Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi
Desde que a Organização Mundial da Saúde declarou pandemia do novo Coronavírus[1], a transmissão comunitária foi confirmada para todo o território nacional, impactando diversas vertentes da sociedade, inclusive na área jurídica, trazendo debates emergenciais.
A questão dos alimentos em momento de recessão global se revela extremamente delicada, vivemos um momento de inflação com recessão e desemprego (estagflação), conforme afirma José Fernando Simão[2], porém isso não autoriza que os devedores de alimentos simplesmente parem de pagar a pensão.
Nesse momento de pandemia que o Brasil e o mundo estão enfrentando, surgem dúvidas em relação à prisão do devedor de alimentos em regime fechado, qual seria a melhor alternativa e qual decisão tomar a respeito dos que já se encontram presos por esse motivo.
A Ministra Fátima Nancy Andrighi[3] do STJ em decisão veiculada no próprio site da Corte, em 19 de março de 2020, determinou que um devedor de alimentos deixasse a prisão civil em regime fechado e passasse ao regime de prisão domiciliar, como medida de contenção da pandemia causada pelo Coronavírus. Seguiu-se, portanto, a recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, que autorizou a substituição da prisão em regime fechado do devedor de alimentos pelo regime domiciliar, para evitar a propagação da doença.
Com razão, diante de graves problemas que atingem o sistema prisional no Brasil, como a superlotação e a falta de higiene básica por exemplo, a determinação da prisão do devedor de alimentos poderia somente aumentar ainda mais a crise institucional dos presídios, tendo em vista que as principais recomendações da Organização Mundial da Saúde[4] são: evitar aglomeração de pessoas e lavar as mãos sempre que possível ou utilizar álcool em gel.
O art. 528, §4º do Código de Processo Civil estabelece a prisão civil em regime fechado, não traz qualquer exceção ou alternativa a tal medida. Porém, em casos extraordinários, como o de idosos, a jurisprudência já vinha no sentido de poder haver a concessão judicial para que a pena fosse cumprida em prisão domiciliar, como já decidido pelo STJ no HC n. 35.171[5], em 2004, a favor de um idoso de setenta e três anos, portador de inúmeros problemas de saúde.
Ademais, alternativas para a prisão - como a retenção de documentos, caso do passaporte e da carteira de motorista - vêm sendo aplicadas por alguns juízes, com fundamento no art. 139, IV, da própria Lei Processual.
Ainda nesse sentido de mitigação, no âmbito doutrinário, o Enunciado n. 599, aprovado na VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, ao tratar dos alimentos devidos pelos avós ou avoengos.
Conforme corretamente preceitua Flavio Tartuce[6], os valores da responsabilização civil e da utilização de penalidades, tão caras para assegurar a força coercitiva do Direito Privado, podem ceder, neste momento, para as ideias de colaboração, de cooperação e de solidariedade.
A questão do devedor não se sentir coagido a pagar os alimentos, considerando-se que, sob o ponto de vista prático, todas as pessoas estão em prisão domiciliar, durante esse período de confinamento em razão do Coronavírus, certamente irá acarretar um aumento significativo do inadimplemento alimentício. Ao mesmo tempo, não parece razoável colocar o devedor em risco de morte.
O sistema, então, como aduz José Fernando Simão[2], tem que escolher um mal entre dois e o mal menor é a prisão domiciliar. Como proposta de mudança da legislação, pode-se imaginar que tal prisão seja mantida ao fim do confinamento para os devedores de alimento. Deve-se frisar que as decisões tomadas em período de pandemia e confinamento são, necessariamente, provisórias.
Ainda, outras soluções parecem viáveis nesse momento que enfrentamos, tais como a suspensão do decreto prisional durante o período de confinamento. Tão logo o funcionamento do Poder Judiciário seja aberto ao atendimento público, de imediato, a prisão poderia voltar a ser realizada.
Outra solução, considerando a aplicação da medida de prisão domiciliar recomendada, seria que a parte exequente desistisse da prisão como meio coercitivo, variando na utilização da técnica de execução. Isso porque, conforme corretamente preceitua Conrado Paulino da Rosa e Cristiano Chaves de Farias[7], como a normatividade de regência não permite duas medidas prisionais pelo mesmo período de dívida, não tendo sido usada a coerção pessoal neste momento (se vier a ser convertida em prisão domiciliar), o credor pode utilizá-la após o confinamento, desta vez, sem conversão em prisão domiciliar. Assim, não se perderia a possibilidade de uso efetivo e concreto da medida.
Qualquer que seja a alternativa escolhida, espera-se que o credor do débito alimentar sobreviva à pandemia, uma vez que, além de lutar contra o Coronavírus, precisa, também, sobreviver à fome.
Notas e Referências
[1]EBC. Organização Mundial de Saúde declara pandemia do novo Coronavírus. Disponível em: <https://www.unasus.gov.br/noticia/organizacao-mundial-de-saude-declara-pandemia-de-coronavirus>. Acesso em 25 de abril de 2020.
[2]SIMÃO, José Fernando. Direito de família em tempos de pandemia: hora de escolhas trágicas. Uma reflexão de 7 de abril de 2020. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/artigos/1405/Direito+de+fam%C3%ADlia+em+tempos+de+pandemia%3A+hora+de+escolhas+tr%C3%A1gicas.+Uma+reflex%C3%A3o+de+7+de+abril+de+2020>. Acesso em 10 de abril de 2020.
[3]STJ. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Por-causa-do-coronavirus--ministra-manda-devedor-de-alimentos-cumprir-prisao-domiciliar.aspx>. Acesso em 25 de abril de 2020.
[4]MONTEIRO, Natália. AQUINO, Vanessa. PACHECO, Sílvia. Scheneiders, Luísa. Agência Saúde Atendimento à Imprensa. Disponível em: <https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46540-saude-anuncia-rientacoes-para-evitar-a-disseminacao-do-coronavirus>. Acesso em 27 de abril de 2020.
[5]PINTO, Marcos José. Prisão Civil do devedor de alimentos. ESMPU, pág. 73. 2017.
[6]TARTUCE, Flavio. O coronavírus e os grandes desafios para o Direito de Família - A prisão civil do devedor de alimentos. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/coluna/familia-e-sucessoes/322568/o-coronavirus-e-os-grandes-desafios-para-o-direito-de-familia-a-prisao-civil-do-devedor-de-alimentos>. Acesso em 04 de abril de 2020.
[7]ROSA, Conrado Paulino da. FARIAS, Cristiano Chaves de. A prisão do devedor de alimentos e o coronavírus: o calvário continua para o credor. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/artigos/1400/A+pris%C3%A3o+do+devedor+de+alimentos+e+o+coronav%C3%ADrus%3A+o+calv%C3%A1rio+continua+para+o+credor++>. Acesso em 30 de abril de 2020.
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