A CULTURA DO CONSUMO SUBVERTIDA NOS MAMONAS ASSASSINAS

10/08/2018

Coluna O Direito e a Sociedae de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

 

            Era inevitável não ouvir na década de 90 nas Rádios FM os hits dos Mamonas Assassinas. Lembro que estava na pré-escola no ano de 1995, e no rádio era fatal: banda mais pedida Mamonas Assassinas. As letras das músicas, todas com muita sacanagem, é verdade, nos enchia de energia, alegravam nossos dias, pois com toda inocência de uma criança eu não entendia seu verdadeiro sentido.

Nos finais de semana era inevitável: Mamonas Assassinas estariam em algum programa da TV. Reuníamos em frente à televisão para assistir os meninos de Guarulhos. Hoje, vinte e poucos anos depois, tenho convicção em dizer que os Mamonas Assassinas faziam arte com o intuito de retratar a dura realidade brasileira, principalmente no que diz respeito à cultura consumista impregnada no povo tupiniquim. Tenho certeza que não foi por acaso que Dinho cantou:

 

“(...) esse tal chopis centis é muito legalzinho, prá levar as namorada e dá uns rolêzinho (...) quando eu estou no trabalho, não vejo a hora de descer dos andaime, prá pegar um cinema, do Schwarzeneger e também do Van Damme (...) quantcha gente, e quantcha alegria, a minha felicidade é um crediário nas Casas Bahia (...)”.

 

Estariam eles prevendo o rolêzinho[1], que recentemente foi objeto midiático demonstrando com clareza a discriminação racial e social nos centros de consumo do país? Ou, seria, demonstrar a felicidade do indivíduo em abrir um crediário nas Casas Bahia para comprar uma televisão, em 24 vezes, para assistir o casal top of mind, da Rede Globo, falando da solução para os problemas de violência no Brasil?

Os Mamonas retratavam a realidade brasileira, os ritos de lazer, que também são ritos do consumo, quando se sai pra pegar um cineminha no final de semana. Após a exaustiva rotina de acordar cedo pela manhã e voltar para casa somente após as 22 horas. Por meio do sentido hilariante da realidade, o sujeito mediado pelo mercado põe sua satisfação na compra do aparelho televisivo. No mesmo movimento de telas quentes, Van Dammes e tais, o apresentador narigudo ilude os telespectadores no sonho da casa própria para famílias humildes, demonstrando a preocupação da emissora com a situação do povo brasileiro. O que fica entre a tela e o espectador é a intenção de manutenção dos anseios para construção de casas e cidadãos consumíveis. A criação dos desejos e necessidades recai no marketing das empresas que colaboram para reforma das residências e, finalmente, em dizer que a loja Ricardo Eletro é a melhor do Brasil.

A subversão do rock[2] do Mamonas Assassinas está na margem invisível entre a degradação da cidadania e do cotidiano do trabalhador brasileiro e a sociedade de consumo, em Cabeça de Bagre II, a desordem do contexto social invade a própria letra e leitura da música:

“Loucura, insensatez, estado inevitável

Embalagem de iogurte inviolável

Fome, miséria, incompreensão,

O Brasil é Treta Campeão [...]

A polícia é a justiça de um mundo cão

Mês de agosto sempre tem vacinação

Na política o futuro de um país

Cala a boca e tira o dedo do nariz”.

 

Por mais ininteligível que possa parecer, a direção da subversão da banda tocava o ouvinte brasileiro sabedor da ferida social inscrita no alarmante das mortes violentas por estas terras. Em 2017, por exemplo, chegaram ao número de 63.880[3] seres humanos vivos transformados em corpos inertes. Para mudar o futuro, segundo Mamonas, a política, mas logo em seguida, o ensino que deveria embasar a atuação dirige-se à massa com “cala a boca e tira o dedo do nariz”.

A irreverência das músicas traz em si a derrota de qualquer pretensão social em terras brasileiras, “Money se é good nós não have” escandaliza ao máximo a leitura da família consumista difundida culturalmente de norte a sul do país. Cultura do consumismo construída tijolo por tijolo, tela por tela, em cada domingo de alívio do trabalho exaustivo, o que nos resta é a felicidade de ter facas ginsu... Ambervision, frigi-diet, celular, Master-line, camisinha, camisola e Kamikases, graças ao bom crediário nas Casas Bahias, por óbvio.

 

 

Notas e Referências

[1] CATALAN, Marcos. Defendam Jerusalém! O rolezinho e a fragmentação do direito nos tribunais brasileiros. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba, 2017, vol. 9, n. 16, Jan.-Jun. p. 71-84.

[2] Para uma leitura sobre a função subversiva do rock ver: SCHWARTZ, Germano. Direito & rock: o BRock e as expectativas normativas da constituição de 1988 e do junho de 2013. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.

[3] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/08/mortes-violentas-avancam-e-batem-novo-recorde-no-pais.shtml

 

Imagem Ilustrativa do Post: money // Foto de: Matt Madd // Sem alterações

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