A dicotomia do licenciamento ambiental

20/05/2018

Introdução

O licenciamento ambiental é um instrumento no qual o Poder Público, por meio dos órgãos ambientais municipais, estaduais e federal, autoriza e acompanha a implantação e a operação de atividades que utilizam recursos naturais ou que sejam consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras.

O empreendedor, nas etapas de planejamento, instalação e operação, deve buscar autorização ambiental por meio do licenciamento ambiental, previsto na legislação e na Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA.

A obrigatoriedade do licenciamento ambiental, em todo o território nacional, data de 1981, na forma da Lei Federal 6.938. Dessa forma, as empresas que funcionam sem a Licença Ambiental estão sujeitas às sanções previstas na legislação, o que inclui as punições relacionadas com a Lei de Crimes Ambientais n.º 9.605/1998 e a obrigação de Recuperação de danos ambientais, quando for o caso.  

O rol de empreendimento e negócios obrigados a procurar os órgãos públicos para realizar o licenciamento ambiental está previsto na Resolução CONAMA n.º 237/97. Trata-se de rol meramente enumerativo e, pode ser ampliado segundo as especificidades regionais, locais ou estruturais do empreendimento.

O licenciamento ambiental é um instrumento de sustentabilidade, implicando na regulação e implantação de medidas mitigadoras ou restritivas para os efeitos do empreendimento sobre o meio natural, urbano, cultural ou do trabalho.

A doutrina majoritária compreende o licenciamento como um ato administrativo precário, uma modalidade de autorização ou de licença administrativa voltada para estabelecer regras, restrições e medidas de controle ambiental, avaliando o potencial de geração de líquidos poluentes, resíduos sólidos, emissões atmosféricas, ruídos, riscos de incidentes com explosões e incêndios.

Dadas as características, metodologias e procedimentos administrativos, o licenciamento ambiental, ao longo do tempo, tornou-se um estorvo para empreendedores, ruralista e empresários de forma geral e, de outro lado, uma espécie de salvaguarda para o crescimento sustentável, para a garantia da sadia qualidade de vida das presentes e das futuras gerações e, um meio de proteger os recursos naturais e culturais do ambiente contra a política predatória.

Para os empreendedores, ruralistas e empresários, o licenciamento ambiental representa um entrave ao crescimento e à expansão econômica dos negócios, caracterizado pelo excesso de estudos técnicos, pela morosidade na análise dos processos (ofendendo o princípio da eficiência e do prazo razoável de duração do processo administrativo), pelas altas taxas administrativas, pela intervenção excessiva dos órgãos de controle e pela ausência de estrutura técnica e operacional dos órgãos ambientais, dentro outros motivos.

Por outro lado, os ambientalistas defendem o licenciamento ambiental e o respectivo aprimoramento como medida adequada para garantir a sustentabilidade ambiental, a preservação dos recursos naturais e a longevidade da qualidade de vida da civilização no planeta.

Dentro desse contexto, empreendedores e ambientalistas travam uma guerra política de nervos, influência econômica e social dentro do Congresso Nacional, cada qual lutando pelos seus interesses; dividindo opiniões, tutelando bandeiras opostas e arregimentando ações e estratégias para persuadir o governo e a sociedade na aceitação do discurso desenvolvimentista ou ambientalistas.

Atualmente, com a tramitação do projeto de lei n.º 3729/2004, que trata do licenciamento ambiental no Brasil, a disputa de interesses e perspectivas para o futuro da qualidade de vida e do manejo dos recursos naturais na sociedade brasileira, com rebatimento no equilíbrio sistêmico do planeta, voltou a ser objeto de tensão e debate.

As críticas ao Projeto de Lei n.º 3729/2004

Dentre as diversas analises críticas do licenciamento ambiental, pode-se destacar:

  1. A dispensa de licenciamento ambiental para atividades rurais.

Pelo projeto de lei, as atividades agrícolas e rurais serão dispensadas de licenciamento ambiental, independentemente do tipo de impacto ambiental que a atividade possa causar ao meio ambiente.   

  1. A criação do licenciamento autodeclaratório.

O projeto de lei, sob o viés de reduzir e desburocratizar o licenciamento, cria um sistema de autodeclaratório que flexibiliza as exigências técnicas e expõe a sociedade a impactos ambientais imprevisíveis.

O sistema de licenciamento autodeclaratório, típico de países com maior nível de desenvolvimento humano, pressupõe uma longa história de investimento social e econômico em educação ambiental e um Estado detentor de capacidade fiscalizatória que seja capaz de inibir as fraudes.

  1. A revisão do sistema federativo de divisão de competência ambiental.

Segundo a proposta, Estados e Municípios passarão a poder decidir sobre as exigências técnicas em matéria de licenciamento ambiental. A proposta, embora seja tentadora, pois, retratada uma questão importante para o sistema de gestão ambiental da federação, surge em meio a uma cortina de fumaça que pretende, objetivamente, apenas fragilizar o licenciamento e não contribuir para que Estados e Municípios, em suas realidades regionais e locais, possam aperfeiçoar os sistemas de controle.

É comezinho que Estados e Municípios não estão preparados técnica e economicamente para assumir a plenitude do licenciamento ambiental. Empurrar o licenciamento ambiental sem transferir tecnologia, recursos humanos capacitado e orçamento para Estados e Municípios é o mesmo que politizar o licenciamento (interferência de gestores políticos e aniquilamento das exigências técnicas) e abandonar os recursos naturais à voracidade dos interesses econômicos e ao julgo dos detentores dos fatores reais de poder do Brasil.

A permissão para que Estados e Municípios possam estabelecer as regras aplicáveis ao licenciamento tem sua perversidade completada pelo desmantelamento do sistema nacional de licenciamento ambiental e pela criação de um ambiente de beligerância e belicosidade entre Estados e Municípios – a flexibilização dos padrões de licenciamento será o chamariz para a instalação de empreendedores em certos e determinados territórios, fazendo lembrar as propagandas do Brasil no exterior, na década de cinquenta, vendendo a imagem de um País em que o empreendedor poderia vir e instalar seu negócio sem controle ambiental.  

  1. A ausência de consulta prévia as comunidades locais e tradicionais.

De formar teratológica, o projeto de lei viola o princípio da gestão democrática e participativa do meio ambiente. Pelo texto, a consulta pública realizada junto das comunidades locais e tradicionais, impactadas pelo empreendimento licenciável, deixa de ser obrigatória e passa a ser facultativa. A aprovação da proposta representará um flagelo socioambiental e uma violação da democracia ambiental, qualificada como um retrocesso hermenêutico do dispositivo constitucional do art. 225, em que todos são responsáveis pela preservação do meio ambiente. 

A justificação do Projeto de Lei n.º 3729/2004[1]

O projeto de lei n.º 3729/2004, ao mesmo tempo que crítica a gestão ambiental da União, destacando que o executivo federal nunca teve preocupação de investimentos na máquina de gestão ambiental, exemplificando que o IBAMA contava em 2002, com apenas sete (7) servidores de carreira e sessenta e oito (68) consultores contratados por convênio para realizar o licenciamento ambiental; indica equivocadamente que a solução seja a desregulamentação do sistema de licenciamento, descentralizando o licenciamento para Estado e Municípios. Assim, sustentam que a descentralização é a forma de blindar o ato administrativo em face de decisões judiciais e de garantir uma melhor a gestão do licenciamento ambiental em razão do baixo investimento do governo federal.

Como forma de “inovar”, o projeto prevê em destaque as seguintes modificações legais:

  1. o licenciamento ambiental de planos e programas que não elimina a necessidade de licenciamento de cada um dos empreendimentos que os compõem;
  2. a possibilidade de o licenciador exigir a contratação de seguro de responsabilidade civil por dano ambiental;
  3. a possibilidade de o licenciador exigir o EPIA integrado, envolvendo um conjunto de empreendimentos;
  4. a obrigatoriedade de divulgação das informações sobre os licenciamentos ambientais pela Internet;
  5. a taxa de licenciamento ambiental federal, para a qual foram utilizados valores hoje previstos pelo anexo da Lei 9.960/00, diante da impossibilidade de serem fixados por regulamento.

E, à guisa de conclusão, o relator do projeto de lei indica, sem pudor, que as mudanças objetivam esvaziar as críticas dos representantes do setor produtivo, a saber: com a transformação dessa proposta em lei, estaremos assegurando um avanço significativo em nosso corpo de leis ambientais. Com regras claras, racionais, sobre o tema, serão, inclusive, esvaziadas as críticas comuns de parte dos representantes dos setores produtivos, que colocam a licença ambiental, numa visão míope, como um empecilho ao desenvolvimento.

A afirmação reafirmar a presença da disputa de espaço e de poder em relação às políticas de meio ambiente e que o jogo político do Congresso Nacional desconsidera os aspectos que provocam impacto na qualidade do meio ambiente natural, urbano e cultural, valorizando apenas os dividendos econômicos e políticos.   

Conclusão

A dicotomia do licenciamento ambiental existe e precisa ser superada. Empreendedores e ambientalistas precisam alcançar um consenso mínimo é um padrão ético que respeito as condições naturais e culturais do planeta terra.

É fato que a sociedade precisa da geração de emprego e de renda; que precisa da agricultura para produzir os alimentos necessários a subsistência humana; que precisa de bens, produtos e serviços elementares aos padrões de qualidade de vida com dignidade; contudo, também é verdade que o exaurimento dos recursos naturais impactará na indústria e na agricultura e que o vilipêndio do Ser Humano e de sua cultura transformará o planeta terra em um grande cemitério de zumbis.     

Assim, é necessário que empreendedores e ruralistas implantem o diálogo, que a legislação deixe de ser um ambiente de disputa e reflita as necessidades humanas ao invés do capital especulativo e que as partes compreendam de forma equilibrada e racional as necessidades de hoje, abandonando a prática predatório em relação ao Ser Humano e a natureza.   

 

NOTAS

[1] Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=A4FB62B121009FFBB651330A44B198F9.proposicoesWebExterno2?codteor=225810&filename=PL+3729/2004. Acesso em 03 de maio de 2018.

 

 

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