A humanidade entre a teoria e a prática socioambiental

18/11/2018

Introdução.

Na oscilação filosófica da humanidade, entre as trevas e as luzes, o Ser Humano introduziu, a partir do século XVII, um ambicioso projeto de dominação da natureza, intentando o controle da terra através da ciência. A abertura da humanidade para o conhecimento científico possibilitou o desvelo da ilusão e do romantismo para dar lugar à ação voltada para a resolução dos problemas sociais com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da sociedade. Entretanto, com o passar dos anos, a ação de resolução dos problemas abandonou a finalidade social e passou a tratar dos entraves ao crescimento do capitalismo por meio do uso do poder político e do poder econômico, buscando maximizar os ganhos, realizar o domínio cultural e implantar/consolidar o desenvolvimento da indústria.

As transformações ocasionadas pela ciência, na vida do Ser Humano, são bivalentes, pois, ao mesmo tempo em que solucionaram diversos problemas primitivos e degradantes à vida; trouxe novas mazelas, agora encampadas pelo viés da aplicação tecnológica e da escassez dos recursos naturais.

Atualmente, a humanidade avança cientificamente, porém, em descompasso regional e com distanciamento entre a teoria e a prática. Há um paradoxo mundial que afeta a evolução ética em matéria de desenvolvimento socioeconômico, uma vez que no globo terrestre coexistem povos/populações abastadas e miseráveis, ao mesmo tempo em que as teorias de igualdade, liberdade e solidariedade entre nações mostra-se apenas uma técnica de apaziguamento dos ímpetos, quando na prática não resulta em solução para os problemas sociais, econômicos e ambientais. A ciência, envolta aos métodos de pesquisa, embora se mantenha apresentando solução aos diversos desafios da sociedade acabou se distanciando da maior parte da população, sendo taxada de tecnicista, acadêmica e elitizada.

O resultado da falta de equilíbrio entre o que se teoriza e o que se executa (entre o discurso e a execução prática da paz e do desenvolvimento socioambiental) podem ser observados pela disporá mundial, em que povos da África, da Ásia e da América Latina deixam suas casas, suas famílias, seus hábitos/costumes/culturas/histórias; correndo risco de perder a vida na busca de dignidade e de respeito aos direitos humanos.

Ao longo da história, entre as reuniões de cúpula, armistícios e debates setorizados, houve um intenso esforço para a edição de documentos e declarações humanitárias, de direitos humanos e de respeito à soberania dos povos, contudo, as ações prática não deram vazão aos comandos teóricos, ao conhecimento cientifico acumulado, assim como as teorias de solidariedade mundial não penetraram no bloqueio ideológico do capitalismo ou do ultraconservadorismo de Estados Religiosos.

O presente ensaio pretende discutir em que medida a ação prática e a aplicação das ciências para solução de problemas reais é impactada pela retorica política, pela preocupação aparente ou pelo discurso politicamente correto.

Do começo até a transformação.

O projeto do homem de dominação da natureza pela aplicação da ciência não nasceu com o propósito devastador que se apresenta hoje, sendo constituído de manifestações técnicas voltadas à compreensão dos fenômenos naturais, com a finalidade altruísta de colaboração com a humanidade e valorizando a finalidade das atitudes ao invés do fim (atualmente ocorre o inverso, o fim é perseguido quase sempre com o propósito político ou econômico para o mercado). O homem, em tese, não possuía a fascinação pelo poder desmedido, ao passo que hodiernamente realiza intervenções científicas na condição de um semideus, cujo propósito não inclui o respeito à vida, a construção da paz e da felicidade.

A introdução do Poder na relação de dominação da natureza não ficou adstrita às fronteiras nacionais; os avanços tecnológicos permitiram reduzir o tempo e a distância entre pessoas, melhorar o fluxo de informações, introduzir culturas (geralmente dominadoras, dizimando a memória de países do terceiro mundo); tendo seu ápice na globalização que homogeneizou a cultura, os hábitos, a moeda e ate da alimentação. Luc Ferry1, ao discutir os motivos para trabalhar em favor do bem, explica que em nossa globalização tecnicista, o projeto de controlar o real deixou de ser um meio para realizar objetivos superiores: passou amplamente a ser um objetivo que se basta a si mesmo. Diz FERREY, ainda, (2018, p. 154) já não se trata de dominar a natureza ou a sociedade para tornar o mundo humano mais livre e mais feliz, e sim de controlar por controlar, de dominar por dominar.

Eis a retorica hodierna que faz mal à sociedade – evoluir por evoluir, dominar por dominar, controlar por controlar. Já não se pensa em intervir na natureza para melhorar a sociedade, para valorizar a vida ou para construir novos valores éticos de sustentabilidade; faz-se da sociedade um instrumento, tendo os Seres Humanos como peças de reposição da engrenagem que consome recursos naturais; dissemina o desejo pelo consumo; estratifica e rotula as pessoas pelo estamento social e desenvolve todo tipo de ódio e de violência.

O antagonismo está presente no fato de que, atualmente, a ciência e a política não objetivam a defesa da vida ou a aplicação prática dos modelos estudados para melhorar a qualidade de vida da população ou combater os dilemas socioeconômicos; ao contrario, por estarem geralmente vinculados às estruturas de poder, tudo que fazem constitui uma verdadeira cortina de fumaça, um discurso de consenso, uma miragem para os olhos dos mais combalidos socialmente, pois, o enunciado constitui uma falácia e as ações práticas, em todas as áreas – saúde, educação, meio ambiente, trabalho, assistência social; não buscam o bem coletivo, apenas um resultado eleitoral (poder) ou um aproveitamento econômico (financiamento de grupos e pessoas).

É elementar à sociedade mundial que a ciência e a política estejam voltadas para o bem comum, para melhorar a vida no planeta. É crucial à humanidade romper com o pessimismo, com o saudosismo da republica da força, para valorizar a democracia e as liberdades civis, não deixando que a sentença proclamada pelos detentores dos fatores reais do poder se consolide no universo. A ciência e a política deve ser o meio para que a sociedade evolua de forma ética e responsável e, ao contrário do que se realiza na prática, deixar de ser um fim em si mesmo.

Uma proposito de futuro.

A questão posta imagina-se, é como romper com o sistema de poder que enlaça a ciência e, ainda, como traduzir o discurso político para transforma-lo em ações práticas que alavanquem o desenvolvimento ético e ambiental da sociedade.

A experiência de países europeus, em especial os países que foram atingidos pelas guerras mundiais, mostra que o investimento na educação é, se não for à única, a melhor ação prática para gerar cidadania e, por via direta, uma população capaz de manter a memoria viva, avaliar os acontecimentos históricos e reconhecer a importância dos direitos e das liberdades civis.

Dentro desse contexto, é necessário que o ensino seja praticado de forma livre, sem amarras e com fundamento na revisão da história e no conhecimento dos clássicos. É curial que a política educacional transpasse os códigos morais e religiosos, fazendo com que a ordem econômica esteja presente, sobretudo, para financiar projetos de pesquisa que tenham como objetivo melhorar a vida da sociedade, ou seja, garantir dignidade, respeito aos direitos civis e preservação do ambiente.

O rompimento da estrutura de poder que vige e viola os códigos éticos da ciência requer a revisão do conceito de ensinar e de aprender, levando-os para além da transmissão de conteúdos, chegando ao protagonismo acadêmico. FERRY (2018, p. 123), explica que a palavra aprender possui duplo significado, incluindo a ideia de compartilhamento dos saberes.

Primeiramente, notemos que o termo francês ‘apprendre’ tem dupla significação, aprender, adquirir conhecimentos, mas também transmiti-los, ensina-los e compartilha-los com outrem.

Devemos utilizar as tecnologias existentes para fomentar a aprendizagem, dividir saberes, ligar as pessoas pela informação saudável, transmitindo-a com responsabilidade e com o coração repleto de alegria; quebrando os modelos que reproduzem a estratificação racial, o desrespeito ao gênero e o acumulo espoliativo de capital.

Pela educação é possível abrir horizontes, expandindo as experiências vividas no ambiente local para compartilha-las e aprimora-las no ambiente nacional ou internacional. A educação permite que o Ser Humano se liberte das particularidades, das amarras pessoais sem deixar de reconhecer os significados e a importância da cultural local, dos laços familiares/afetivos que constituem sua formação e sua forma de viver.

A educação é o proposito do presente e representa o único caminho para um futuro de igualdade e de liberdade. É uma das formas mais seguras de garantir que a teoria cientifica e os discurso político se transforme em ações práticas em favor da humanidade, fazendo com que o poder não seja a única força propulsora dos objetivos da sociedade e, particularmente, permitindo que o Ser Humano e todos os demais Seres sejam singularizados pela essencialidade para todo o planeta.

Conclusão.

A humanidade, dentre os diversos desafios, precisa evoluir da teoria para alcançar a prática socioambiental. A evolução exige que as estruturas de poder estejam voltada para o bem comum, para a felicidade, para o respeito aos direitos civis, para a liberdade. Requer que a ciência seja um instrumento para melhorar a vida e, essencialmente, que a política se revele menos técnica, menos retórica e mais humana, verdadeira e com ações concretas em favor dos Seres que vivem no planeta Terra. Não se admite o discurso pelo discurso, a ação apenas com o objetivo do voto, a conquista do poder por qualquer meio – sem ética e sem respeito; pois, o estágio atual de singularidade social e ambiental não permite a aplicação de políticas públicas generalistas, aplicadas de forma automática e sem respeitar as particularidades locais, regionais e nacionais.

 

Notas e Referências

1 FERRY, Luc. 7 maneiras de ser feliz: como viver de forma plena. 1ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018

 

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