Introdução.
No mês de outubro comemora-se o dia mundial da alimentação. O alimento que o Ser Humano encontra disposto nas gôndolas dos supermercados, para consumo, é fruto de um intenso processo de produção agrícola que envolve diretamente os recursos naturais, além do aparato tecnológico e do esforço humano para produzir e transportar alimentos em qualidade e em quantidade para atender a demanda de uma sociedade altamente urbanizada e que trabalha maciçamente no setor terciário.
Entretanto, segundo a FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, cerca de 45% de todas as frutas, legumes, raízes e tubérculos produzidos no mundo são desperdiçados. Isso equivale a aproximadamente 1 bilhão de sacos de batatas. E mais 1.4 bilhão de hectares (uma extensão maior do que os EUA, Índia e México juntos) é usado para produzir alimento que é desperdiçado[1].
Com o objetivo de reverterem este quadro, especialistas divulgaram o relatório Food Iosses and waste in the context of sustainable food systems (desperdício e perda de alimentos no contexto de sistemas alimentares sustentáveis). Segundo o documento, o desperdício está presente em toda a cadeia produtiva. O desperdício traz consequências desastrosas para o sistema econômico, pois significa investir na produção no campo, no transporte e na comercialização de produtos que nem sequer vão chegar à mesa do consumidor[2].
A rota do desperdício pode ser exemplificada por etapas[3], a saber: a) na colheita o desbaratamento é motivado por falhas na infraestrutura da propriedade agrícola e pelo manuseio inadequado dos produtos; b) no transporte o desbarato ocorre pela deficiência no sistema modal e no uso de embalagens impróprias, provocando, via de regra, o amadurecimento mais rápido do produto; c) na distribuição a batelada decorre das péssimas estruturas de comercialização, fazendo com que o produto demore para chegar até o consumidor final; d) no supermercado a perda do alimento é fruto da deficiência gerencial e administrativa, além do excesso de toque dos consumidores, nos produtos, danificando-os e, e) na casa do consumidor o esbanjamento ocorre pelo descarte dos alimentos que aparentam algum “defeito”, mas que possuem condições de consumo.
De todas as causas de desperdício de alimentos a estética do fruto, da raiz e do tubérculo, chama a atenção, pois, em regra, o produtor e o consumidor rejeita as verduras, as frutas e os legumes que fogem do padrão de comercialização dos alimentos. Os alimentos que não atendem esteticamente os padrões de comercialização e de consumo são descartados.
Além dos impactos econômicos e sociais, o desperdício dos alimentos, embora possa parecer o contrário, possui intima relação, também, com a preservação dos recursos naturais, pois, a cadeia de produção dos alimentos envolve, diretamente: a) o uso do solo, podendo interferir na preservação das matas em razão da pressão pelo desmatamento das florestas para aumento das áreas agricultáveis; b) o uso da água, pois, a agricultura é responsável por consumir cerca de 70% dos recursos hídricos durante o processo produtivo; c) o uso da biodiversidade, já que a agricultura intensiva depende da aplicação, geralmente, indiscriminada de produtos químicos nas lavouras, contaminando os mananciais, os corpos hídricos, os alimentos e desequilibrando a fauna e a flora.
Em razão disto, consumir alimentos de maneira sustentável é uma exigência para a sociedade moderna, requerendo uma mudança de cultura e de hábitos antigos quanto ao desperdício de comida. O presente artigo analisará os efeitos da estética nos alimentos e seus reflexos na fome humana.
O desperdício de alimentos, a fome humana a as experiências de solução.
Segundo o IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, mais de meio milhão de pessoas vivem abaixo da linha da extrema pobreza. São Seres Humanos que não tem sequer o essencial à vida, o direito à alimentação. Na contramão da realidade está o inimaginável desperdício de alimentos que são descartados em razão dos padrões de boa aparência dos produtos, exigidos pelo mercado consumidor. Trata-se do desperdício de alimentos em função da estética. Conforme dados da Secretaria Estadual de Agricultura do Rio de Janeiro, 25% da produção agrícola é desperdiça no campo. O número não considera o descarte nos setores de abastecimento e o mau uso dos alimentos pelos consumidores[4].
No Brasil, a contrário sensu, enquanto muitos precisam de comida, toneladas de frutas e de hortaliças são perdidas ou abandonadas para apodrecimento simplesmente por que são “feias” ou por que estão “fora” do padrão de consumo.
Dentre as medidas articuladas para combater o desperdício, a França assumiu a direção ao editar lei contra o desperdício de comida. A norma entabula proibição de que redes de supermercados joguem, no lixo, alimentos prestes a vencer ou que não passaram no teste estético do consumidor e acabaram sobrando nas prateleiras.
No Canadá, a maior cadeia de supermercados vende alimentos com pequenos defeitos a preços menores. Os produtos “feios” e imperfeitos, ao contrário do que se pensa, estão aptos para o consumo e possuem preços de até 30% mais baixos do que os seus concorrentes mais “bonitos”.
No Brasil, um exemplo de sucesso é o projeto Fruta Imperfeita, um serviço de assinatura de cestas de frutas e legumes que seriam descartados por produtores porque não se encaixam no padrão estético exigido pelo varejo. Ao invés de os alimentos irem para o lixo, o Fruta Imperfeita faz parcerias com os produtores rurais para que as frutas e os legumes cheguem àqueles interessados em consumi-los. Os frutos imperfeitos são esteticamente “feios”, porém, não são pobres sob o ponto de vista nutritivo. Pelo contrário, eles são saborosos e nutritivos como os alimentos "perfeitos"[5].
O cerne das ideias é esclarecer a população sobre a qualidade dos alimentos esteticamente “feios”; incentivar o consumo e alertar sobre o desperdício de alimentos em meio a miséria de milhares de Seres Humanos que passam fome por todo o planeta.
O desperdício de alimentos e os dilemas socioambientais.
A Organização das Nações Unidas – ONU, divulgou relatório intitulado de Rastros do Desperdício de Alimentos: Impactos sobre os Recursos Naturais[6]. É o primeiro estudo que analisa os efeitos do desperdício de alimentos no planeta a partir de uma perspectiva ambiental, focando particularmente em suas consequências para o clima, para o uso da água e para o uso do solo e da biodiversidade.
Entre as principais conclusões do relatório, podemos destacar que: a) a cada ano, os alimentos produzidos, porém, não consumidos, utilizam um volume de água equivalente ao fluxo anual do rio Volga na Rússia; c) a produção de alimento é responsável pela emissão de 3.3 mil milhões de toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera do planeta; c) o desperdício de alimentos acarreta um prejuízo econômico equivalente a 750 milhões dólares por ano.
O Programa das Nações Unidas para o Ambiente – PNUMA, pensando na sustentabilidade entre a produção agrícola e o consumo de alimentos, lançou a campanha pensar, comer e conservar. O Subsecretário-Geral das Nações Unidas e Diretor Executivo do Programa, Achim Steiner, afirmou que o diagnóstico sobre a perda e o desperdício de alimentos é uma grande oportunidade para que os países façam a transição para uma economia verde inclusiva, de baixo carbono e eficiente na utilização de recursos.
O relatório apresentado pela FAO destaca os muitos benefícios que podem ser obtidos, em muitos casos, através de medidas simples e sensatas, ao nível das famílias, lojas, restaurantes, escolas e empresas, e que podem contribuir para a sustentabilidade ambiental, melhorias econômicas, segurança alimentar e para a realização do Desafio Fome Zero no mundo.
Conclusão.
Todos os atores envolvidos no processo de produção, comercialização e consumo dos alimentos, inclusive os governos, precisam fazer mudanças ao longo de toda a cadeia de alimentação do Ser Humano. Não se pode admitir que o alimento produzido com tecnologia, esforço humano e recursos naturais seja perdido ou desperdiçado em razão de práticas inadequadas de produção ou pela estética do consumo, quando milhões de pessoas passam fome.
[1] Disponível em https://www.wwf.org.br/wwf_brasil/?61442/Desperdcio--uma-escolha. Acesso em 23 de out. 2017.
[2] Disponível em http://alimentacaoemfoco.com.br/noticias/870. Acesso em 25 de out. 2017.
[3] Disponível em http://www.brasil.gov.br/ciencia-e-tecnologia/2014/08/pesquisas-da-embrapa-buscam-formas-de-evitar-o-desperdicio-de-hortalicas-e-frutas. Acesso em 25 de out. 2017.
[4] Disponível em http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2015-07-26/toneladas-de-alimentos-sao-jogadas-fora-por-nao-estarem-aptas-ao-mercado.html. Acesso em 22 de out. 2017.
[5] Disponível em https://www.greenme.com.br/consumir/consumo-consciente/2925-fruta-imperfeita-brasil-evita-desperdicio. Acesso dia 20 de out. 2017.
[6] Disponível em https://www.akatu.org.br/noticia/estudo-destaca-consequencias-do-desperdicio-de-alimentos. Acesso em 27 de out. 2017.
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