Muitos já se manifestaram sobre o tema e, certamente, com muito mais eloquência do que eu. No entanto, não posso deixar de registrar minha indignação quanto à abertura de investigação dos “Quatro de Copacabana” – juízes que se manifestaram contrariamente ao impeachment – pelo Conselho Nacional de Justiça.
No último dia 24, por unanimidade, os Conselheiros decidiram que o procedimento deveria ser iniciado, tendo em vista que os quatro magistrados teriam discursado em ato realizado em Copacabana, o que se caracterizaria como “política partidária”, vedada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Curiosamente, nenhum juiz que tenha se manifestado favoravelmente ao impeachment – e houve vários – foi importunado com atos equivalentes. Aposto que nenhum será.
Em um absurdo paradoxo, o que demonstra ser um ato totalmente político-partidário é justamente a decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça, que pretere aqueles cujos posicionamentos são distintos do pensamento dos seus integrantes. Ou seja, o que se entende como esquerda não pode manifestar-se porque o órgão de controle não se coaduna com os seus ideais.
Ademais, nem sequer se tratava de um ato de conotação partidária, mas de uma manifestação em defesa da democracia, contrária a um golpe de Estado. Se, durante a ditadura que assolou as décadas de 1960 a 1980, a magistratura se caracterizou pelo silêncio e pela conivência com as violações de direitos, agora não é diferente. Aqueles que ousam agir em combate a tais absurdos são coagidos a se calar, valendo-se dos mais diversos recursos.
Na sessão do referido Conselho, falou-se até mesmo em manter a neutralidade dos magistrados, quando se sabe que a neutralidade é uma falácia. Busca-se a imparcialidade, o que tenho certeza que respeitam os ora investigados, ao contrário de muitos juízes país afora, cujo posicionamento punitivista, seletivo, preconceituoso, machista, racista etc. pauta as decisões proferidas nos feitos em que atuam. Mas isso é admitido, apenas porque se trata da posição da direita, compatível com o que entendem as mais altas autoridades do Poder Judiciário – as quais, aliás, podem se manifestar livremente sobre os mesmos temas de que trataram os investigados no ato impugnado.
Voltamos à ditadura, se é que em algum momento de fato superamos seus preceitos. Mandam-se à fogueira aqueles que pensam de modo diverso do estabelecido, quando isso deveria ser enaltecido diante da atual conjuntura. E o pior é a dificuldade que uma grande parcela da população tem em enxergar o que está acontecendo. Nega-se veementemente a prática de atos fascistas, quando está patente que a truculência estatal cada vez mais tolhe direitos daqueles que deveria proteger.
A defesa dos “Quatro de Copacabana” é a defesa da própria democracia, do Estado de Direito, daquilo por que tanto lutaram mulheres e homens que também eram vistos como “ameaça”. De fato, os Magistrados cuja investigação se determinou são uma intensa ameaça. Uma ameaça ao fascismo, à violência estatal, ao golpe de Estado, à perpetuação da seletividade do sistema penal e a tantas outras violações de direitos que são convenientes a uma parcela – poderosa – da população.
Não podemos nos calar diante de tal fato, sob pena de sermos também responsáveis pelo cerceamento de direitos, pela sucumbência do Estado de Direito ao Estado de Polícia. Lutemos todos, unidos, em defesa não apenas de quatro magistrados, mas do Brasil.
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