A EVENTUAL ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

03/02/2021

A prova ilícita é inadmissível no Direito processual brasileiro, pois fere a norma Constitucional do art. 5º, inciso LVI que consagra a proibição como um princípio constitucional. A prova ilícita, portanto, acarreta nulidade absoluta quando constatada no processo.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal é pela inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, que se baseia na teoria norte-americana adotada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, fruits of the poisonous tree – Teoria dos Frutos da Árvore envenenada. A doutrina da invalidade probatória do fruit of the poisonous tree é a única capaz de dar eficácia a garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita.

A doutrina dos frutos da arvore envenenada recai sobre provas lícitas, contudo, oriundas de métodos ou condutas que, em desacordo com o sistema jurídico, as tornam ineficazes, razão pelo qual são inadmissíveis no processo. Ademais, as provas, quando prospectadas pelas partes, a rigor, devem estar em consonância com as normas de proteção aos direitos individuais. No entanto, a aplicação literal do aludido preceito da inadmissibilidade pode culminar em decisões injustas. Diante desse cenário, o juiz que detém amplos poderes instrutórios, deverá investigar os fatos tendo como norte às garantias constitucionais e às regras processuais.

A limitação do direito à prova, em hipótese alguma, pode causar obstáculo ao direito de ação. Diante de um caso concreto, em que se está uma prova obtida com vícios, em que pese ser a única prova trazida ao da ilicitude versus o alto potencial ofensivo, a depender da razoabilidade, cabe ao julgador admitir uma prova ilícita ou a sua derivação, quando se pretende evitar um mal maior.

Destarte, o presente artigo analisa dois julgamentos ocorridos em sede de Habeas Corpus; o primeiro, ocorrido antes da Lei das Interceptações telefônicas; o segundo, no curso das contraposições da aplicação da presente teoria. A análise recai sobre julgamentos que ocorreram antes e depois do advento da lei n. 9.296 de 1996. Portanto, neste estudo procuramos traçar um cenário das provas ilícitas no sistema jurídico brasileiro, com a sua eventual admissibilidade no processo com base no princípio da proporcionalidade, diante da norma Constitucional do art. 5º, inciso LVI.

 

1. DAS PROVAS

Prova é o instrumento que partes, dentro de um processo, utilizam para demonstrar e comprovar a veracidade da sua afirmação. O princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos está estabelecido na Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LVI, e encere-se na seara do direto processual brasileiro, em que indica serem inaptas as provas imbuídas por vícios, não se enquadrando como um princípio constitucional, mas uma regra (ÁVILA, 2009, p. 5-6).

Com base nas provas produzidas, que atestam os fatos, é que o julgador fundamenta a sua decisão. Isto posto, as provas obtidas por meios ilícitos, quando apresentadas ao julgador, implicam na violação ao princípio constitucional, o que as torna nulas.

Das provas obtidas por meios ilícitos, há a possibilidade da flexibilização do princípio da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente. A discussão nesta seara diz respeito ao momento em que se está diante de um caso concreto, como enumera Fredie Didier Jr. (2020, p. 122-123):

Há, em relação a esses casos, posições doutrinárias as mais variadas: há quem não admita, em hipótese alguma, a prova ilícita; há quem a admita sempre; há quem a admita apenas no processo penal, e desde que em favor do acusado; e há, por fim, quem defenda a aplicação da máxima da proporcionalidade para a solução do conflito.

Vale ressaltar que dentro do Direito Processual Penal, que maneja a liberdade dos indivíduos, ou seja, um direito indisponível, prevalece o in dubio pro reo. Por outro lado, no Direito Processual Civil a flexibilização do princípio já é a normalidade, mesmo que pela sua natureza jurídica a sua mitigação seja menos frequente.

Segundo Didier, a prova ilícita dentro do processo deve ser aceita em caráter de extrema urgência. A esse respeito o autor comenta:

A admissibilidade da prova ilícita no processo deve ser vista, porém, como algo excepcional. Para que seja admitida, é necessário que sejam atendidos alguns critérios: (i) imprescindibilidade: somente pode ser aceita quando se verificar, no caso concreto, que não havia outro modo de demonstrar a alegação de fato objeto da prova ilícita, ou ainda quando o outro modo existente se mostrar extremamente gravoso/custoso para a parte a ponto de inviabilizar, na prática, o seu direito à prova; (ii) proporcionalidade: o bem da vida objeto de tutela pela prova ilícita deve mostrar-se, no caso concreto, mais digno de proteção que o bem da vida violado pela ilicitude da prova; (iii) punibilidade: se a conduta da parte que se vale da prova ilícita é antijurídica/ilícita, o juiz deve tomar as providências necessárias para que seja ela punida nos termos da lei de regência (penal, administrativa, civil etc.); (iv) utilização pro reo: no processo penal, e apenas nele, tem-se entendido que a prova ilícita somente pode ser aceita se for para beneficiar o réu/acusado, jamais para prejudicá-lo (DIDIER, 2020, p. 123) .

Portanto, a solução do conflito, direito à prova e vedação da prova ilícita, deve ser dada mediante um caso específico, ponderando-se concretamente os interesses das partes, ou seja, à luz da proporcionalidade. Assim sendo, parte-se da premissa de que nenhum Direito Constitucional pode ser considerado um direito absoluto, diante da existência do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.

 

1.1. Provas Ilícita, Ilegítima e Ilegal

A prova ilícita viola regra do direito material; a prova ilegítima, quando obtida, viola regra do direito processual. Assim sendo, uma prova só pode ser admitida no processo, pressupondo que esteja em conformidade tanto com o direito processual quanto com o direito material.

Segundo Cândido Rangel Dinamarco (2001, p. 49):

Provas ilícitas são as demonstrações de fatos obtidas por modos contrários ao direito, quer no tocante às fontes de prova, quer quanto aos meios probatórios. A prova será ilícita – ou seja, antijurídico e portanto ineficaz a demonstração feito – quando o acesso à fonte probatória tiver sido obtido de modo ilegal ou quando a utilização da fonte se fizer por modos ilegais. Ilicitude da prova, portanto, é ilicitude na obtenção das fontes ou ilicitude na aplicação dos meios. No sistema do direito probatório o veto às provas ilícitas constitui limitação ao direito à prova. No plano constitucional, ele é instrumento democrático de resguardo à liberdade e à intimidade das pessoas contra atos arbitrários ou maliciosos.

As provas classificadas como iligais ou irregulares são aquelas que contrariam a lei, diferente das ilícitas, que são aquelas adquiridas contra preceito fundamental.

Para Nelson Nery Jr. (2003, p. 720), a configuração de prova como ilegal se dá quando “houver violação do ordenamento jurídico como um todo (leis e princípios gerais), quer seja de natureza material ou meramente processual. Ao contrário, será ilícita a prova quando sua proibição for de natureza material, vale dizer, quando for obtida ilicitamente”.

É comum na doutrina adotar contraposição entre provas, sejam elas ilícitas, ilegítimas ou ilegais. Tais classificações, no entanto, tornam-se irrelevantes diante da sua natureza jurídica, uma vez que não podem ser admissíveis no processo.

 

1.2.Da Ilicitude por Derivação

A prova ilícita torna-se uma derivação quando uma prova lícita é obtida por meio de informações extraídas por meios ilícitos. Tal característica é o que torna a ilicitude por derivação tão marcante, pois é o que distingue as provas ilícitas daquelas assim entendidas como derivadas.

A exemplo do exposto, tem-se a escuta telefônica obtida em uma investigação sem a autorização judicial, o que enseja a declaração de nulidade da prova obtida, uma vez que constitui vício insanável. Apenas o juiz poderá autorizar a interceptação telefônica, o que pode se dar por ofício ou a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público em uma investigação criminal e na instrução processual penal – Lei nº 9.296 de 1996.

O Supremo Tribunal Federal amiúde entende pela exclusão das provas ilícitas por derivação, sob o argumento de que estas seriam um estímulo à produção das provas ilícitas originárias.

A simples progressividade da relação processual, isto é, de atos e fatos jurídicos, em que se incluem também os atos materiais, não cria a ilicitude derivada. Segundo Nicolò Trocker (1974, p. 631), faz-se necessário indagar de antemão acerca da ratio das normas violadas, ante a Constituição. Com efeito, questiona-se a limitação da vedação probatória ante aos efeitos às provas obtidas. Isto é, um meio de se vedar as provas derivadas das ilícitas, é antes, vedar as provas ilícitas.

De acordo com o artigo 5º, inciso LVI, “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Ademais,

Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação [...]. A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos ‘frutos da árvore envenenada’) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal (STF RHC90.376/RJ, 2007).

 Há exceções à proibição de prova ilícita por derivação. Segundo Luiz Guilherme Marinori e Sérgio Cruz Arenhart, as duas mais conhecidas são a derivação mediata, ou seja, inexistência de nexo de causalidade:

[...] a contaminação somente se refere às provas que efetivamente derivarem da prova ilícita. Aquelas outras provas que são independentes da prova ilícita não se tornam ilícitas pela sua simples presença no processo em que está a prova ilícita (MARINONI; ARENHART, 2001, p. 307).

A segunda é a descoberta inevitável: “como também reconhece a jurisprudência norte-americana, a prova, ainda que derivada de outra ilícita, não se torna imprestável se for ela, inexoravelmente, atingida por meio lícitos“ (MARINONI; ARENHART, 2001, p. 308).

No que tange às exceções acima mencionadas, o enunciado n. 301 do Fórum Permanente de Processualistas Civis inscreve que “aplicam-se ao processo civil, por analogia, as exceções previstas nos §§ 1º e 2º do art. 157 do Código de Processo Penal, afastando a ilicitude da prova”.

§1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

§2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

O entendimento do STF pela inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação se baseia na teoria norte-americana adotada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, fruits of the poisonous tree – Teoria dos Frutos da Árvore envenenada, a qual será examinada no tópico a seguir.

 

2.TEORIA DO FRUTO DA ÁRVORE ENVENENADA

A Teoria do Fruto da Árvore Envenenada recai sobre provas lícitas, contudo, oriundas de métodos ou condutas que, em desacordo com o sistema jurídico, as tornam ineficazes, razão pelo qual são inadmissíveis no processo.

Como exposto no capítulo anterior deste artigo, tais provas são ilícitas por derivação. Segundo José Carlos Barbosa Moreira:

Acolheu-se assim uma doutrina de procedência norte-americana, segundo a qual o vício de origem se transmite a todos os elementos probatórios obtidos graças à prova ilícita: na conhecida expressão, não se podem aproveitar os “frutos da árvore venenosa” (fruis of the poisonous tree) (MOREIRA, 1996, p. 149-150).

A prova ilícita por derivação, portanto, decorre da própria inadmissibilidade das provas ilícitas, gerando um efeito dominó, uma vez que a prova ilícita contamina as outras dela decorrentes.

A Teoria do Fruto da Árvore Envenenada surgiu no caso Silvertgorn Lumber Co. v. United States em razão dos questionamentos de práticas ilícitas durante a investigação policial. Com origem na Suprema Corte norte-americana, essa teoria, portanto, é uma metáfora segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos. Dessa maneira, a partir do caso Silverthorne Lumber v. United States de 1920, as provas derivadas a partir de um ilícito passaram a ser inadmissíveis pelas cortes. Similarmente ao que ensejou a concepção da exclusionary nule, o objetivo era o desencorajamento de a polícia proceder com as buscas e apreensões de forma ilegal (AVOLIO, 1999, p. 68).

Em 1939 a expressão “frutos da árvore venenosa (fruits of the poisonous tree)” foi utilizada pela primeira vez pelo magistrado Frankfurter, em sua decisão no caso Nardone v. United States, quando constatou haver provas decorrentes de diálogos via telefone, sem prévia autorização judicial.

A referida doutrina nos Estados Unidos passou a ser utilizada como forma de se demarcar até quais provas estariam contaminadas de nulidade, partindo-se do nexo causal direto entre a obtenção da prova ilícita e outras delas decorrentes.

Segundo Danilo Knijnik (1996, p. 72-74), o direito norte-americano não é o único em que surgem as provas ilícitas por derivação. Elas também provêm do direito alemão. Enquanto nos Estados Unidos a prova ilícita planejada pela autoridade policial, como recurso de repressão à criminalidade, é sempre inadmissível pelo magistrado, na corte alemã elas serão sempre admitidas em razão do princípio da proporcionalidade. Tal princípio será examinado no próximo capítulo.  

Ambas as cortes, americana e alemã, convergem ao repúdio de provas obtidas contra as garantias fundamentais de suas respetivas constituições. No entanto, elas divergem quanto à dimensão protetiva. A alemã atua na ponderação de interesses com o intuito de valorar o interesse de maior relevância do direito fundamental constitucional (Beweisverbote). Já a americana busca coibir atividades ilícitas na investigação policial (exclusionary roles).

No Brasil a teoria dos frutos da árvore venenosa foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 69.912/RS, em que houve expressa menção à teoria da Suprema Corte norte-americana (REDIR.STF.JUS.BR, 1993):

A ilicitude da interceptação telefônica – à falha de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (fruit of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 72.588/PB, reafirma o seu entendimento na adoção da teoria, no que tange à inadmissibilidade das provas derivadas das ilícitas. Ademais, a constituição brasileira no inciso LVI do art. 5º adota a teoria dos frutos da árvore envenenada, na medida em que cobre de ilicitude não apenas a prova obtida como também os meios ilícitos. Segue ementa do julgado (STF.JUSBRASIL, 1996):

3. As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigar criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF, art. 5º, LVI), ainda que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o juiz foi vitima das contumélias do paciente. 4. Inexistência, nos autos do processo-crime, de prova autônoma e não decorrente de prova ilícita, que permita o prosseguimento do processo. 5. Habeas-corpus conhecido e provido para trancar a ação penal instaurada contra o paciente, por maioria de 6 votos contra 5.

Ambos os julgados entenderam que as provas eram derivadas das ilícitas, não havendo provas autônomas. Neste diapasão, criou-se uma lacuna em que se pode considerar as limitações da teoria dos frutos da árvore envenenada. A esse respeito Susana Henriques da Costa (2006, p. 92-93) elenca as exceções concernentes a teoria dos frutos da árvore envenenada, segue: fonte independente – caso houver a possibilidade da coleta por outra fonte independente, a prova não está contaminada; descoberta inevitável – caso a parte beneficiada pela prova demonstrar que a sua descoberta seria inevitável por outro meio lícita, dessa maneira, a prova derivada será admitida; descontaminação – quando for passível de descontaminação ante acontecimento posterior, a prova ilícita poderá ser utilizada em juízo; boa-fé – em face a conduta policial praticada sob o entendimento de que teria sido tal conduta licita, a prova derivada será aceita. Em se tratado da fonte independente e da descontaminação, enquanto exceções, o Código de Processo Penal, em sua nova redação do art. 157 alterada pela Lei 11.690 de 2008, positivou o conceito da prova ilícita, bem como a sua consequência.

Como no Brasil não está inscrita expressamente na constituição a doutrina norte-americana, a questão da sua admissibilidade ou não das provas derivadas das ilícitas ficam passiveis de interpretação. Assim menciona Fernando Capez (1997, p. 32):

Entendemos não ser razoável a postura inflexível de se desprezar, sempre, toda e qualquer prova ilícita. Em alguns casos, o interesse que se quer defender é muito mais relevante do que a intimidade que se seja preservar. Assim, surgindo conflito entre princípios fundamentais da Constituição, torna-se necessária a comparação entre eles para verificar qual deva prevalecer. Dependendo da razoabilidade do caso concreto, ditada pelo sendo comum do juiz poderá admitir uma prova ilícita ou sua derivação, para evitar um mal maior, como por exemplo, a condenação injusta ou a impunidade de perigosos marginais. Os interesses que se colocam em posição antagônica, precisam ser cotejados, para escolha da qual deva ser sacrificado.

Destarte, não existindo expressa vedação na Carta Magna sobre a admissibilidade das provas ilícitas por derivação, o juiz terá como norte a ponderação dos direitos e garantias fundamentais em conflito na presente lide.

 

3.PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Os meios utilizados para a obtenção da prova terminam por limitar o direito. No entanto, é possível aceitar a prova ilícita quando não se tem outra forma de se obtê-las, mediante a observação do princípio da proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade, grosso modo, é o critério da justa proporção e justa medida. A ideia de proporcionalidade, da tutela de valores, das recompensas do indivíduo na sociedade, da divisão de encargos, entre outros pontos mantenedores do equilíbrio entre o Estado e o indivíduo, surge na antiguidade clássica, período em que gregos já concebiam o direito como regra útil.

O termo proporcional foi empregado em 1802 por Von Berg. O Tribunal Constitucional Alemão apreendeu o princípio da proporcionalidade, desde então, como estrutura constitucional. O direito alemão influenciou países europeus a adotarem o princípio constitucional implícito da proporcionalidade, entre os quais: Itália, Espanha, Portugal, Suíça e Áustria (SARMENTO, 2009, p. 80-81).

O princípio da proporcionalidade foi empregado pela primeira vez no Brasil, de maneira explícita, quando o Supremo Tribunal Federal, por meio da ADIN nº 855-2, acolheu, por força de liminar, a inconstitucionalidade de lei do Estado do Paraná, que tratava sobre a obrigação de passagem de botijões de gás (SARMENTO, 2009, p. 93):

Gás liquefeito de petróleo: lei estadual que determina a pesagem de botijões entregues ou recebidos para substituição à vista do consumidor, com pagamento imediato da eventual diferença a menor: arguição de inconstitucionalidade fundada nos arts. 22 IV e VI (energia e metrologia), 24 e parágrafos, 25, § 2º, e 238, além de violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos: plausibilidade jurídica da argumentação que aconselha a suspensão cautelar da lei impugnada, a fim de evitar danos irreparáveis à economia do setor, no caso de vir a declarar-se a inconstitucionalidade. Liminar deferida.

Ainda que o princípio da proporcionalidade não esteja explícito na Constituição brasileira de 1988, ele vigora implicitamente no art. 5º, inciso LIV, e art. 1º caput da Carta Maior, que asseguram o princípio da dignidade da pessoa humana, o Estado Democrático de Direito e o devido processo legal.

A aplicação do princípio da proporcionalidade deve ser utilizada pelo julgador quando na aplicação da norma jurídica, pesando valores que se encontram em conflito dentro de um caso concreto, visando o resguardo dos direitos fundamentais.

Pensando nisso, AVOLIO (2010) descreve que as normas constitucionais devem conviver em harmonia, visto que se inserem num sistema jurídico, em que no surgimento de conflito entre elas, na solução deve-se utilizar o princípio da proporcionalidade.

A esse respeito, segue o comentário de Barbosa Moreira (1996, p. 149):

[...] Só a atenta ponderação comparativa dos interesses em jogo no caso concreto afigura-se capaz de permitir que se chegue à solução conforme a Justiça. É exatamente a isso que visa o recurso ao princípio da proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade refere-se ao direito probatório como conciliação de interesses fundamentais em conflito, com o fim de assegurar a prova, visto que na tutela dos direitos violados pela produção da prova ilícita também devem ser preservados aqueles direitos que não têm outra forma de serem provados, senão pela prova produzida ilicitamente. Contudo, tal princípio não é o bastante para assegurar a coexistência equilibrada de todas as garantias fundamentais, deve-se assegurar a sua prática mediante o contraditório e a ampla defesa.

Portanto, ao observar o princípio da proporcionalidade, o juiz toma para si a prerrogativa de aceitar ou negar a admissibilidade da prova apresentada. Destarte, do julgador não é afastada a opção de admitir e valorar a prova ilícita diante de conflito dos direitos fundamentais. Em verdade, o princípio da proporcionalidade tem por finalidade balancear os direitos em conflito, ainda que não haja regulamentação legal prévia e expressa.

 

4.DAS ANÁLISES

A exemplo das provas que não têm admissibilidade em um processo, as escutas telefônicas fornecem amplo exame a esse tópico. Temos a esse respeito, o Julgamento no Supremo Tribunal Federal, que causou grande repercussão no meio jurídico, HC 69.912-0/RS – Rio Grande do Sul – que se iniciou em 30 de junho de 1993, ou seja, antes da Lei da Interceptação Telefônica, Lei N. 9.296 de 1996.

Na primeira decisão, houve o pedido para que o processo fosse anulado desde a prisão em flagrante. Contudo, o julgamento teve que ser adiado em razão de impedimento.

Segue Primeira Ementa de 30 de junho de 1993 (REDIR.STF.JUS, 1993):

CONSTITUCIONAL. PENAL. PROVA ILICITA: "DEGRAVAÇÃO" DE ESCUTAS TELEFONICAS. C.F., ART. 5., XII. LEI N. 4.117, DE 1962, ART. 57, II, "E", "HABEAS CORPUS": EXAME DA PROVA. I. - O SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFONICAS PODERA SER QUEBRADO, POR ORDEM JUDICIAL, NAS HIPÓTESES E NA FORMA QUE A LEI ESTABELECER PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL OU INSTRUÇÃO PROCESSUAL PENAL (C.F., ART. 5., XII). INEXISTÊNCIA DA LEI QUE TORNARA VIAVEL A QUEBRA DO SIGILO, DADO QUE O INCISO XII DO ART. 5. NÃO RECEPCIONOU O ART. 57, II, "E", DA LEI 4.117, DE 1962, A DIZER QUE NÃO CONSTITUI VIOLAÇÃO DE TELECOMUNICAÇÃO O CONHECIMENTO DADO AO JUIZ COMPETENTE, MEDIANTE REQUISIÇÃO OU INTIMAÇÃO DESTE. E QUE A CONSTITUIÇÃO, NO INCISO XII DO ART. 5., SUBORDINA A RESSALVA A UMA ORDEM JUDICIAL, NAS HIPÓTESES E NA FORMA ESTABELECIDA EM LEI. II. - NO CASO, A hermenêutica OU O ACÓRDÃO IMPUGNADO NÃO SE BASEIA APENAS NA "DEGRAVAÇÃO" DAS ESCUTAS TELEFONICAS, NÃO SENDO POSSIVEL, EM SEDE DE "HABEAS CORPUS", DESCER AO EXAME DA PROVA. III. - H.C. INDEFERIDO.

(HC 69912, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 30/06/1993, DJ 26-11-1993 PP-25532 EMENT VOL-01727-02 PP-00321)

Portanto, em 16 de dezembro de 1993 houve a decisão do presente Habeas Corpus. O tribunal, por maioria dos votos deferiu o pedido para anular o processo a partir da prisão em flagrante.

Na segunda decisão, o Supremo Tribunal Federal aduz o entendimento de que se deve ocorrer uma compatibilização entre a ampla liberdade que o juiz possui para apreciar a prova e a limitação ensejada pela doutrina dos frutos da árvore envenenada.

No ano de 1993, portanto, antes da Lei que hoje regulamente a interceptação telefônica, e que regulamentou o art. 5º, inciso XII da Carta Maior, eram denominadas provas ilícitas as conversas obtidas por meio da quebra de sigilo telefônico dos pacientes, mesmo diante de uma autorização judicial.

Segue Segunda Ementa de 16 de dezembro de 1993 (REDIR.STF.JUS, 1993):

Prova ilícita: escuta telefônica mediante autorização judicial: afirmação pela maioria da exigência de lei, até agora não editada, para que, ‘nas hipóteses e na forma’ por ela estabele cida, possa o juiz, nos termos do artigo 5º, XII, da Constituição, autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal; não obstante, indeferimento inicial do habeas corpus pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou entenderam ser impossível, na via processual do habeas corpus, verificar a existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no julgamento, de Ministro impedido (MS 21.750, 24.11.93, Velloso); consequente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalência dos cinco votos vencidos no anterior, no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (fruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente. (HC nº 69912-0/RS, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, D. J. 25.03.94, deferido, por maioria).

Tira-se desse julgado que o entendimento do Tribunal em 1993 era o da impossibilidade da interceptação telefônica, mesmo com a autorização judicial.

Seguindo a linha de análise de provas que não têm admissibilidade no processo, abaixo se inscreve o segundo julgamento, desta vez, ocorrido após o advento da Lei das Interceptações Telefônicas - N. 9.296 de 1996.

Habeas Corpus nº 74.116-9 ocorrido em 5 de novembro de 1996 (REDIR.STF.JUS, 1996):

HABEAS-CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROVA ILÍCITA: ESCUTA TELEFÔNICA.

1. É ilícita a prova produzida mediante escuta telefônica autorizada por magistrado, antes do advento da Lei nº 9.296, de 24.07.96, que regulamentou o art. 5º, XII, da Constituição Federal; são igualmente ilícitas, por contaminação, as dela decorrentes: aplicação da doutrina norte-americana dos “frutos da árvore venenosa”. 2. Inexistência de prova autônoma. 3. Precedente do Plenário: HC nº 72.588-1-PB. 4. Habeas-corpus conhecido e deferido por empate na votação (RI-STF, art. 150, § 3º), para anular o processo “ab initio”, inclusive a denúncia, e determinar a expedição de alvará de soltura em favor do paciente.

Decisão: - por empate na votação o “habeas corpus” foi deferido, vencidos os Senhores Ministros Néri da Silveira (Relator) e Carlos Velloso. Em consequência dessa decisão fica anulado o processo “ab initio”, inclusive a denúncia, devendo-se expedir alvará de soltura em favor do paciente, se por “al” não houver de permanecer preso. Relator para o acórdão o Senhor Ministro Maurício Corrêa. 2ª Turma, 5.11.96.

Portanto, conclui-se que, antes e após o advento da Lei 9.296/96, as decisões devem ser tomadas levando em conta o princípio da proporcionalidade. Ou seja, o julgador que se encontra diante dessa celeuma, deve se valer da aplicação da técnica da ponderação de interesses, mediante a utilização do princípio da proporcionalidade, para que, no caso concreto, o julgador possa decidir qual dos princípios deve prevalecer.

Por derradeira, em se tratando de proporcionalidade, entendemos que a prova ilícita, que é, em regra, proibida no juízo cível, poderá nele ser admitida, com base na aplicação do princípio da proporcionalidade, se o bem jurídico a ser protegido supera a privacidade, justificando o sacrifício desta.

 

 

CONCLUSÃO

A Constituição Federal, art. 5º, inciso LVI, estabelece o princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, as quais são inaptas no âmbito processual, por conterem vícios, infringindo direitos e garantias constitucionais, como o devido processo legal. A prova ilícita, portanto, acarreta nulidade absoluta quando constatada no processo.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal é pela inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, que se baseia na teoria norte-americana adotada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, fruits of the poisonous tree – Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada.

Das provas obtidas por meios ilícitos, há a possibilidade da mitigação do princípio da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente, quando não há outro caminho para se chegar à prova, este fenômeno se dá quando o julgador, diante de um caso concreto utiliza-se da proporcionalidade.

O direito probatório é uma garantia constitucional, contudo, tal pretensão de produção está garantida de forma restrita. No âmbito processual, as restrições devem ser fundamentadas na proteção aos outros princípios constitucionais, com o objetivo de resguardar os direitos fundamentais.

O princípio da proporcionalidade não é o bastante para assegurar a coexistência equilibrada de todas as garantias fundamentais, mas também há as regras de hermenêutica, reajustando a norma, ou seja, a lei ao caso concreto, sem a qual não haverá decisão judicial justa, visto que tal princípio compõe-se pela adequação, necessidade ou exigibilidade e a proporcionalidade.

O objetivo principal do princípio da proporcionalidade é garantir a aplicação equilibrada dos princípios fundamentais em conflito em um caso concreto, a fim de sobrepor o mais relevante, garantindo equilíbrio de valores elencados e assegurados na Carta Maior.


 

Notas e Referências

ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Manual de direito processual civil. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

ÁVILA, Humberto. Neoconstitucionalismo: entre a ciência do direito e o direito da ciência. Revista Eletrônica de Direito do Estado, n. 17, jan./mar. 2009.

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