Sustentabilidade é vetor de poder. Simples! Essa condição se manifesta pelos acordos econômicos, discursos políticos institucionais e empresariais, tratados multilaterais, entre outros. A Sustentabilidade, pensada na sua dimensão política, deve – ou, pelo menos, deveria – incrementar o exercício de integração entre os povos na medida em que fortalece a compreensão acerca dos Bens Comuns, das políticas de uso desses bens e o aperfeiçoamento da vida digna, saudável para tudo e todos. O sentido político da Sustentabilidade reivindica uma Cidadania Global[1] e um Direito à Sustentabilidade[2], igualmente global.
Sob o mesmo argumento, a Sustentabilidade cria, pela atuação política, a sua condição Estética[3]. Nesse momento, a Sustentabilidade, por meio de diferentes relações e sentimentos vividos, experimentados, institui a sua imagem capaz de provocar o desejável, uma outra forma de convívio no qual não o é, mas pode vir a ser. Por esse motivo, a Sustentabilidade designa um tempo que não é. A Estética da Sustentabilidade precisa ser entendida por esse estar-junto-com-o-Outro-no-Mundo.
No entanto, o caminho político que se realiza em nome da Sustentabilidade é outro e, consequentemente, a sua dimensão estética se torna prejudicada. O descompasso entre a Política e a Estética da Sustentabilidade gera o que Tiburi denomina como “Ridículo Político”[4]. No amago dessa expressão, o leitor e a leitora verão como se torna impossível entender esse contexto sem o auxílio de ambas as palavras.
Toda relação entre humanos e o mundo natural é fundamentada por critérios de atração (agradabilidade) e repulsa (nojo, tedioso, medíocre, injusto). A Estética cria a forma, bem como prescreve a regra, do nosso convívio diário. Essa tensão entre o agradável e o desagradável identifica o que se torna fundamental para instituir, sob o ângulo da Política, a Estética da Sustentabilidade.
Nesse caso, quando a Sustentabilidade é usada, especialmente nos discursos empresariais e/ou político-institucionais, para servir a interesses sectários, monetários e oligárquicos – sem esquecer os interesses nacionalistas – a Sustentabilidade se torna um projeto civilizacional apático, desprovido de capacidade para transformar as realidades. A Estética da Sustentabilidade se torna um nome vazio, uma piada ridícula (de muito mau gosto).
Pensemos, agora, no “ridículo”. Essa, por exemplo, é uma manifestação de algo que não deveria aparecer, mas surgiu e causou banalização, desprezo. A Sustentabilidade se torna uma piada global quando não identifica, nem prioriza, a manutenção de vida sadia dos seres e ecossistemas. O riso indiferente dos povos sobre a ineficácia e ineficiência das últimas cúpulas sobre Sustentabilidade ou Mudança Climática inviabilizam qualquer os objetivos de uma Estética da Sustentabilidade. Ao contrário, o que se tem é a estetização da Política[5] e da Sustentabilidade, cujos espetáculos midiáticos, as encenações políticas e econômicas criam segredos que não podem ser descobertos pelas pessoas.
O “Ridículo Político”, sob o ângulo da Estética da Sustentabilidade, é a antítese de uma dimensão relacional ética, cuidadosa e harmoniosa porque se torna vetor útil de encobrimento à corrupção, à manutenção dos privilégios institucionais, à segregação causada pelas imensas desigualdades globais, à eliminação das vidas, ao desprezo pelo direito à existência, entre outros motivos. Se a Sustentabilidade é entendida por meio do “Ridículo Político” é a diluição de nossa responsabilidade integral por nossos semelhantes.
Os contextos sociais, políticos e jurídicos misturam-se pelo agir humano no cotidiano e reivindicam, mais e mais, nossa lucidez, nossa vontade, nossa decisão – pessoal e coletiva – de se constituir uma civilização que entenda a complexidade da teia vital. Por esse motivo, a Estética da Sustentabilidade, como vetor de poder político, deve atuar contra a estetização da política porque essa banalização, esse desprezo surgidos pelo riso de todos ao observarem a má vontade política global em se assumir os riscos e responsabilidades causados pela exploração sem medidas de pessoas e dos ecossistemas é indicativo de que a Sustentabilidade, conforme rememora Mannheim[6], é uma ideologia criada por mentes hipócritas.
Nenhum país democrático identifica, elabora e viabiliza critérios objetivos de justiça, de inclusão, de liberdade, de solidariedade, de atitudes éticas sob o manto do segredo[7]. A compreensão de uma Estética da Sustentabilidade reside nas sensações vividas junto à pluralidade de seres e ambientes, de se identificar, por meio da Razão Sensível[8], o que torna possível o pleno desenvolvimento dessa unidade vital.
Quando se percebe esse cenário, especialmente pela Ecosofia do Sensível[9], tem-se um caminho contra o desespero perante essa imagem de banalização da Sustentabilidade. Eis a difícil tarefa daqueles que militam em a seu favor: identificar qual é a novidade do novo nas feições políticas do cotidiano – as quais se iniciam pelo local e se estendem ao global – e representam a imagem, os afetos, as sensações, a corporeidade da Dignitas Terrae no espírito do tempo presente.
[1] “A cidadania global repousa, assim na noção de sustentabilidade, fundada na solidariedade, na diversidade, na democracia e nos direitos humanos, em escala planetária. Com raízes locais e consciência global, as organizações transnacionais da sociedade civil emergem no cenário internacional como novos atores políticos, atuando, em nome do interesse público e da cidadania mundial, no sentido de construir uma esfera pública transnacional fertilizada pelos valores da democracia cosmopolita”. VIEIRA, Lizt. Os argonautas da cidadania: a sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 253.
[2] “O Direito à Sustentabilidade, sob esses argumentos, representa uma a necessidade de se reivindicar a Sustentabilidade como expressão de vida digna, de reconhecimento da Natureza como “ser própria”, de propor limites a um estilo (insano) de desenvolvimento civilizacional pautado (exclusivamente) na dimensão mercantil, cuja métrica de felicidade prometeu uma existência satisfatória por meio da frenética acumulação de bens materiais”. AQUINO, Sergio Ricardo Fernandes de. (Contra o) eclipse da esperança: escritos sobre a(s) assimetria(s) entre Direito e Sustentabilidade. Itajaí, (SC): Editora da UNIVALI, 2017, p. 186.
[3] “Pelo termo estética referimo-nos não apenas ao reino do aparecer, nem somente ao que, no senso comum, definimos como aparência, mas ao imenso campo dos afetos, dos sentimentos, das emoções e, também, de tudo o que se refere à corporeidade: a sexualidade, a raça, o gênero, a idade, as formas da plasticidade corporal. Isso inclui a linguagem, por meio da qual apresentamos e representamos coisas e pessoas, seres inanimados e animados”. TIBURI, Marcia. Ridículo político: uma investigação sobre o risível, a manipulação da imagem e o esteticamente correto. [Edição Kindle]. Rio de Janeiro: Record, 2017, pos. 159-162.
[4] “O ridículo político é um efeito da deturpação da política na era do espetáculo; é a deturpação do direito a aparecer, bem como do direito à expressão, do direito de representar e de ser representado. Ridículo político seria, portanto, a forma visível da crise do político, enquanto o poder o utiliza justamente para acobertar essa crise. Quando se trata do ridículo político, seu ‘dar-se a ver’ não tem como propósito o esclarecimento, mas o acobertamento”. TIBURI, Marcia. Ridículo político: uma investigação sobre o risível, a manipulação da imagem e o esteticamente correto. pos. 221-225.
[5] “[...] ‘estetização da política’ nada mais é do que a compreensão publicitária dessa relação que visa ao acobertamento do poder — essa energia afetiva, simbólica e física a um só tempo que é própria da política — e das formas de violência com as quais o poder se confunde”. TIBURI, Marcia. Ridículo político: uma investigação sobre o risível, a manipulação da imagem e o esteticamente correto. pos. 201-203.
[6] MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Tradução de Sérgio Magalhães Santeiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 219.
[7] “A democracia é idealmente o governo do poder visível, isto é, do governo cujos atos se desenrolam em público e sob o controle da opinião pública. [...] Como ideal de governo visível, a democracia sempre foi contraposta a qualquer forma de autoritarismo, a todas as formas de governo em que o sumo poder é exercitado de modo subtraído na maior medida possível dos olhos dos súditos”. BOBBIO, Norberto. Democracia e segredo. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: UNESP, 2015, p. 29/30.
[8] A expressão denota a necessidade de se reconhecer a coerência própria manifestada pela vida, no seu sentido mais amplo, as quais nem sempre é exaurida - tampouco reconhecida - pela Razão Lógica. De modo complementar, utiliza-se, ainda, Razão Interna ou Razão Seminal. Nas palavras de Maffesoli, "[...] Trata-se de algo que permanece ou, melhor, preexiste no coração de todo homem antes de qualquer construção intelectual. É propriamente isto que chamarei 'razão interna' de todas as coisas. Razão esta que é tanto uma constante, de certo modo uma estrutura antropológica, quanto, ao mesmo tempo, só se atualiza, se realiza, neste ou naquele momento particular. Para dizer o mesmo em outras palavras, trata-se de uma racionalidade de fundo que se exprime em pequenas razões momentâneas". MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Tradução de Albert Christophe Migueis Stuckenbruck. 4. ed. Petrópolis, (RJ): Vozes, 2008, p. 58.
[9] “A ecosofia do sensível, [...], devolve toda sua importância ao afeto, será a partir de então uma alternativa ao que foi a ‘normopatia’ moderna. Esta, seja ela de obediência religiosa, moral ou política (sua lógica é idêntica: ‘dever-ser’), se dedica a evacuar todo risco: ideologia do ‘risco zero’, para garantir com exagero, asseptizando a existência quotidiana até torná-la incapaz de resistir à intrusão de anticorpos ou às diversas adversidades, no entanto, constitutivas do dado mundano. Ora, é bem conhecido que o medo dos abusos, dos excessos, na verdade, da desordem, [...] conduz ao imobilismo mais embrutecedor”. MAFFESOLI, Michel. Homo eroticus: comunhões emocionais. Tradução de Abner Chiquieri. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 246.
Gostou do tema? Então que tal aprofodundar um pouco mais em uma produção multiplataforma elaborada pelos professores Felipe Cittolin Abal e Gabriel Antinolfi Divan?
Confira o podcast : https://soundcloud.com/user-979446201/44-sustentabilidade-e-capitalismo
Felipe Cittolin Abal é doutor em História pela Universidade de Passo Fundo (2016). Possui Mestrado em História pela mesma instituição (2012). Especialista em Direito do Trabalho Contemporâneo e Seguridade Social pela Universidade de Passo Fundo (2008). Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo. Docente do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo. É professor na Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo desde 2009, ministrando as cadeiras de História do Direito, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Possui interesse na área de História, História do Direito, Nazismo e nazistas na América do Sul, extradição e processo decisório.
Gabriel Antinolfi Divan é Advogado e pesquisador. Doutor e Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pós-Graduado (Especialização) em Ciências Penais, pela mesma universidade. Atualmente exerce o cargo de Professor Adjunto da Universidade de Passo Fundo - RS (UPF), credenciado como professor do Programa de Pós Graduação da Faculdade de Direito - Mestrado, e ministrando, na graduação, disciplinas de Direito Processual Penal e Criminologia. Lidera o Grupo de Pesquisa 'Reclame as Ruas: Direito, Política e Sociedade", e coordena o Projeto de Pesquisa "Estado de Direito, Sistemas de Justiça e crítica jurídica: horizontes de uma nova política", certificados junto ao CnPQ.
Imagem Ilustrativa do Post: Usina Atômica de Angra dos Reis - RJ // Foto de: Marinelson Almeida - Traveling through Brazil // Sem alterações
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