A função republicana da Advocacia Pública – Por Felipe Wildi Varela

22/01/2017

À advocacia pública, função essencial à justiça, compete a representação judicial e a consultoria jurídica da União e dos entes federados. Apesar de aparentemente delimitadas as competências funcionais dos advogados e procuradores públicos, permanece a ambigüidade em relação ao real beneficiário dessas ações. O Estado, ente abstrato e impessoal? Mas afinal, qual é o objetivo do Estado? Nesse contexto, o presente ensaio traz uma reflexão sobre o papel republicano exercido pela advocacia pública.

Apontam para a idade antiga as primeiras formas de governo em que a participação popular nas deliberações públicas e a busca pelo interesse da maioria eram os vetores políticos para se alcançar o bem comum, sinônimo de justiça. Democracia na Grécia e república em Roma.

Jean Jacques Rousseau, na obra o Contrato Social, agrega ao conceito de república a representação da soberania popular por meio do Estado. O povo associado e em plena junção de interesses se submete à vontade geral. O pacto social, fruto da vontade geral, não visa à satisfação de interesses privados, mas o bem comum de toda a maioria que se curvou ao contrato firmado. Assim, na república o direito não se insere pela força, uma vez que por ser fruto do assentimento do povo marcado pela legalidade e pela legitimidade.

Entretanto, ultimamente alguns princípios basilares de nosso ordenamento jurídico estão se perdendo. Hoje em dia, pouco ou até quase nada se fala do princípio republicano. Princípio que, previsto pela primeira vez no texto constitucional brasileiro de 1891, tornou-se presente em todas as demais (re)edições posteriores.

A redução semântica do termo república e da essência do princípio republicano a forma de governo contrária à monarquia “traz prejuízos incalculáveis ao perfeito entendimento de termos como Direitos Fundamentais, Cidadania e Coisa Pública, por exemplo”, como pontuam Paulo Márcio Cruz e Luiz Henrique Cadermatori[1]. Isso porque, a forma republicana de governo está prevista de forma expressa como fundamento da república brasileira (Constituição Federal de 1988, artigo 1º), mantendo, ainda, status de princípio constitucional sensível, isto é, caso seja desrespeitado sob alguma forma, poderá ser decretada uma intervenção federal.

É dizer, então, que na forma republicana de governo os representantes escolhidos pela maioria dos cidadãos – titulares do poder –, serão os responsáveis pela elaboração das leis, que formarão o contrato social. Nas palavras de Geraldo Ataliba, “Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido. Como o povo não pode apresentar-se na função de governo, os seus escolhidos o representam. Governam em seu nome, no seu lugar, expressando sua vontade”[2]. Portanto, ao se promover a defesa, judicial e administrativa, de atos praticados por um Estado constituído por um governo legítimo, se está, em ultima ratio, defendendo-se o interesse da maioria.

A competência para representar judicialmente os entes federados – União, Distrito Federal, Estados e Municípios –, apesar de relativamente nova, eis que fruto da Constituição de 1988 é, por muitos, entendida como a principal atividade da advocacia pública. Ainda na esfera judicial, a advocacia pública detém legitimidade ativa para propor ações judiciais para tutelar e defender a coisa pública, na medida em que poderá figurar no pólo ativo de ações civis públicas, no manejo da ação de improbidade administrativa e, ainda, buscar a responsabilização, administrativa e civil, de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

No âmbito administrativo, a advocacia pública[3] participa direta e ativamente do controle interno prévio dos atos administrativos praticados. Por meio de respostas a consultas, na elaboração de pareceres jurídicos entre outros atos de aconselhamento às autoridades, em diversas matérias que são afetas ao cotidiano administrativo: licitações, contratos, cessão e disposição de móveis e imóveis, gestão de pessoas entre outros temas. No processo legislativo, relativamente à concretização das políticas públicas, a advocacia pública exerce um papel de grande relevância, quer na elaboração de projetos de leis, quer na participação do trâmite processual até na manifestação ulterior do autógrafo do projeto de lei.  A interdisciplinaridade que envolve os projetos de leis, contemplando aspectos não apenas jurídicos, bem como sociais, ambientais, econômicos entre diversos aspectos, impõe a aplicação razoável e proporcional do Direito.

Portanto, a advocacia pública seja em âmbito judicial, administrativo ou consultivo, atua sempre na defesa do interesse público, de que é titular a coletividade. E, como bem pondera Geraldo Ataliba “a república é a síntese de todas as nossas instituições. Conhecer-lhe a essência é dominar as bases de todo o direito público”[4].


Notas e Referências:

[1] Da soberania à transnacionalidade: democracia, direito e estado no século XXI, Itajaí: Universidade do vale do Itajaí, 2011, p. 39.

[2] República e Constituição. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 13.

[3] O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 881-1 MC, sob a relatoria do Ministro  Celso de Mello, entendeu que a função de consultoria jurídica dos entes e órgãos do Estado, deve ser exercida por Procuradores de carreira, não podendo ela ser exercida por advogados contratados ou comissionados. (ADI 881-1 MC, Ministro Relator Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 02-08-1993, DJ 25-04-1997, p. 15.197). Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=346663. Acesso em 17-01-2017.

[4] República e Constituição. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 20.


 

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