A EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS E A ANÁLISE ECONÔMICA DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DECISÓRIOS

25/04/2019

Coluna Direito Empresarial e Análise Econômica / Coordenador João Carlos Adalberto Zolandeck

 

O tema expresso no título deste artigo tem gerado expectativas e preocupações no meio empresarial, principalmente porque o assunto diz respeito à correção de uma ilegalidade, de um ato de oneração ilegal, equivocado e na contramão das políticas que objetivam a redução da carga tributária, tanto esperada pelos brasileiros.

Diante do cenário de uma decisão favorável ao contribuinte é certo que haverá desoneração tributária por foça da decisão judicial que será comentada à frente, pois o ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS. A repercussão, ao contrário dos argumentos utilizados pela Fazenda Pública, será positiva do ponto de vista da Análise Econômica do Direito, por três motivos, a saber: 1) A inconstitucionalidade será tratada do modo adequado, expurgando-se a norma contrária ao preceito constitucional invocado; 2) O dinheiro ilegalmente obtido do empresário/empresa em razão das atividades empresariais será devolvido à economia; 3) Haverá respeito ao argumento consequencialista do contribuinte e desapego do argumento “dito-tido” por consequencialista pela Fazenda Pública, pois construído sob uma base movediça.     

A Fazenda Pública, desde a origem dessas discussões, conhecia o rumo que o resultado das demandas tomaria, mas resolveu manter a mesma política, por anos e anos, em verdadeiro comportamento inaceitável do ponto de vista da robustez das teses e das decisões balizadoras e contrárias à prática. Resolveu agir em procrastinação ao inevitável e em continuidade lesiva.

Isto porque lançou como óbvia a hipótese de que o seu argumento — supostamente  consequencialista — iria se firmar na Corte Suprema, dando crédito a posicionamentos pretéritos, no sentido de que o STF seria incapaz de dar uma decisão contrária aos interesses econômicos da União, diante do considerável impacto econômico, que, em “tese”, seria vivenciado em se mantendo uma postura pró-contribuinte. Na esteira envolvente do frágil argumento, diz-se que o “prejuízo” estaria na casa dos bilhões apropriados, todavia os insumos lançados na projeção são questionáveis, ressalvando-se que a grande massa, a maioria dos contribuintes prejudicados, está e estará desatenta quanto aos direitos repercutidos pela decisão do STF e, mês a mês, perseguidos pela prescrição temporal.

Este é o momento de correr o risco em prol de um argumento ainda maior, ligado à realocação dos recursos expropriados indevidamente, pois uma grande Nação estabiliza-se pela segurança jurídica que confere às relações entre os particulares e os seus, e entre estes todos e o Estado.

Se, por um lado, a Fazenda Pública defende o impacto nos Cofres Públicos, por que não pensar diferente? Mas, por outro lado, em que sentido? Apresenta-se como óbvia a hipótese de que a devolução do dinheiro obtido do contribuinte, despropositada e ilegalmente, retornará à União na forma de uma riqueza ainda maior, capaz de ser medida matematicamente a partir do comportamento do empresário, dos investimentos que fará na sua atividade, dos empregos que retornarão ou serão gerados a partir da desoneração forçada e da repetição do indébito. Se há uma dificuldade para se acreditar no cálculo de retorno da União e nos insumos utilizados para justificar uma modulação absolutamente contrária aos interesses dos contribuintes, não é razoável desacreditar na hipótese de crescimento econômico, decorrente da modulação favorável ao contribuinte, inclusive com repercussão no PIB, pela lei do retorno e dos incentivos gerados.

Como dito, mesmo sendo um assunto de grande relevância, muitos empresários desconhecem o tema pautado, enquanto uns poucos, conservadores ou não, estão a aguardar os efeitos da modulação.

Os elevados custos operacionais, não operacionais e econômicos (em todos os sentidos, inclusive comportamentais) para se manter a atividade empresária, são conhecidos, e a carga tributária elevada está entre os principais entraves.

A discussão sobre este tema tem demandado os Tribunais há mais de 20 (vinte) anos, sendo que, em meados do ano de 2006, uma grande indústria paranaense, do ramo de óleo vegetal, ingressou com demanda judicial, que, mais tarde, representaria a controvérsia para balizar os demais feitos pulverizados por todo o Brasil, em cujo objeto se discute a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, bem como a restituição dos valores pagos indevidamente.

A causa foi apreciada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) em 15 de março de 2017, ao julgar o RE nº. 574.706/PR, com repercussão geral reconhecida, tendo-se firmado o entendimento e a orientação de que o ICMS não integra a base de cálculo da contribuição do PIS e da COFINS.

A referida decisão foi assim ementada:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS. 2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação. 3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS. 3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações.  Não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações. 4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.[i]

Deste modo, observando-se o conteúdo do v. acórdão do RE, conclui-se que “o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS” — Tema nº. 69 do STF.

O debate foi exaustivo sobre o princípio da não cumulatividade, conforme prevê o artigo 155, § 2º, inciso I, da Constituição da República. Sob esta ótica “não cumulativo é o tributo que, em cada fase, incide apenas sobre o valor que nela se agregou, ou grava todo o valor acumulado do bem, descontando-se, porém, o valor que já gravou as fases anteriores (por exemplo, o IPI e o ICMS)”.[ii]

É fato, então, e deste modo, que a incidência do PIS e da COFINS sobre a parcela pertencente ao ICMS desvirtua a regra-matriz de incidência prevista constitucionalmente, pois se exige pagamento de tributo tendo como hipótese de incidência um outro tributo, ou seja, a empresa calcula o PIS e a COFINS sob os valores do ICMS incluso no faturamento total,  o que, além de ilegal, desvirtua o próprio conceito de faturamento, em que pesem articulações diversas, inclusive do CARF, que ousa defender a tese originária já vencida.  

            O objetivo deste texto não é o de aprofundar nenhuma análise sobre o mérito, já debatido exaustivamente em todas as Cortes do País, mas pôr em xeque a análise periférica e superficial sob o manto da equivocada interpretação sobre o consequencialismo. Pretende-se, assim, estimular o debate, pois, sem razão o Ministro Gilmar Mendes, em cujo voto dá sustentação à pretensão pretérita da Fazenda Pública, em lamentável arguição calcada em uma base econômica não razoável.

            Já se parou para pensar no custo exigido do Poder Judiciário em razão do número de demandas ajuizadas para o fim destacado neste texto? E o custo não se mede apenas pelas despesas decorrentes do uso da infraestrutura humana e pessoal, trata-se, nas palavras de Erick Navarro Wolkart, da “tragédia da justiça”, como adaptação da “tragédia dos comuns”, locução econômica clássica pioneiramente utilizada por Garret Hardin. Aliás, dever-se-ia implantar um sistema de custo mais elevado e risco maior para demandantes recorrentes, de uso contínuo do “bem comum” que é o Poder Judiciário, mesmo que, de um lado, esteja a Fazenda Pública, pois somente assim será possível vencer a tragédia da justiça, no contexto do que diz o referido autor.[iii]

            É fato que a modulação da decisão possui previsão legal, na esteira do que dispõe o art. 27 da Lei nº 9.868/99, o art. 11 da Lei nº 9.882/99 e o próprio CPC, artigo 927, § 3°[iv], todavia, socorrer-se da modulação temporal no presente caso não dá atendimento a nenhum interesse social e ao contrário do comando legal, trará insegurança jurídica. Nada impede, porém, o uso da inteligência atribuída à sentença aditiva, no sentido de que o retorno dos valores apropriados dê-se, ao longo do tempo, se for o caso, estabelecendo-se etapas razoáveis, minimamente na mesma proporção do desembolso, seja por compensação ou reembolso. Não se trata de nenhum desfalque ao Estado, mas da cobertura legal e legítima de um desfalque feito ao contribuinte.

            Como o “incentivo” é um dos principais ingredientes do processo decisório, a partir do qual se dá norte ao comportamento, torna-se óbvia a constatação de que a edição reiterada de normas e resoluções interpretativas inconstitucionais decorre da ausência de decisões judiciais repercutidoras na conduta, em termos de governança pública e de eficiência.

            Espera-se, no presente caso, uma decisão reflexiva, levando-se, sim, em consideração a hermenêutica sustentada pela Análise Econômica do Direito—AED, nos termos da exigência da nova redação dada pela Lei n. 13.655/2018 ao artigo 20 e seguintes da Lei de Introdução às Normas Brasileiras.

            O ângulo de visão deve ser maior, mais impactante e consequencialista, voltado aos interesses da empresa e da economia, sugerindo-se, diante dos contornos das discussões, a elaboração de duas contas: de um lado, a conta da Fazenda Pública e, de outro, a de retorno do dinheiro aos contribuintes, evidentemente, utilizando-se de insumos coerentes e de um cenário de realidade. É necessário correr certo e ponderado risco para frear uma prática reiterada e nociva, apostando-se na credibilidade de uma conduta revisora de práticas ilegais, sob o viés de que o dinheiro reinvestido no mercado, direta ou indiretamente, encontrará espaço, novamente, e em maior volume, nos cofres públicos, e, como decorrência lógica, legitimamente aplicado no que é mais caro para a sociedade, segundo as políticas públicas priorizadoras da redução dos custos sociais.  

 

Notas e Referências

[i] RE 574706/PR. Relatora: Min. Cármen Lúcia, Pleno, julgado em 15/03/2017.

[ii] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.113.

[iii] WOLKART, Erik Navarro. Análise econômica do processo civil: como a economia, o direito e a psicologia podem vencer a tragédia da justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, p. 30 e seguintes.

[iv] CPC, art. 927, § 3o: “Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”.

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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