A fosfoetanolamina voltou – Por Clenio Jair Schulze

18/04/2016

Comentando a decisão da Presidência do Supremo Tribunal Federal - STF que determinou a suspensão do fornecimento da fosfoetanolamina[1] escrevi o artigo "Acabou a fosfoetalonamina" (leia aqui).

Posteriormente, contudo, foi publicada a Lei 13.269 de 13/04/2016 que autoriza o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna.

E agora, qual é o cenário sobre o tema?

A primeira observação demonstra que o aspecto político do tema superou a questão científica, pois não há comprovação da eficácia, eficiência e segurança desta tecnologia. Significa que o Congresso Nacional e a Presidência da República desconsideraram os técnicos e deram ouvidos à população que deposita grande expectativa na fosfoetanolamina para superar as adversidades das modalidades de câncer[2].

Agora, portanto, há lei que autoriza o uso da fosfoetanolamina sintética, basta que exista laudo médico que comprove o diagnóstico e haja a assinatura de termo de consentimento e responsabilidade pelo paciente (art. 2º, Lei 13.269/2016). No plano jurídico, isso prestigia o princípio da autonomia da vontade, que representa dimensão da dignidade da pessoa humana.

De outro lado, há uma dificuldade que parece ser insuperável, pois a Lei fixou que "a produção, manufatura, importação, distribuição, prescrição e dispensação da fosfoetanolamina sintética somente são permitidas para agentes regularmente autorizados e licenciados pela autoridade sanitária competente" (art. 4º, parágrafo único). É necessário, portanto, que haja autorização ou licença da Anvisa e da vigilância sanitária, coisa que dificilmente acontecerá, pois tais órgãos devem se pautar apenas pela análise técnica da questão, sem influência política.

Assim, a despeito da liberação por lei da fosfoetanolamina, é precisa que algum laboratório produza a substância. Em segundo lugar, deve-se obter prescrição médica. Mesmo assim, existirão dois obstáculos: (1) o SUS e as operadoras de plano de saúde não vão conceder a substância, pois afirmam que não existe prova da sua eficiência, eficácia e segurança, já que ainda não foi aprovada nos testes científicos e (2) a decisão do presidente do STF que desobrigou a USP do fornecimento da fosfoetanolamina, conforme decidido na Suspensão de Tutela Antecipada 828.

Além disso, a Corte Constitucional em breve vai analisar a validade da nova lei, diante da propositura de ação direta de inconstitucionalidade (5501), proposta pela Associação Médica Brasileira.

Ou seja, a publicação da Lei 13.269 de 13/04/2016 não resolveu o problema, muito pelo contrário, acirrou ainda mais a discussão sobre o tema.

É preciso, por fim, que as pessoas sejam tratadas com respeito e dignidade, a fim de minimizar os efeitos da indesejável doença.


Notas e Referências:

[1] Suspensão de Tutela Antecipada - STA 828.

[2] Interessante é a observação de Hélio Schwartsman: "O caso da fosfoetanolamina é a cara do Brasil. Durante mais de duas décadas, um pesquisador da principal universidade do país distribuiu a pacientes de câncer pílulas de um molécula que ele sintetizara e que acreditava combater a insidiosa moléstia. Nesse tempo todo, ele não se preocupou em desenhar um estudo para estabelecer com algum rigor científico se a droga é eficaz. [...] Aí vêm os políticos. O que fizeram? Em tempo recordo, parlamentares aprovaram uma lei que diz que, no caso da fosfoetanolamina, não precisamos dar atenção a detalhes como eficácia, segurança ou procedimentos. Já que a droga caiu no gosto popular, ela pode ser prescrita em escala comercial, antes de passar por testes. É o triunfo do pensamento mágico sobre o método científico. Surge então uma presidente prestes a sofrer impeachment e, contrariando todos os pareceres técnicos e conselhos da comunidade científica, sanciona a lei. Depois ainda perguntam por que o país não dá certo." In Folha de São Paulo, 17/04/2016, Primeiro Caderno, pág. A2.


 

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