A importância da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a tutela dos direitos e das garantias fundamentais em sentido amplo

31/03/2016

Por Grace Menck Figueroa e Jorge Coutinho Paschoal - 31/03/2016

A OEA tem importância relevante na disseminação de direitos fundamentais, no Brasil e, em uma concepção mais abrangente, na América Latina. Efetivamente, direitos fundamentais são temáticas recorrentes e relevantes, no hemisfério, dado o histórico significativo na promulgação de direitos humanos e, em certos casos, na inserção de padrões internacionais, na legislação regional.

Embora cada Estado membro ostente a própria legislação, as diretrizes fixadas pela OEA, pelos tratados internacionais e, também, pelas decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos são, certamente, um norte a ser seguido, criando-se, em certos casos, verdadeiros vínculos jurídicos para os países signatários, sopesadas, obviamente, particularidades de cada Estado membro.

A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), também conhecida por Pacto de São José da Costa Rica, é um documento a ser implementado, sendo importantíssimo em âmbito penal; contudo, muitos de seus dispositivos ainda não encontraram a devida observância no sistema jurídico brasileiro, bastando lembrar que, apesar de a CADH estabelecer que “toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais[1], apenas, recentemente, foram disciplinadas as audiências de custódia, ainda assim com muitas resistências.

Além desta previsão, há uma série de disposições impactantes em nosso sistema jurídico, que se mostraram inovadoras, no passado, a exemplo do julgamento em prazo razoável (art. 8.1), assimilado, de modo mais expresso, pela Constituição da República Federativa do Brasil, apenas com a emenda constitucional n. 45, de 2004[2].

Igualmente, digna de nota a previsão de que a prisão é medida absolutamente excepcional, estabelecendo a CADH, também, pioneiramente, que a “liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo[3], o que restou melhor disciplinado apenas com a reforma processual penal operada pela Lei n. 12.403, de 2011 (medidas cautelares diversas da prisão).

Outra garantia presente na CADH, em que pese seja muito pouco observada no Brasil, reside na previsão quanto direito ao confronto, consistente no “direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos[4].

Também do ponto de vista penal, segundo defende parte da doutrina, a participação do Brasil na OEA teria implicações para o direito nacional.

A respeito, afirma Kathia Regina Martin-Chenut, “sobretudo em razão da tipologia das violações cometidas no continente, e não sem ligação com a evolução do direito penal internacional, o sistema interamericano de proteção dos direitos do homem teve um papel essencial no movimento de valorização das obrigações positivas de proteção pela via do direito penal. Os estados são, de tal forma obrigados a recorrer à repressão penal para proteger os direitos humanos, seja pela criminalização de certas violações  a estes direitos, seja pela redução da autonomia processual penal a nível estatal[5].

Entretanto, trata-se de temática bastante polêmica, pois, em se tratando de mandados de criminalização, até mesmo as previsões expressas da nossa própria Constituição são questionáveis do ponto de vista vinculante, conforme estudo de Janaina Conceição Paschoal[6], valendo a mesma observação para os tratados internacionais.

Por fim, resta registrar que as disposições da Convenção e as diretrizes da OEA não se restringem à matéria penal, mas aos direitos fundamentais como um todo, de primeira à terceira gerações.

A esse respeito, bem sintomático o discurso inaugural do Secretário Executivo da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro Lemes, em maio de 2015, para os desafios de enfoque multilateral sobre análises/projetos que promovem a utilização sustentável dos recursos naturais dos países do hemisfério.

Além disso, devido aos influxos internacionais, o reconhecimento constitucional por um considerável número de países quanto ao uso responsável dos recursos naturais em prol das próximas gerações tem conferido tanto aos organismos privados quanto aos órgãos públicos o poder/faculdade de exercer e de requisitar a implementação desses direitos perante os tribunais nacionais e internacionais.

Cabe lembrar que os projetos de uso de recursos naturais e seu respectivo impacto social e ambiental não é algo novo no sistema internacional, uma vez que organizações multilaterais financiam uma série de projetos com objetivos semelhantes, a partir de suas respectivas criações.

Os desafios são muitos, porque o desenvolvimento sustentável envolve preocupações de grupos sociais, como comunidades indígenas, quilombolas, de jovens, de crianças, entre outras minorias, que têm interesses legalmente protegidos ante constituições latino-americanas que preveem e que tutelam o direito ao desenvolvimento social e econômico de seus respectivos países.

Belo Monte, o projeto hidrelétrico brasileiro, é um exemplo de uma miríade de direitos envolvidos e misturado com o interesse público e mostra o desafio das autoridades públicas de conciliar direitos/obrigações com o desenvolvimento nacional sustentável.

O desafio comum de ordem multilateral é (re)conciliar a vasta gama de direitos e de preocupações da comunidade internacional em várias facetas envolvendo  direitos e garantias fundamentais.


Notas e Referências:

[1] Artigo 7.5. do Pacto de São José da Costa Rica.

[2] Artigo 5.º, inciso LXXVIII, de que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

[3] Artigo 7.5. do Pacto de São José da Costa Rica, in fine. 

[4] Artigo 8.2.f. Sobre o tema, no Brasil, Cf: MALAN, Digo Rudge. Direito ao confronto no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

[5] Cf.: BELTRAME, Priscila Akemi; CONCEIÇÃO, Pedro Augusto Simões da (Trad.); MARTIN-CHENUT, Kathia Regina. A valorização das obrigações positivas de natureza penal na jurisprudência da CIDH: o exemplo das graves violações de direitos humanos cometidas durante as ditaduras dos países do Cone Sul. Revista Brasileira de Ciências CriminaisSão Paulo, v. 21, n. 103, jul./ago. 2013, p. 100.

[6][6] PASCHOAL, Janaina Conceição. Constituição, criminalização e direito penal mínimo. São Paulo: RT, 2003.


Grace Menck FigueroaGrace Menck Figueroa é advogada especializada em Direito Internacional Público e Ambiental e trabalha, atualmente, no Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington, D.C.Grace tem mestrados em Direito Ambiental Internacional pela George Washington University(GWU) e em Direito Internacional pela Université de Genève, além de apresentar significativa experiência profissional no setor público e privado, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Grace tem o hobby aprender idiomas estrangeiros e fala, fluentemente, espanhol, francês,inglês e italiano.  Trabalhou, também, para o Banco Mundial e para a Organização dos Estados Americanos, em Washington D.C. 


Jorge Coutinho Paschoal

. . Jorge Coutinho Paschoal é Advogado e Mestre em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (USP). . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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