Coluna Espaço do Estudante
"Reivindico mi derecho a ser un monstruo Y QUE OTROS SEAN LO NORMAL"
Susy Shock[1]
O que Lady Gaga, juntamente com a Teoria Queer, tem a dizer ao Direito?
Para aqueles que podem responder "nada", quero pensar um novo horizonte sobre ela na perspectiva queer e como esses discursos são potentes.
A ideia de sujeito que é trabalhada na Teoria Queer contempla a construção sociolinguística do gênero, da sexualidade e do corpo. Há uma contraposição ao sujeito liberal, que age livremente e tem autonomia sobre suas escolhas. O queer é o estranho, o raro, o desviante, que pode ser tanto em gênero e sexualidade[2],[3]. O queer desconstrói esse imaginário totalitarista, hegemônico e fechado, é a revisão de toda essa naturalização discursiva opressora e excludente.
Jorge Leite Júnior, no Seminário[4], usou a categoria "monstro"[5] para refletir sobre esse sujeito que não se enquadra, mas que é uma categoria de inteligibilidade para esses corpos. Termo esse que é e foi bastante usado pela cantora.
Lady GaGa tem se apresentado como uma linha de fuga de muitos campos: arte, política, moda, feminismo, movimento LGBTQI. Ela é uma performer queer. Sua arte pop surrealista com transgressões fashions, seus clipes musicais metafóricos e sua bissexualidade são alguns elementos de uma performer que tem domínio sobre sua arte e experimenta o "estranho" no palco e diante das câmeras[6].
No verão de 2009, ela começa a se referir a seus fãs como monstros[7]. A partir disso, suas aparições são com roupas extravagantes e sua relação com seus fãs aumenta. Seu clipe de Bad Romance oficialmente inicia a "estética monstro", a qual vai ser radicalmente trabalhada na sua terceira "era" com o álbum Born This Way[8]. Chifres, maquiagens "feias", roupas escuras, perucas variadas, essa era foi com certeza a que tratou sobre identidade. Seus fãs se sentiram acolhidos com essa liberdade de expressão que explora o repugnante, a Born This Way Foundation deu espaço de fala e apoio para pessoas LGBT e ela fez discursos pró-direitos LGBT em Washington[9], em Portland[10] e em Roma[11].
A potência de sua arte está em evidenciar, com elementos de reiteração, repetição e exagero, esse sistema opressor, além de incluir aqueles que se desviam dos padrões. Um dos muitos exemplos é na música Hair, que ela brada "Quero que você me ame por quem eu sou [...] Vou morrer sendo livre como meu cabelo [...] Não sou esquisita / Apenas estou aqui tentando ficar 'de boa' nas ruas", ou seja, ela cita o cabelo, que é tão plástico e móvel para ela, associando à sua identidade, sua performance e sua performatividade, o que remete a todas as identidades que passam por dificuldades diárias por conta de seus "corpos estranhos"[12].
Em sua arte, seus shows e sua performance, o monstro é (na verdade) aquele que oprime os queer. A Fama com aspecto monstruoso é o discurso que reifica e reitera as identidades idealizadas, um aspecto marginalizador de corpos estranhos. A Fama é o próprio sistema hegemônico e normativo. Heteronormatividade que constrói os corpos em seu discurso nomeando-os "segundo as marcas distintivas de uma cultura"[13] e fala o corpo do outro a partir de uma visão dentro de uma moldura normativa.
A categoria de monstro, apesar de ser inteligível e gerar reconhecimento, se refere à aberração, ao que deve viver nos limites sociais, "monstro é uma categoria de classificação que opera no limite das categorias [...] mas ainda assim é uma categoria de reconhecimento social [...] operando a violência, o sarcasmo, o nojo e a desqualificação" (LEITE JUNIOR, Jorge)[14]. Quando Gaga se refere aos monstros, ela não só reitera esse pensamento como o usa num contexto subversivo para afirmar que a identidade "monstro" é o normal, não o mal que deve ser desrespeitado e marginalizado.
Esse desrespeito é evidente no campo jurídico. No seminário citado, Judith Butler fala que se o sistema perpetra violência[15], deve se pensar em formas extrajurídicas, pois as jurídicas perpetram violência também[16]. Guacira afirma que o direito não é queer[17] e o Direito gera pouca subjetividade para Marie Hélene Sam Bourcier[18]. As assertivas são muito intrigantes, mas confiar no sistema jurídico pode ser uma saída ontológica viável para mudarmos nossas atitudes frente ao Outro. Devem-se potencializar as linhas de fuga no sistema, para que se criem rizomas queer e que ele seja transfigurado em uma normatividade pronta e aberta para essas subjetividades. A emancipação está também no Direito, pois há ferramentas jurídicas para que o sistema acolha essas diferenças sem negá-las direitos[19].
O direito familiar e sucessório ainda é fonte para pensar a transmissão de propriedade, que querendo ou não, ainda será objeto de discussão de famílias queer (poliamorosas, lésbicas, gays, trans etc.). Ele pode ser mais aberto, e tem sido cada vez mais principalmente por causa da coragem de juristas de permitirem um reconhecimento jurídico a formações familiares que não são cis-heterossexuais[20]. Mesmo que ainda haja criações monstruosas, como o Estatuto da Família, que tenta obrigar a existência de apenas uma forma reconhecida juridicamente como família, desconsiderando outras formações familiares.
Lady Gaga, portanto, nos evidencia esteticamente um rumo ético pelas vias do reconhecimento e da aceitabilidade das individualidades, de forma coletiva, pois esses sujeitos já existem, ocupamos um espaço público em comum e as diferenças podem ser reconciliadas adequadamente[21]. A obra da artista evidencia que o verdadeiro monstro é quem desrespeita e prefere o ódio ao amor, a segregação ao acolhimento, o xingamento ao entendimento.
A "estética monstro" subverte a estetização padronizada da indústria cultural, que reitera imagens e seus poderes. As "imagens como poderes"[22] hegemonizam a forma de pensar o corpo "normal", o que delimita e exclui o diferente, estabelecendo uma "normatividade imaginária"[23]
Falta reconhecer, respeitar, conhecer, compreender, perguntar (a si mesmo e ao outro), o que ecoa na busca de efetivação de direitos, em uma carnavalização de sentidos jurídicos[24] e no respeito às diversidades queerporais.
Uma revolução queer talvez não precise necessariamente do Direito[25], mas o Direito precisa do queer para não ser um monstro.
Notas e Referências:
[25] Leandro Colling verificou em sua pesquisa que os grupos queer são dissidentes em relação ao movimento LGBT, seja por questões econômicas, ideológicas, culturais e performativas. Esses movimentos queer tentam romper com muitas normatividades e não centralizam suas lutas apenas em questões jurídicas fazendo lobbys com governos pretendendo uma normalização das vidas queer. Esse estudo detalhado se encontra no seu livro Que os outros sejam o normal: tensões entre movimento LGBT e ativismo queer.
. Gustavo Borges Mariano é estudante da graduação de Direito da Universidade Federal de Goiás, coordenador discente do grupo de Direito e Arte KENOSIS, estagiário da DPU-GO e surrealista. Email: gustavobmariano@gmail.com . .
Imagem Ilustrativa do Post: Lady GaGa - Monster Ball - Nashville, TN // Foto de: Philip Nelson // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/philipnelson/5642320509
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode
O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.