. Na primeira hipótese, assegura-se o exercício da liberdade. Na hipótese objetiva, consagra-se a funcionalidade dos fins e valores expressos na Constituição. A dimensão institucional recupera seu significado existencial perante a Sociedade.

Os Direitos Fundamentais representam, a partir das orientações implícitas nos Direitos Humanos, um todo dinâmico no qual precisa (re)avaliar e (re)interpretar continuamente as experiências jurídicas e cotidianas como elementos de integração e desenvolvimento histórico.

 

[1] Utiliza-se como leitura base para composição deste texto a obra de PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. La tercera generación de derechos humanos. Cizur Menor (Navarra): Editorial Arazandi, 2006. 

[2] “A compreensão da Sustentabilidade não se direciona tão somente à perpetuação humana de modo intergeracional. A presença dessa categoria estimula verdadeiro exercício da Alteridade - e Alteridade Ecosófica -, cujos destinatários não são exclusivamente os seres humanos. Há, sim, necessidade desses atuarem no mundo a fim de se promover as condições de equilíbrio próprio para se contribuir com a manutenção da biodiversidade. Por esse motivo, essa interferência positiva denomina-se Desenvolvimento Sustentável”. AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. (Contra o) eclipse da esperança: escritos sobre a(s) assimetria(s) entre Direito e Sustentabilidade. [recurso eletrônico]. Itajaí, (SC): Editora da UNIVALI, 2017, p. 157.

[3] “Ter fé cega na ciência e no futuro para resolver os problemas do presente é contrário não só ao princípio de precaução, mas muito simplesmente ao bom senso. Mesmo se podemos esperar captar novas energias, seria razoável construir ‘arranha-céus sem escadas, nem ascensores, baseando-se unicamente na esperança de que um dia venceremos a lei da gravidade?’. [...] O perigo de ver o delírio técnico-científico levar a melhor sobre a sabedoria não deve ser, apesar disso, subestimado. Com os seus projetos de ‘trans-humanidade’, os fanáticos das nanotecnologias e da convergência podem, com uma certa verossimilhança, pretender inventar ou criar uma nova espécie capaz de sobreviver num ambiente degradado. Seria uma forma diferente (mais sedutora?) de desaparecimento da espécie humana”. LATOUCHE, Serge. O desafio do decrescimento. Tradução de António Viegas. Lisboa: Instituto Piaget, 2012, P. 45.

[4] “[...] a relação entre a utopia e a ordem existente aparece como uma relação ‘dialética’. Queremos dizer com isso que cada época permite surgir (em grupos sociais diversamente localizados) as ideias e valores em que se acham contidas, de forma condensada, as tendências não-realizadas que representam as necessidades de tal época. Estes elementos intelectuais se transforma, então, no material explosivo dos limites da ordem existente. A ordem existente dá surgimento a utopias que, por sua vez, rompem com os laços da ordem existente, deixando-a livre para evoluir em direção à ordem de existência seguinte”. MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 222/223.

[5] “Quando o sistema político formado pelos governos e pelas empresas utiliza os sistemas técnicos contemporâneos e seu imaginário para produzir a atual globalização, aponta-nos para formas de relações econômicas implacáveis, que não aceitam discussão e exigem obediência imediata, sem a qual os atores são expulsos da cena ou permanecem escravos de uma lógica indispensável ao funcionamento do sistema como um todo. É uma forma de totalitarismo muito forte e insidiosa, porque se baseia em noções que parecem centrais à própria idéia da democracia – liberdade de opinião, de imprensa, tolerância -, utilizadas exatamente para suprimir a possibilidade de conhecimento do que é o mundo, e do que são os países e os lugares”. SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 23. 

[6] “[...] o processo de globalização necessita ser compreendido como expressão de uma interdisciplinaridade sistêmica. Logo, o Direito Global, por mais incipiente que seja, tem como objeto a compreensão e regulação das relações provenientes dos fluxos globalizatórios. Fluxos estes que não se restringem à globalização do segundo pós-guerra. Contudo, ainda que algumas bases de governar o mundo estejam sedimentadas na descoberta da América, a grande especificidade verte da policentricidade que governa a globalização do terceiro milênio”. STAFFEN, Márcio Ricardo. Interfaces do direito global. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2015, p. 23.

[7] “[...] Esta perda de um ‘sentido de si’ estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma ‘crise de identidade’ para o indivíduo”. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. p. 9.

 

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