A federação e os entraves na gestão ambiental – Por Wagner Carmo

26/02/2017

O meio ambiente é temática relevante na sociedade moderna e por esta razão é alvo de sucessivas e constantes intervenções acadêmicas, científicas e tecnológicas. No universo das ciências sociais aplicadas, o direito e sua técnica no campo do meio ambiente perpassam por complexo problema para a compreensão das competências constitucionais legislativas em matéria de direito ambiental, segundo os princípios instituidores da federação brasileira.

Sabe-se que o sistema de repartição de competências legislativas, próprio dos Estados organizados em federações, foi estruturado desde o modelo dos Estados Unidos da América com o objetivo político e jurídico de articular as liberdades individuais, a autonomia dos Estados e a sustentabilidade das unidades do país. Ele possui como característica principal a existência de autonomia dos entes federativos e a sua interdependência, definindo-se pela delimitação clara dos direitos de cada ente.

Nessa sequência, o Brasil, segundo a Constituição Federal, organiza-se politicamente em forma de federação e a repartição de competências em matéria ambiental, neste contexto, possui escopo jurídico no artigo 22, que trata da competência privativa, no artigo 23, que retrata a competência comum, e no artigo 24, que aborda as situações de competência concorrente, todos da Constituição Federal. É através do modelo de repartição de competência da federação brasileira que surgem os entraves para a gestão ambiental. A competência legislativa em matéria ambiental, se mal interpretada permite a ocorrência de imbondos que podem afetar a gestão ambiental, principalmente na hipótese de não existir delimitação clara das responsabilidades e atribuições de cada ente federal na organização administrativa e na edição de normas sobre o meio ambiente.

O tema retrata, assim, uma vasta outorga legislativa e uma possível sobreposição de competências promovida pela Constituição Federal, o que resulta em uma complexa malha de direitos e de procedimentos administrativos, estratificada entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de cuja compreensão, análise de legalidade e interpretação depende a gestão do meio ambiente.

A perspectiva de resolução do imbróglio jurídico ambiental do sistema de competência legislativa envolvendo a federação brasileira acreditava-se que seria a regulamentação, pelo Congresso Nacional, do parágrafo único do art. 23 da Carta Magna, cuja proposta foi aprovada e transformada na Lei Complementar Federal n.º 140/2011.

Em princípio a Lei Complementar Federal n.º 140/2011 supriu importante lacuna à gestão ambiental, especialmente pela definição formal de alguns aspectos da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em matéria ambiental.

Entretanto, Wagner Carmo, em Gestão Ambiental na Federação Brasileira, pg. 51/52, acerca da Lei Complementar Federal n.º 140/2011, destaca:

Desvela-se que o Congresso resolveu “em princípio” o problema porque a lei complementar n.º 140/2011 é uma das normas necessárias à gestão ambiental do Brasil, dentre outras, não exaurindo por completo por completo as omissões legislativas necessárias à completude do sistema nacional de meio ambiente, exigidas em um sistema federativo de cooperação.

(...)

Porém, a norma não encerra em si os problemas relativos à competência ambiental e muito menos representa a solução definitiva para os entraves jurídicos decorrentes da gestão ambiental (...).

(...)

Em que pese da lei complementar n.º 140/2011 ter regulado as ações administrativas que, de certa maneira, solucionou inúmeros problemas de gestão ambiental, não resolveu o problema da competência legislativa.

Obtempere-se que os problemas relacionados com a gestão ambiental não refogem ao universo jurídico e também, lado outro, estão intimamente relacionados com aspectos políticos e sociológicos.

Diz-se dos aspectos políticos e sociológicos em razão de questões elementares à gestão ambiental, notadamente pela discussão aberta acerca do modelo de organização do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA e dos problemas que envolvem a chamada municipalização no Brasil.

O CONAMA é o órgão do Sistema Nacional de Meio Ambiente, responsável, segundo a Lei Federal n.º 6.938/1981, pela tomada de decisão em matéria ambiental, com natureza consultiva e deliberativa.

Uma simples analise do CONAMA, considerando os aspectos de sua composição, organização, atribuição e competência, revela com agudez incomum aspectos relacionados com o poder político e com a gestão ambiental. Aquele pode ser retratado pela composição extensa, incomum e que inviabiliza a ocorrência de uma gestão ambiental eficiente, enquanto este condiciona os resultados da gestão ambiental por todo o Brasil.

Nesse sentido, Wagner Carmo (2015, pg. 65/66), propõe que o CONAMA seja reestruturado e organização a partir da visão ecológica do Brasil.

A reestruturação do Conselho Nacional de Meio Ambiente exige a aplicação do conceito de divisão ecológica do Brasil com a criação de Conselhos regionais a partir de biomas. A literatura define bioma como sendo um conjunto de tipos de vegetação que abrange áreas continuas, em sua escala regional, com flora e fauna similares, definidas pelas condições físicas predominantes nas regiões.

No que concerne às questões relativas ao fenômeno da municipalização no Brasil, sobreleva-se que os Municípios, a partir de 1988 foram alçados a condição de ente federativo, tendo a União repassada à função de administrar e resolver problemas locais por meio da redistribuição e transferência de recursos.

Nos termos da Constituição, os Municípios receberam atribuições de gestão, por exemplo, da saúde, da educação, da assistência social e do meio ambiente. Contudo, a União, pelo sistema legal vigente, uniformizou a redistribuição e a transferência de recursos sem considerar as especificidades regionais e locais.

Ademais, a redistribuição e a transferência de recurso, incluindo também as atribuições legais, não alcançaram a transferência de poder ou de competência. O que a União realiza é a transferência de atribuições técnicas e administrativas para os municípios, acompanhada de recursos financeiros, por meio da descentralização de atribuição, pois, a transferência de poder ou de competência é realizada por meio da desconcentração de políticas públicas.

No que toca a municipalização da gestão ambiental, o Brasil iniciou a partir da Lei Federal n.º 6.938/1981, com a edição da Política Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA e CONAMA). À época, justificava-se a municipalização do meio ambiente em razão de que é no município que a vida acontece, sendo também o local em que ocorrem as práticas de preservação ou de destruição dos ecossistemas.

O slogan ambientalista “pensar globalmente, agir localmente”, reflete que o município é a instância mais adequada para resolver os problemas locais, dentre os quais os relacionados com o meio ambiente, pois, todo o impacto ambiental é, antes de tudo, local.

Entrementes, conforme exposto, a municipalização no Brasil reflete, na prática, a descentralização de atribuições e a desconcentração de políticas públicas -, ou seja, o município recebe atribuições e recursos financeiros conforme estipulação da União e fica encarregado de gerir política pública sem adequada competência legislativa.

Neste diapasão, no que toca a política ambiental municipal, a União descentralizou e desconcentrou para os municípios a gestão do meio ambiente, porém, as ações federais não vieram acompanhadas de condições legislativas, administrativas, técnicas e orçamentárias capazes de fazer frente ao cumprimento dos deveres legais impostos pela política nacional de meio ambiente.

(Parte I) Continua na próxima Coluna.


 

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