A identidade do trabalhador como um direito da personalidade

04/07/2016

Por Guilherme Wünsch – 04/07/2016

É através do trabalho que o indivíduo se satisfaz pessoalmente, construindo sua identidade enquanto trabalhador. As tarefas laborais preenchem a vida da pessoa e organiza sua mente. No procedimento de construção de identidade, tal consideração é imprescindível ao passo que torna possível a transformação da consternação em prazer. Esta consideração resulta na análise crítica das outras pessoas no ambiente laboral, o que passa ser necessário para dar razão ao trabalho.

Os direitos da personalidade representam uma garantia à preservação da dignidade do indivíduo, além de serem essenciais ao seu crescimento. Conforme Neide Akiko Fugivala Pedrodo: “como cidadão, todo trabalhador tem direito à manutenção do patrimônio básico constitutivo da personalidade humana durante a contratualidade”.[1] Diante dessa visão, garantindo-se a dignidade do trabalho, que: “[...] o homem trabalhador revela a riqueza de sua identidade social, exercendo sua liberdade e a consciência de si, além de realizar, em plenitude, seu dinamismo social, seja pelo desenvolvimento de suas potencialidades, de sua capacidade de mobilização ou de seu efetivo papel na lógica das relações sociais.”[2]

Assim, a dignidade é manifestada na segurança do direito à vida, à honra, à integridade física, à saúde, à integridade moral, à intimidade, bem como à garantia da afirmação social do trabalhador no recinto laboral. O indivíduo considerado como sujeito dos Direitos Humanos Fundamentais, como no caso da dignidade da pessoa humana, é entender o valor absoluto sobre o qual inclui este indivíduo como ser racional e moral, detentor de sensibilidade e emoções.

A tutela fundamental da dignidade do trabalhador possui a intenção de assegurá-lo o bem estar que deseja no meio familiar, no local de trabalho e na sociedade civil, pois “a lógica fundante dos direitos da personalidade é a tutela da dignidade da pessoa humana".[3] Observa Elimar Szaniawski que ”[...] a tutela do direito geral de personalidade abarca toda atividade da personalidade humana, protegendo os bens jurídicos da vida, da integridade corporal, da saúde, da liberdade, da privacidade, entre outros, destinados ao desenvolvimento de todo homem como ser individual”.[4]

Não há como negar a inserção dos princípios constitucionais da personalidade no Direito do Trabalho. Além disso, “o que se quer é elevar certas disposições inseridas na Constituição federal, que tratam de normas de personalidade, a um patamar mais elevado, dando-lhes a denominação de princípios para uma futura e eficiente tutela”.[5] É através da tutela dada ao trabalhador no Direito do Trabalho que o princípio da dignidade da pessoa do trabalhador, exposto no artigo 1º, III, da Constituição Federal, garante a realização do indivíduo. Se o empregado não exercer plenamente seus direitos, não adquire dignidade, e se não tiver dignidade, o empregado não conquista a existência plena. Segundo Alice Monteiro de Barros: “Embora o Direito do Trabalho não faça menção aos direitos à intimidade e à privacidade, por constituírem espécies dos “direitos da personalidade” consagrados na Constituição, são oponíveis contra o empregador, devendo ser respeitados, independentemente de encontrar-se o titular desses direitos dentro do estabelecimento empresarial. É que a inserção do obreiro no processo produtivo não lhe retira os direitos da personalidade, cujo exercício pressupõe liberdades civis.”[6]

O Direito do Trabalho, basicamente, se inclui na procura pela proteção e pela preservação da dignidade da pessoa humana, seja físico, material, mental ou psíquico, intelectual, moral, bem como existencial. Se não tiver esse encontro, o Direito do Trabalho perde em toda sua extensão, o papel de proteger o ser humano. Assim, a análise a ser feita depende do conhecimento das importâncias sociais, bem como do desenvolvimento dos princípios constitucionais voltados para o bem-estar do trabalhador. Para Paulo Eduardo de Oliveira: “O direito à integração é como uma das espécies de direito da personalidade do trabalhador. O direito da personalidade à integração social visa garantir ao trabalhador o direito de ser essencialmente político e social, considerando-se que a pessoa humana tem direito a convivência familiar, a convivência com grupos intermediários existentes entre o indivíduo e o Estado, com grupos a que se une pelos mais distintos motivos, direito do exercício da cidadania”.[7]

Já para Nordson Gonçalves de Carvalho “é pelo trabalho que o homem alcança meios para satisfazer suas necessidades básicas, sendo também o trabalho um mecanismo de reconhecimento do ser humano perante a sociedade em razão das atividades que exerce”.[8] A CLT faz uma sutil referência quanto à proteção aos direitos da personalidade do trabalhador, em seu § 4°, do art. 29, ao impedir o empregador de proceder a qualquer espécie de anotação desabonadora acerca da conduta do empregado em sua CTPS. Contudo, Carlos Henrique Leite assegura que: “Sem embargo da autorização do parágrafo único do art. 8º da CLT para a aplicação subsidiária do Código Civil de 2002, o certo é que a própria Constituição Federal de 1988, por ser a fonte de todo o ordenamento jurídico brasileiro, já é condição suficiente para sanar a lacuna do texto consolidado”.[9]

A tutela ao trabalhador no Direito do Trabalho possui uma estreita afinidade com o princípio da dignidade humana. Para que o trabalhador conquiste integral existência, é necessário que ele tenha dignidade, exercendo assim plenamente seus direitos. O teor fundamental do Direito do Trabalho está na busca pela preservação e amparo da dignidade do ser humano. Gabriela Neves Delgado afirma que: “O trabalho deve ser compreendido em sua significação ética, o que quer dizer que o homem deve ter assegurado, por meio do trabalho digno, sua consciência de liberdade, para que possa construir-se e realizar-se em sua identidade como sujeito-trabalhador.”[10]

A pessoa do trabalhador não é o objeto do contrato, mas sim seu próprio sujeito. Quando o contrato de trabalho é firmado com o empregador, seja tacitamente ou expressamente, o trabalhador se compromete a dispor sua força de trabalho para empenhar as atividades solicitadas pelo empregador, sob o amparo da subordinação. Entretanto, a disponibilidade de sua força implica na disposição da própria pessoa, uma vez que não há como afastar a força de trabalho daquele que o presta. Não é à toa que o tempo à disposição é considerado como de efetivo trabalho, ainda que o trabalhador esteja sem exercer qualquer atividade.

Todas as pessoas são detentoras dos direitos da personalidade, na medida em que são essenciais à pessoa, portanto, todas têm direito a sua identidade como forma de individualização do ser humano. Para que o indivíduo realize-se enquanto pessoa, é imprescindível que o princípio da dignidade humana e os direitos de personalidade estabeleçam a satisfação de um mínimo existencial, que não pode ser garantido sem um trabalho, um emprego digno. O indivíduo trabalha para assegurar o seu sustento e de sua família. Diante da necessidade de ter um emprego é que o trabalhador, no momento da admissão, se sujeita à violação dos direitos de personalidade, privacidade e intimidade, bem como a dignidade da pessoa humana.


Notas e Referências:

[1] PEDROSO, Neide Akiko Fugivala. Tutela jurídica dos direitos da personalidade nas doenças ocupacionais. São Paulo: LTr, 2013. p. 92.

[2] DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006. p. 241.

[3] TEPEDINO, Gustavo. Cidadania e os Direitos da Personalidade. Revista Jurídica Notadez. Porto Alegre, ano 51, n. 305. março, 2003. p. 38.

[4] SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 170.

[5] VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos da personalidade nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006. p. 23.

[6] BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à Intimidade do Empregado. São Paulo: LTr, 1997. p. 56.

[7] OLIVEIRA, Paulo Eduardo Vieira de. O dano pessoal no Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 30.

[8] CARVALHO, Nordson Gonçalves de. Assédio moral e a dignidade da pessoa humana do trabalhador. In: ZAINAGHI, Domingos Sávio; SILVA, Lucas Gonçalves da; SILVA, Luciana Aboim Machado Gonçalves (Org.). Temas de direito do trabalho e seguridade social. São Paulo: LTr, 2013, p. 112.

[9] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Os direitos da personalidade na perspectiva dos direitos humanos e do direito constitucional do trabalho. In: CALVO, Adriana; BRAMANTE, Ivani Contini (Org.). Aspectos polêmicos e atuais do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. p. 40.

[10] DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006. p. 23.

BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à Intimidade do Empregado. São Paulo: LTr, 1997.

CARVALHO, Nordson Gonçalves de. Assédio moral e a dignidade da pessoa humana do trabalhador. In: ZAINAGHI, Domingos Sávio; SILVA, Lucas Gonçalves da; SILVA, Luciana Aboim Machado Gonçalves (Org.). Temas de direito do trabalho e seguridade social. São Paulo: LTr, 2013,

DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Os direitos da personalidade na perspectiva dos direitos humanos e do direito constitucional do trabalho. In: CALVO, Adriana; BRAMANTE, Ivani Contini (Org.). Aspectos polêmicos e atuais do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. OLIVEIRA, Paulo Eduardo Vieira de. O dano pessoal no Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2010.

PEDROSO, Neide Akiko Fugivala. Tutela jurídica dos direitos da personalidade nas doenças ocupacionais. São Paulo: LTr, 2013.

SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

TEPEDINO, Gustavo. Cidadania e os Direitos da Personalidade. Revista Jurídica Notadez. Porto Alegre, ano 51, n. 305. Março 2003.

VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Os direitos da personalidade nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006.


Guilherme WunschGuilherme Wünsch é formado pelo Centro Universitário Metodista IPA, de Porto Alegre, Mestre em Direito pela Unisinos e Doutorando em Direito pela Unisinos. Durante 5 anos (2010-2015) foi assessor jurídico da Procuradoria-Geral do Município de Canoas. Atualmente, é advogado do Programa de Práticas Sociojurídicas – PRASJUR, da Unisinos, em São Leopoldo/RS; professor da UNISINOS e professor convidado dos cursos de especialização da UNISINOS, FADERGS, FACOS, FACENSA, IDC e VERBO JURÍDICO.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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