Introdução.
De acordo com o art. 3º, inciso III do Novo Código Florestal – Lei n.º 12.651/2012; define-se reserva legal como sendo a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa.
Uma breve comparação entre o código florestal revogado e o novo código florestal permite destacar as seguintes particularidades envolvendo a área de reserva legal:
O antigo código florestal excetuava da área de reserva legal as áreas de preservação permanente. Já o novo conceito legal permite a sobreposição ou o aproveitamento das áreas de preservação permanente para o computo das áreas de reserva legal;
O novo código florestal previu, expressamente, o manejo das áreas de reserva legal através do uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural;
A reserva legal, em ambos os códigos, incide tanto para imóveis particulares quanto para imóveis privados.
Por outro lado, no que toca a comparação, o novo código florestal não resolveu, satisfatoriamente, a celeuma do antigo código florestal quanto ao conceito de propriedade rural para fins de direito ambiental. A questão da definição da propriedade rural tem sido estudada a partir dos conceitos expendidos na legislação tributária e no Estatuto da Terra. Pela legislação tributária, propriedade rural define-se pela exclusão do que não esteja subsumido aos critérios para enquadramento de uma área urbana e, pelo Estatuto da Terra, a propriedade rural é definida a partir da potencialidade de exploração – Art. 4º, inciso I, Lei n.º 4.504/64 - imóvel rural é o prédio rústico, de área continua qualquer que seja sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer por meio de planos públicos de valorização, quer por iniciativa privada.
O art. 19 do novo código florestal estipula que a inserção do imóvel rural em perímetro urbano definido mediante lei municipal não desobriga o proprietário ou posseiro da manutenção da área de Reserva Legal, que só será extinta concomitantemente ao registro do parcelamento do solo para fins urbanos aprovado segundo a legislação específica e consoante as diretrizes do plano diretor de que trata o § 1º do art. 182 da Constituição Federal.
Vê-se, assim, que embora o código florestal não tenha definido o que seja propriedade rural, fixou que a reserva legal em propriedade rural contida em perímetro urbano deverá manter a área de reserva legal até o advento de legislação específica e desde que esteja consoante com a diretriz do plano diretor municipal.
Dadas as características legais, a área de reserva legal possui natureza jurídica de limitação ao uso da propriedade, sendo uma interferência de ordem administrativa que não enseja direito à indenização, devendo ser suportada pelo proprietário rural com a finalidade de manter parte das florestas e da biodiversidade. Trata-se de uma limitação administrativa que transcende a propriedade ou o imóvel individualmente colocado, para alcançar a garantia constitucional de um meio ambiente equilibrado para todos os brasileiros.
A redução, a ampliação e a dispensa da reserva legal.
O novo código florestal inovou quanto aos aspectos relacionados com a redução, a ampliação e a dispensa da reserva legal. No que toca a redução da área de reserva legal, o código estabeleceu situações de excepcionalidades, a saber:
Para imóveis rurais localizados na área denominada de Amazônia Legal, em área florestal, o Poder Público poderá reduzir a reserva legal de 80% para até 50% (art. 12, §4º).
Para imóveis rurais localizados na área denominada de Amazônia Legal, em área de floresta, o Poder Público Estadual poderá reduzir a reserva legal de 80% para 50%, desde que ouvido o Conselho Estadual de Meio Ambiente, quando o Estado tiver Zoneamento Ecológico-Econômico (art. 12, §5º).
Para imóveis rurais localizados na área denominada de Amazônia Legal, em área de floresta, o Poder Público Federal poderá reduzir a reserva legal de 80% para até 50%, quando indicado pelo Zoneamento Ecológico-Econômico, exclusivamente para fins de regularização, excluídas as áreas destinadas à conservação da biodiversidade (art. 13, inciso I).
De igual modo, o código florestal, excepcionalmente, dispôs da possibilidade de o Poder Público promover a ampliação da área de reserva legal, em qualquer dos biomas brasileiros, sempre que houver pelo Zoneamento Ecológico-Econômico indicação de meta para proteção da biodiversidade nacional (art. 13, inciso II).
Por fim, o código florestal inovou ao prever, expressamente, a não exigência da reserva legal para certos e determinados empreendimentos de impacto público/social/econômico, a saber:
Art. 12
(...)
6º Os empreendimentos de abastecimento público de água e tratamento de esgoto não estão sujeitos à constituição de Reserva Legal.
7º Não será exigido Reserva Legal relativa às áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica.
8º Não será exigido Reserva Legal relativa às áreas adquiridas ou desapropriadas com o objetivo de implantação e ampliação de capacidade de rodovias e ferrovias.
Portanto, a área de reserva legal, embora seja uma obrigação imposta para áreas públicas, o legislador compreendeu que para as hipóteses listadas, a exigência da reserva legal poderá ser dispensada em favor da garantia de serviços essenciais à coletividade.
A hipótese de desapropriação de áreas de reserva legal.
Um dos temas recorrentes nas Secretarias de Meio Ambiente e nos Institutos Ambientais diz respeito à possibilidade (ou não) de supressão de área de reserva legal em razão de procedimento administrativos de desapropriação para fins de realização de obras públicas, como é o caso da abertura de rodovias.
A área de reserva legal, diferentemente da área de preservação permanente, não possui regramento específico sobre as hipóteses que autorizariam a utilização das áreas para atender finalidade social ou de interesse público (art. 3º inciso IX e X). Desta forma, nas situações em que o Poder Público precisa, por exemplo, desapropriar área com reserva legal para implantar uma rodovia, surge um dissenso quanto aos seguintes itens: a) o Poder Público pode desapropriar área de reserva legal para implantar obra de interesse social ou de interesse público? b) Há condições ou especificidades quanto ao pagamento da indenização pela área?
Pois bem, à luz da jurisprudência, a resposta ofertada pelo Superior Tribunal de Justiça é a seguinte:
Hipótese “a”. O Poder Público pode desapropriar área de reserva legal para implantar obra de interesse social ou de interesse público?
O instituto da desapropriação não guarda limitações, constituindo o poder de império do Estado para alcançar o interesse público e o bem-estar da população. Dessa forma, mesmo nas circunstâncias em que a área objeto da desapropriação seja ou esteja localizada em área de reserva legal, o Poder Público, com fundamento no interesse social e/ou interesse público, poderá promover a desapropriação.
Hipótese “b”. Há condições ou especificidades quanto ao pagamento da indenização da área?
Fixada a possibilidade de realização da desapropriação em área de reserva legal, discute-se as condições ou especificidades do pagamento da indenização. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça - STJ possui entendimento de que a área de reserva legal em desapropriação é indenizável, pois não se confunde com a desapropriação indireta, conduto, condiciona o pagamento às hipóteses em que ocorre o esvaziamento do conteúdo econômico da propriedade; exigindo, inclusive à existência de plano de manejo aprovado pelo órgão ambiental; e, por fim, o STJ estabelece, ainda, que a área de reserva legal deve ser indenizada com valor inferior ao valor pago por área de uso irrestrito, ou seja, área sem qualquer tipo de limitação administrativa. Vejamos as jurisprudências:
REsp 1583705 / SP. RECURSO ESPECIAL. 2016/0012253-4/
ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRÁRIA. INDENIZAÇÃO. VALOR. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESERVA LEGAL. ABATIMENTO. CUSTOS DE RECUPERAÇÃO AMBIENTAL. BENFEITORIAS. NÃO LICENCIADAS. NÃO INDENIZABILIDADE. JUROS COMPENSATÓRIOS. ADI 2.332. RESP REPETITIVO 1.116.364/PI. JUROS MORATÓRIOS. RESP REPETITIVO 1.118.103/SP. TDA. INCIDÊNCIA. TERMO FINAL. EFETIVO PAGAMENTO. HONORÁRIOS. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA.
(...)
A área de reserva legal em desapropriação direta é indenizável, devendo ser excluídos, caso inexista plano de manejo aprovado, valores considerados a título de sua exploração comercial ou cobertura vegetal.
AgInt no AREsp 1243230 / SP. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2018/0026108-3
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AGRAVO INTERNO SUBMETIDO AO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. RESERVA LEGAL. AVERBAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO. DESCABIMENTO.
Decorre o presente recurso de demanda objetivando o cancelamento de averbação de área de reserva legal na parte que sobeja o percentual mínimo de 20% legalmente previsto, tendo em vista o indeferimento de pedido de desmatamento de vegetação nativa de cerrado formulado junto à Secretaria de Estado do Meio Ambiente; ou então, alternativamente, a condenação do ora recorrido ao pagamento de indenização - que abrangeria o valor da terra afetada e os lucros cessantes desde o aludido indeferimento administrativo.
Não há falar em ofensa ao art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015, tendo em vista que o acórdão recorrido apresentou fundamentação adequada no sentido de que o pedido indenizatório não é cabível, pois a área a maior foi averbada por ato de disposição de vontade e, não obstante, a propriedade rural não perdeu seu valor econômico.
A despeito da jurisprudência desta Corte no sentido de que a limitação administrativa não se confunde com a desapropriação indireta e dá ensejo a indenização quando esvaziado o conteúdo econômico da propriedade, o caso concreto tem a sua peculiaridade, pois a limitação administrativa aqui questionada não decorreu de ato estatal, e sim de ato de disposição de vontade do particular. É dizer, a impossibilidade de exploração econômica da área dessa averbação foi provocada pelo próprio particular, de forma voluntária, razão pela qual não é cabível imputar à administração pública o dever de pagar indenização.
Da posição adotada pelo STJ, notadamente a que autoriza o Poder Público a minorar o pagamento da indenização pelas áreas de reserva legal desapropriadas, há uma dúvida razoável quanto à ocorrência de vilipendio do principio da igualdade; pois, o proprietário de área com reserva legal, antes de tudo, promoveu a preservação de área ambiental com valor econômico imensurável e, cuja vegetação preservada possui valor econômico igual ou até maior de que qualquer outra vegetação comercial. Logo, a diferenciação no pagamento da indenização em razão dos atributos legais da área (área de uso irrestrito, área de preservação permanente e área de reserva legal), é inconstitucional sob o ponto de vista jurídico e sob o ponto de vista ecológico desestimula a preservação ambiental.
Conclusão.
Em face do exposto, conclui-se que o Poder Público pode realizar a desapropriação das áreas de reserva legal para implementar obras e serviços de interesse social ou de interesse público, sem necessidade de ouvir ou solicitar permissão à órgãos ambientais ou instituições de fiscalização, desde que demonstre a presença dos requisitos autorizativos da aplicação do instituto da desapropriação.
O artigo aponta, ainda, as condições para a realização do pagamento da indenização pela desapropriação à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
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