A Ética de Gaia como fundamento estético da Sustentabilidade - Por Matheus Figueiredo Nunes de Souza e Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino

09/11/2017

O texto de hoje se fundamenta na leitura da obra “Ética de Gaia: ensaios de ética socioambiental”, de Joelson Oliveira e Wilton Borges. Pretende-se, por meio de uma breve análise, identificar e descrever como que a Sustentabilidade se apresenta enquanto vetor de atitude ética – principalmente em tempos de Liquidez (como já denunciava Bauman).

Este livro tem a capacidade de fazer com que o leitor seja confrontado a todo o momento com a necessidade de se pensar os dias atuais a partir de um novo prisma, o socioambiental, alertando para a necessidade do reconhecimento de que o Homem não está sozinho no mundo, e que também não consegue sobreviver sozinho no mundo.

É preciso deixar claro que o Projeto que a Modernidade tentou emplacar não teve sucesso, o que tornou necessário uma nova forma de pensar. Essa nova forma de pensar é exercida por meio da desconstrução – ou como Nietzsche já afirmava, em seu “Crepúsculo dos Ídolos”, a necessidade de se filosofar com o martelo, pois é da desconstrução que pode surgir algo novo.

Diante desse cenário, adentra-se no período que podemos chamar de Pós-Modernidade. Um tempo que necessita de um paradigma próprio, diferente daquilo que já se tentou fazer, a fim de que seja possível a vivência de novas experiências, oriundas do cotidiano, e que façam com que o futuro seja construído a partir das capacidades e limitações humanas. Talvez, a Pós-Modernidade estimule a compreensão de outro Iluminismo, diferente daquele conhecido no século XVIII, qual seja, o Iluminismo Sensível[1]

O paradigma da Pós-Modernidade se baseia no reconhecimento do Outro – e aqui o Outro não é, necessariamente, apenas outra pessoa, mas também o reconhecimento de todas as formas de vida que estão ao redor dele, personificado na Natureza, La Madre Tierra, a Pachamama, de acordo com os povos andinos. Caso o Homem continue fazendo mau uso do seu poder e buscando impor seus planos de forma unilateral, levando à arbitrariedade de suas ações, a única certeza que se pode ter é que, futuramente, haverá um caos.

É por isso que é preciso discutir o que há de atual no contemporâneo – os dias de hoje devem ser pensados a partir de uma perspectiva de Bem Comum – como já dizia o Papa Francisco, em sua encíclica Laudato Si, sobre a imprescindibilidade do cuidado com a casa comum. É preciso denunciar a instrumentalização da razão humana, do individualismo moral e da absolutização da técnica (a simples inovação pela inovação – que é destruidora – como vai tratar Luc Ferry).

Apenas por meio do prisma da Alteridade, da Fraternidade, da Igualdade é que se torna possível pensar em uma perspectiva de Bem Comum, que reconhece não apenas outras pessoas a partir de suas diferenças, mas também desenvolve o respeito para com a Natureza – abrindo caminhos, assim, para o início dos diálogos sobre Sustentabilidade.

A Sustentabilidade, como já dizia Enrique Leff, é o anúncio de um tempo que não é. Mas por quê? Alguém, algum dia, sonhou com um tempo em que o respeito para com as outras pessoas e para com o Meio Ambiente fosse algo concreto. E este tempo chegou. É por isso que a Sustentabilidade é vista como um tempo que não é, pois trata-se de uma utopia concreta (que apenas necessitou o seu devido tempo de maturação).

A categoria “Sustentabilidade” não deve ser pensada de forma isolada, ou entendida apenas na sua perspectiva ambiental, ou ser vulgarizada e reduzida aos “discursos verdes”. A sua matriz de significalidade é muito mais ampla que isso, abarcando questões sociais, políticas, jurídicas, entre outras. Além do mais, a Sustentabilidade, necessariamente passa pelo crivo da Fraternidade e Alteridade para a conscientização de que o individualismo moral não cabe mais como um dos vetores a nortear a contemporaneidade.

É preciso reconhecer que o Eu sozinho não é capaz de nada. Existe a necessidade de que também exista o Tu, para que então construamos um futuro para o Nós. Exemplo desta lógica da alteridade, da verdadeira compreensão do Estar-Junto são os dispositivos existentes na Constituição da Bolívia e do Equador quando vão reconhecer a (Mãe-)Terra como sujeito de direitos. Também cabe citar aqui o caso em que o Parlamento Neozelandês concedeu personalidade jurídica ao Rio Whanganui; ou o caso do Rio Vilcabamba, como ilustrações de que os cuidados para com a casa comum já começaram.

O que se percebe é que a Sustentabilidade torna visível as diversas manifestações da vida cotidiana, em suas diversas formas e múltiplas cores, a ponto de que se perceba sua estética. Aqui, a estética possui importância como vetor de integração entre as culturas capazes de fomentar a paz, a cordialidade, a inovação cientifica e tecnológica, bem como a articulação estratégica política e jurídica que assegure, de modo mais duradouro, a preservação da vida como elemento central e fundante de qualquer civilização. Quer dizer, a beleza das coisas está em sua heterogeneidade, na diversidade de festas, religiões, culturas, emoções e valores.

Portanto, nós podemos identificar que a Sustentabilidade, enquanto Martelo que desconstrói a filosofia moral do Projeto da Modernidade e cria o paradigma da Pós-Modernidade, como um genuíno vetor de criação de realidades sociais. E como ela se impõe como um vetor de atitude ética?

É preciso lembrar que a Ética se situa em um âmbito deontológico, quer dizer, é responsável por demonstrar o dever-ser – quais as condutas que vão ser consideradas razoáveis para uma vida em Sociedade. Justiça, Igualdade, Liberdade, entre outros, são valores que todos buscam e que são listados como bases para a convivência harmônica em uma Sociedade – pois não há como conviver em um lugar com as injustiças, as indiferenças e as desigualdades reinam. O que a Ética possibilita é a visão de um vínculo biológico comum, ponto este que vai de encontro com as questões de Sustentabilidade levantadas anteriormente.

Ela se torna um vetor de atitude ética, já que propicia condições de agradabilidade, interação, integração, possibilitando uma convivência pacífica e responsável de seres que (nem sempre) são livres e iguais, e que a partir das emoções, dos laços afetivos e amistosos, e, principalmente, dos valores, tentam amenizar as angústias da complexidade dos fenômenos vividos entre os seres que compõem a cadeia vital da Terra.

A Sustentabilidade é o elo que aproxima a Estética da vida cotidiana, nas suas mais plúrimas manifestações, à Ética, que busca descrever as condutas razoáveis para a vida em Sociedade. A Sustentabilidade se impõe como vetor de atitude Ética, pois nela se encontram todos os valores os quais o ser humano parece ter perdido há muito tempo.

A Ética de Gaia ou da Pachamama destaca que a fundamentação de um horizonte socioambiental não é das tarefas mais simples. Impõe reconhecer os atritos que existem entre a dimensão social e aquela que se manifesta por si a partir do meio ambiente. Ao se persistir uma Razão incapaz de reconhecer o Outro como absolutamente Outro, especialmente numa perspectiva de Alteridade Ecosofica, a proposição de um equilíbrio socioambiental é tão somente mais uma falácia. É a musicalidade das vozes silentes, da invisibilidade dos vulneráveis que a Ética se torna vetor estético de convivência. Precisamos, ao lembrar de Michel Henry, “ver o invisível” pelas suas próprias cores, sons, movimentos, agonias.

A humanidade sofre com as exclusões, com as misérias e com as violências. Porém, o Homem encontrou na Sustentabilidade as (possíveis) soluções para suas aflições, conseguindo conviver harmoniosamente com o seu semelhante (na sua diferença) e com a Natureza, de forma Justa, Igual e Fraterna.

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, Joelson; BORGES, Wilton. Ética de Gaia: ensaios de ética socioambiental. São Paulo: Paulus, 2008.

[1] Fenômeno histórico no qual sugere, continuamente e de modo crítico, a (des)constituição, a indagação e a criação dos saberes que erigem as relações entre as pessoas todos os dias – sejam sociais, profissionais, institucionais. Não se estabelece um período de tempo para sinalizar o início e m dessa expressão, pois sua função não é determinada, de modo específico, para um momento histórico, mas, no seu decorrer, rememorar o que significa ser humano em seus múltiplos diálogos. Integra-se o lúdico e a coerência lógica, admite-se a pluralidade de fenômenos capazes de comporem os matizes do domínio científico, social, tecnológico, político, entre outros. Transita-se no ir e vir do relacionar-se e comunicar-se, nas diferentes redes de interação humana, para encontrar o que se torna fundamental ao conviver diário. 

 

Imagem Ilustrativa do Post: Man V Nature // Foto de: Janet Ramsden // Sem alterações

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