A escassez de garantias fundamentais e o holocausto brasileiro no sistema prisional

02/12/2016

Por Jhonatan Morais Barbosa - 02/12/2016

“Não é meu inimigo quem pensa diferente de mim, mas sim meu parceiro para uma sociedade plural.”[1]

Após ingressar no curso de Direito em 2015/1 com um pensamento Bolsonaro 2018, e com a ideologia antidemocrática pregada pelo então idolatrado “Bolso mito”, onde o mesmo diz que bandido bom é bandido morto, logo então comecei a me familiarizar com o verdadeiro significado de democracia, Estado de direito e direitos iguais para todos.

A partir de então, virou rotina discutir os direitos e garantias que todo cidadão tem por excelência constitucional, principalmente as garantias dos excluídos, aqueles jogados no calabouço sombrio do sistema prisional.

De um fã do Bolsonaro a um grande defensor dos Direitos Humanos, direitos estes que estamos vendo ser corrompidos pela mais alta corte do poder judiciário, e de uma grande parcela da magistratura com ajuda da influência midiática.

Hoje defender o menos favorecido, o réu, o delinquente, o “débil” como diz Lopes Jr. é um exercício diário, muitas pessoas, inclusive colegas de curso acreditam ainda na teoria falha e mesquinha de que bandido bom é bandido morto, sustentam a ideia que há outros caminhos a serem seguidos e não o do crime, mas será mesmo que nosso Estado Democrático nos dá todas as chances que precisamos para não proceder na deficiência de ingressar no mundo sombrio do crime?

A efetivação dos direitos e garantias fundamentais é o alicerce para a proteção ao direito mínimo existencial, para a eficácia de uma sociedade justa e plena. Para Ferrajoli “são direitos fundamentais todos aqueles direitos subjetivos que dizem respeito universalmente a “todos” os seres humanos enquanto dotados do status de pessoa, ou de cidadão ou de pessoa capaz de agir. Compreendo por “direito subjetivo” qualquer expectativa positiva (a prestação) ou negativa (a não lesão) vinculada a um sujeito prevista também esta por uma norma jurídica positiva qual pressuposto da sua idoneidade é ser titular de situações jurídicas e/ ou autor dos atos que estão em exercício”.[2] O Estado Democrático estipula que a democracia baseia-se na essência ao respeito da dignidade da pessoa humana, que por sua vez só pode ser considerado digno se atingir o mínimo existencial a todos os cidadãos.

Certo é que, todo o apanhado dos direitos e garantias fundamentais é assegurado pela Carta Magna, que independe da oponibilidade do ente político, e sim tem como finalidade essencial garantir que todas as pessoas tenham de forma unanime e igualitária a acessibilidade aos seus direitos. [3]

No dia 08 de novembro de 2016 presenciamos um episódio lastimável que ocorreu no Estado do Rio Grande do Sul, em que alguns suspeitos passaram a noite algemados em uma lixeira, temos por fim e não há de se questionar que a existência dos direitos e garantias fundamentais é abstrata quanto a sua aplicação e não atinge sua eficácia plena na maioria das vezes.  Em algumas palestras observa Lopes Jr. que há uma grande deficiência do Estado no que se refere à punibilidade do sistema penal, para o mesmo deve haver uma relação harmônica entre alguns institutos, sendo: o que punir, quando punir, quem punir e como punir. Por certo, hoje pecamos em todos os requisitos, principalmente em quem punir, pois a criminologia demonstra como o sistema penal é seletivo e escolhe aquele que quer punir ou quem não quer punir.

O nosso sistema prisional está jogado as traças e as velas e a situação tende a ficar cada vez pior, quando falamos em retrocesso constitucional não é mais novidade por aqui, não precisamos ir muito longe para nos certificar das condições precárias, desumanas e do esquecimento por parte do Estado aos apenados, nos presídios pelo Brasil a fora naqueles que são mais precários, presos dormem ao lado do necrotério que está locado dentro do sistema penitenciário, caracterizando ausência de condições mínimas de dignidade, higiene e salubridade, no presídio feminino chegamos ao ponto das mulheres fazerem uso de miolo de pão no lugar de absorventes, essa é a realidade e como observam Morais da Rosa e khaled Jr. “temos um sistema que para muitos é voltado para o combate ao crime, mas que continuamente amplia a esfera do que é classificado como crime, fazendo com que cada vez mais aspectos da vida humana sejam criminalizados em nome da irrealizável promessa civilizatória, favorecendo a continuidade do holocausto nosso de cada dia”.[4] Histórias com sucesso daqueles que emergem do calabouço sombrio penitenciário são histórias de sobrevivência, não são exemplos de que a pena pode exercer o bem, nestas condições a prisão ela segrega, ela dessocializa, se ela realmente ensina algo é a virar especialista em criminalidade.

Vários motivos levam a degradação do sistema prisional, a superlotação e o abandono por parte do Estado é uma delas, a Lei de Execução Penal em seu Art. 88 alínea b diz “que cada preso deve ter no mínimo 6,00m²”[5] de área em cada dormitório, realidade totalmente diferente a que constatamos no Brasil onde há presídios que se tem menos que 70 cm² nas prisões mais lotadas, com esse encarceramento em massa alarmante chegamos ao 4º lugar no ranking mundial com o numero de 607 mil presos, perdendo apenas para a Rússia, China e Estados Unidos.  Morais da Rosa e Kahled Jr. citam em sua obra In Dúbio Pro Hell I que, “Os números são absolutamente assombrosos e comprovam a falácia do discurso sobre a impunidade generalizada no Brasil. Estamos prendendo sim. E muito. Como é possível falar genericamente em impunidade quando nos últimos vinte anos –a população carcerária brasileira cresceu 350%?”,[6]  e estima-se que esse número dobre nos próximos vinte anos. A superlotação é um verdadeiro afronto aos direitos fundamentais e nesse aspecto basta citar o 5º Inciso XLIX da Carta Magna, a qual assegura aos presos o respeito à integridade física e moral, e lembrar que a dignidade da pessoa humana é um dos princípios basilares da Constituição.

Para tentar diminuir tal dano causado ao sistema prisional, em alguns estados brasileiros chega-se a utilizar containers para alojar os presos, com essa nova modalidade a tendência é piorar cada vez mais, caso siga a mesma organização estrutural dos sistemas prisional já existente. A falta de organização do poder do Estado impede que possa existir qualquer tipo de ressocialização, fazendo surgir forte tensão, violência e rebeliões. Zafaroni em sua concepção garantista diz que nada contribuiu mais para a violência no Brasil do que o próprio sistema prisional, o que faz cada vez mais aumentar o índice de reincidência.

Romeu Falconi cita em sua obra que “Se a prisão não fizer do apenado um homem honrado após seu cumprimento, de nada ela adiantou”[7]. Essa concepção nos da total entendimento de que a prisão hoje no Brasil não (Re) educa, não (Re) socializa, não (Re) insere e, para efeitos do instituto (Re) só há eficácia na (Re) incidência.

Neste termos o que podemos esperar do Estado e dos grandes grupos envolvidos, aqueles que de fato podem influenciar nas medidas adotadas de humanização e transformação do sistema carcerário, pode-se esperar que deixassem em suas mãos a árdua tarefa de promoção e proteção aos direitos e garantias fundamentais dos presos.  A que ponto a União pode cooperar e contribuir de forma significativa neste processo de regeneração do sistema prisional, não há dúvidas de que são incompatíveis com o sentimento constitucional os atos discriminatórios atribuídos aos que estão no vale da morte do sistema prisional, a pena deveria ser caráter de reintegração e regeneração social e não instrumento de mera vingança.

A tarefa não é fácil para aqueles que lutam de antemão ao excesso de poder punitivo por parte do Estado, não se pode esperar uma salvação vinda dos direitos humanos, pois toda pretensão tende ao fracasso, e por mais que esses direitos sejam positivados nas relações de tratados internacionais, não acabam atingindo sua eficácia plena.

Em suma acredita-se que seria mais fácil invocar a lei de proteção aos animais, pois só assim teríamos uma simpatia com a degradação e a desumanidade que se encontram aqueles que acabaram caindo no calabouço sombrio do sistema prisional brasileiro, ninguém merece fazer parte do retrocesso de garantias constitucionais e do verdadeiro holocausto brasileiro.


Notas e Referências:

[1] Roberto Barroso, Luis. Curso de Direito Constitucional contemporâneo. Pág. 20, 4ª Ed.- São Paulo: Saraiva 2013.

[2] Ferrajoli, L. Por uma teoria..., op. Cit.,pág.9.

[3] Da Silva Durães, Batista. Da Costa Teixeira Leal, Maria Letícia.

http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=14204

[4] Morais da Rosa, Alexandre. H Kahled Jr, Salah. In Dúbio Pro Hell l, Profanando o Sistema Penal.Pág.115. 2ª Ed. Imporio do Direito 2015.

[5] Lei de Execução Penal. Art. 88, alinea b

[6] Morais da Rosa, Alexandre. H Kahled Jr, Salah. In Dúbio Pro Hell l, Profanando o Sistema Penal.Pág.76. 2ª Ed. Imporio do Direito 2015.

[7] Falconi, Romeu. Temas Ontológicos de Direito Penal. Editora Icone.


jhonatan-morais-barbosa. . Jhonatan Morais Barbosa é acadêmico da 4ª fase do Curso de  Direito da faculdade Estácio em São José, Santa Catarina. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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