A Criminologia Forense (“Forensic Criminology”) – contributo para a modernização e “cientificização” da investigação criminal portuguesa

25/11/2015

Por Benjamim Silva Rodrigues - 25/11/2015

"Não obstante a actual e incontida erupção de metódicas que se querem mostrar avessas a uma qualquer rigidez na definição do caminho que é preciso percorrer para nos podermos defrontar com uma forma de raciocinar minimamente consistente – para que, assim, possamos dizer que se está perante uma nova disciplina –, é indubitável que a sólida exigência de metodologia, objecto e princípios próprios (autónomos) é ainda aquela que mais e melhor cauciona a qualificação de um qualquer “encadear lógico” como disciplina autónoma. Porque, na verdade, devemos ser claros e tudo fazer para que a clareza se imponha nos nossos trabalhos. E ao pensar-se desse jeito mais não estamos a fazer do que honrar um tipo de paradigma que desde a antiga Grécia tem iluminado o pensamento ocidental: a actividade que tem por fim o conhecimento deve reger-se por regras, tal como acontece em todas as outras actividades humanas em que há uma adequação dos meios às finalidades".

COSTA, José de Faria, Direito Penal Económico, Textos Jurídicos – Coordenação de José de Faria Costa, Livraria Quarteto, Coimbra, 2003: (1-128): 19-20.

1. Justificação ou provocação ao tema

Alguns órgãos de polícia criminal portugueses, como é o caso da tão prestigiada Polícia Judiciária, vangloriam-se de estar, hoje, no dealbar do século XXI, a investigar criminalmente à “CSI”, de um modo cientificamente empenhado e sério. Será assim? Poderá um órgão de polícia criminal, na sua tarefa de coadjuvação do Ministério Público, para a descoberta da verdade processualmente válida, ser, simultaneamente, um investigador (misturado e emaranhado no objecto de estudo) e cientista na sua “cruzada pela sua tese ou teoria científica” sobre a resposta a dar às perguntas clássicas acerca dos factos perturbadores que vai encontrando na cena do crime: Quem?, Como? Quando? Onde? Porquê?

Rotundamente, respondemos que não, mesmo no caso português, em que à Polícia Judiciária se atribui e reconhece um alto prestígio e níveis elevados de eficácia na investigação criminal[1]. E, isto, porque não é possível levar a cabo perícias científicas, mobilizando as ciências forenses, sem ter um distanciamento necessário do “rumo” do processo. Alguém está à espera que a Polícia Judiciária, nas suas impropriamente propagandeadas “perícias” se descomprometa de buscar “aquela verdade” que anseia e quer para firmar, teimosamente ou não, a sua “teoria”, colando-a ou remendando-a, au fur et à mesure que a investigação se vai adensando ou ganhando novas dimensões?

Ciente disto, desta “fragilidade” da investigação criminal em Portugal, decidimos, após estudar exaustivamente os vários paradigmas de investigação criminal e forense, procurar lançar os alicerces de uma nova e moderna investigação criminal, cientificizada e postas nas mãos dos “cientistas forenses”: os criminólogos forenses.

Chegou a hora da Criminologia Forense.

É preciso, verdadeiramente, compreender qual é o objecto desta nova “ciência” no seio da designada “Enciclopédia das Ciências Criminais”, quais são os seus princípios estruturantes, qual é o seu método, as suas características. Mas, mais do que isso, é preciso dar um passo em frente: ter a ousadia de reconhecer o criminólogo forense como um novo, necessário e imprescindível “actor” do processo penal.

Os modelos são variáveis: i) O modelo do criminólogo forense policial e cientista; ii) O modelo do criminólogo forense cientista ou “laboratorial”; iii) O modelo do criminólogo forense independente. Naturalmente, inclinamo-nos para este último modelo em que teremos novos profissionais que irão auxiliar os órgãos de polícia criminal mediante análise da cena do crime, das evidências, das provas e seu contexto temporal e espacial. O criminólogo forense vai à cena do crime acompanhado pelos órgãos de polícia criminal que “cristalizam a cena do crime”, impedem o acesso de estranhos, assim permitindo ao “cientista forense”, com meios técnicos adequados, ver para além do nível do “exame” – uso dos nossos sentidos – e entrar no campo do saber “pericial”, mobilizando conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos.

Neste pequeno estudo, que se quer pequeno em tamanho mas se espera fértil em implicações, procurou levantar-se o véu daquilo que, depois, mais desenvolvidamente, o leitor poderá encontrar na obra votada à matéria da “Criminologia Forense” (Forensic Criminology)[2]. Daremos uma pequena definição e contextualização do que entendemos por “criminologia forense”, que princípios e características pairam neste campo de saber e justificam a autonomia dogmática desta disciplina, bem como o método típico que o criminólogo forense deve adoptar na investigação criminal, tal qual modernamente a pretendemos e entendemos.

2. A “Criminologia Forense” enquanto específica área de compreensão do fenómeno criminal na sua integralidade jurídico-política e político criminal com vista à investigação, explicação e comprovação probatória do inteiro “processo de produção” da moderna delinquência num contexto de um método científico “ideográfico-nomotético, semiótico, dinâmico-reversivo e teleológico-funcional e racionalmente orientado” de recolha, conservação, transporte, análise pericial e apresentação forense dos vestígios e indícios do crime subjectivamente direccionados para o criminoso

A Criminologia do século XXI já pouco tem a ver com a que, em tempos idos, do século XIX, começou a despontar, já que, fruto da vertigem tecnológica, as modernas sociedades se aproximaram e a noção de “espaço-tempo”, numa espécie de ironia relativista e “einsteiniana”, esbateu-se e anulou-se. Tudo se vive ao segundo, tudo se sabe num segundo, tudo acontece num segundo. As descobertas científicas e tecnológicas sucedem-se, “em catadupa”, momento a momento. Num mundo assim, também se compreende que as ciências sociais, humanas e normativas disso igualmente se ressintam. Banalizou-se, no nosso fugaz e voraz tempo, a figura do “idiot savant” e do “idiot lettré”, pois, no mundo académico e das ciências humanas, todos cultivam o seu “arrátel de glória” e, não poucas vezes, para isso, oferece-se “gato por lebre” – que é como quem diz, noutras paragens, oferece-se “junk science” (“má ciência”[3]). Ora, também aqui, reivindicando-se a autonomia de uma nova disciplina (forense), afigura-se imprescindível que não nos precipitemos e que façamos a “via-sacra”, tida por imprescindível, não para nos redimirmos de algum pecadilho entretanto cometido, mas para evitar cair no pecado da “falsa cientificidade”, da “ciência-lixo” (ou “ciência-sucata”) (“junk science”)[4], e, assim, prestar um mau serviço à Justiça. Não cremos, muito sinceramente, que seja o caso. Não acreditamos que a Criminologia Forense seja uma “falsa ciência”, que não tenha validez e validade para auxiliar o Direito (Processual) Penal ao nível da compreensão do complexo fenómeno criminal na sua integralidade jurídico-política e político criminal. A Criminologia Forense não visa especular abstractamente e formular leis ou teorias, mas visa, isso sim, a partir de uma “amostra-crime-problema” formular hipóteses (de trabalho) e concluir por juízos técnico-científicos plausíveis, credíveis e cientificamente ancorados acerca das causas do crime ou da delinquência “sob investigação”. Formula-se uma hipótese explicativa, sobe-se do particular ao geral, caminha-se “indutiva” e “dedutivamente” na longa via da compreensão racional, lógica e jurídico-discursiva, com vista a atingir-se um “consenso racional discursivamente obtido” em diálogo com todos os “saberes” da comunidade científica implicada. Não é uma tarefa solitária, no que ao método respeita, já que se exige, por limpidez intelectual, racional e democrática, que haja discursividade intertextual, inter-científica, rectius, inter e multi-disciplinaridade. O que não significa que esteja vedado[5] à Criminologia Forense socorrer-se de teorias ou doutrinas, senão mesmo leis científicas, de várias “ciências forenses”, para inteligir e explicar, causal e factorialmente, o crime sob investigação criminal. Bem pelo contrário. De facto, a Criminologia Forense vai “especular”, a partir do caso concreto, formulando racionais compreensões, soluções e justificações para o caminho, rumo à verdade, que se propõe encetar, com vista a demonstrar, em juízo, de um modo dinâmico-reversivo e dialogante (teleológico-funcional e racionalmente orientado) as “razões” da sua específica “razão” de entender que o caso problema “crime” deve ser objecto da resolução A e não da resolução B. O método tem, ainda, um carácter semiótico, já que se exige ao criminólogo um “olho clínico” para os “pormenores”, os detalhes, visto que todos os vestígios ou indícios que estão na cena do crime e “teleológico-funcionalmente” o irão racionalmente orientar e levar a certos “trilhos explicativos” ancorados em conhecimento de natureza eminentemente científico. Para firmar este caminho, o criminólogo forense, dependendo da específica área de criminalidade, vai mobilizar o específico tipo de conhecimento científico que lhe permitirá, de um modo racional e científico, apontar e responder às questões ligadas à investigação de um crime (Quem?, O quê?, Como?, Quando?, Onde?, Porquê?)[6]. Dentro da Criminologia Forense haverá necessidade, por força da especialização e aprimoramento dos vários conhecimentos técnico-científicos mobilizados, que reconhecer sub-áreas de especialização[7]. Todavia, não cremos que isso vá influir, no que quer que seja, na nossa convicção de que, presentemente, se verificam os pressupostos que, em geral e especial, a comunidade científica entende por imprescindíveis para nos levarem justificadamente à identificação, sensibilização e afirmação da presença de uma nova disciplina imbricada na investigação criminal e explicação do fenómeno do crime – a Criminologia Forense. De facto, e sem prejuízo do que se dirá, detalhadamente, mais adiante, podemos identificar um objecto “sui generis” e que se prende com o “enfeudamento” a uma “amostra-problema-crime” (a exigir uma “amostra-referência-re-solução”) – que suscita várias questões a que a investigação criminal pretende dar cabal resposta – a resolver por meio de conhecimentos técnico-científicos oriundos de uma ou mais áreas das ciências fisiológicas, sociais, forenses, digitais, etc., e que, por isso, geram especializações ou sub-áreas de estudo dentro da ampla Criminologia Forense.

Daí que, sem qualquer temor, mas com firme propósito de circunscrever as suas fronteiras, se possa, desde já, sem prejuízo dos desenvolvimentos e aprofundamentos posteriores, afirmar que a “Criminologia forense” deve ser perspectivada enquanto específica área de compreensão do fenómeno do crime na sua integralidade jurídico-política e político criminal com vista à investigação, explicação e comprovação probatória do inteiro “processo de produção” da moderna delinquência mediante o uso de um método científico “ideográfico-nomotético, semiótico, dinâmico-reversivo e teleológico-funcional e racionalmente orientado” de recolha, conservação, transporte, análise[8] pericial e apresentação forense dos vestígios e indícios do crime subjectivamente direccionados para o criminoso (suspeito ou arguido).

Na Criminologia Forense podemos identificar vários princípios ditos “forenses” que se juntam, mas distinguem, dos actuais e gerais princípios do processo penal. Ora, dada a exiguidade e limitações do presente estudo, tocaremos apenas nos princípios da “cientificidade forense” e do controlo ou (segurança e da proibição de contaminação ou) da manutenção da “cadeia de custódia” (“chain of custody”).

3. Alguns princípios criminológico-forenses estruturantes

3.1. O princípio da “cientificidade forense” (imparcialidade, autonomia, independência, integridade, pluralidade democrático-científica, fidelidade, rigor, compromisso, probidade e adesão a um “padrão ético-social mais elevado”)

O princípio da “cientificidade forense[9] pretende traduzir a ideia de que o criminólogo forense, na análise pericial, de investigação-exploração-explicação (da “cena do crime”), que irá efectuar, deverá respeitar, simultaneamente, as regras de produção do conhecimento científico e, ainda, essoutro jurídico. De facto, podemos ter uma prova não científica – não respeita as regras da cientificidade; podemos ter uma prova científica mas não juridicamente suportável; podemos ter uma prova não científica e juridicamente suportável; podemos ter uma prova científica e juridicamente suportável. Naturalmente, o caminho a seguir é este último. Ora, como se atingir a “cientificidade forense”, ou seja, a explicação das causas do crime à luz das regras das ciências forenses e dentro do paradigma de investigação e perseguição criminal positivado em certo ordenamento jurídico à data em que se actua? A “cientificidade forense” manifesta-se, em nosso jeito de ver as coisas, por meio da presença das características da (i) imparcialidade, (ii) autonomia, (iii) independência, (iv) integridade, (iv) pluralidade democrático-científica, (v) fidelidade, (vi) rigor, (vii) compromisso, (viii) probidade e (ix) adesão a um “padrão ético-social mais elevado”. Chegados aqui, urge, com o devido e merecido desenvolvimento, explicar em como cada um desses vectores analíticos contribui para a implementação ou aumento dos níveis de “cientificidade” e, desse jeito, afirmar a “força probatória plena”[10]. O criminólogo forense tem de ser imparcial[11] (ou “profissional”[12]) o que significa que, na sua actividade de perito forense, nunca deve assumir ou tomar partido, a priori, por uma qualquer das partes, nem mesmo a que o contratou! A imparcialidade permite “limpidez” ou arbitrariedade nos caminhos e modos de explorar e analisar a “amostra-problema-crime” que lhe é posta sob os olhos, senão mesmo sob o “microscópio da ciência (forense mobilizada)”. O que coloca, à semelhança com o que ocorre com outras profissões forenses[13], o delicado problema de saber se tal profissão – a de criminólogo forense –, que exige liberdade e autonomia intelectuais, e que não se compadece com “instruções de serviços”, é compatível com um “vínculo de subordinação jurídica” típico de uma relação laboral. Sendo criada a profissão de “criminólogo forense”, como a idealizamos, com todas as garantias de profissionalismo e estatutório-deontológicos, não vemos como tal vínculo, relativamente a um laboratório, possa “quebrar” ou “inviabilizar” a “cientificidade forense”. Naturalmente, há outros factores a atender, mormente a boa formação educacional, cívica e académica dessa pessoa. No que respeita à nota da autonomia, pretende-se significar que o conhecimento científico depende sempre da existência de uma autonomia científica, ou seja, a total ausência de “vassalagens académicas” ou “obrigatória subscrição de teses”[14]. Trata-se de um problema muito candente e recorrente em Portugal, não se duvide disso! Há, sobretudo no mundo do direito, duas escolas que classicamente se “digladiam”: a Escola de Direito de Coimbra; a Escola de Direito de Lisboa. Note-se que, mesmo no acesso às magistraturas, por via de concurso público, com provas a ocorrerem no Centro de Estudos Judiciários, há algumas preferências pelos alunos de uma ou outra escola, consoante a origem do examinador ou a “escola em voga”. Naturalmente, com os tempos e novas gerações, o problema tem-se esbatido, mas continua vivo e longe de se encontrar erradicado. Ser autónomo e “intelectualmente democrático” é pensar por si, olhando à volta das academias e comunidades científicas, e seguir, motu proprium, o caminho que, em consciência, se considera mais adequado, sem menosprezo dos vários cultores do direito e independentemente da Escola que representem. Não ser “autónomo” é estar-se, a priori, avesso a considerar esta ou aquela teoria só porque é subscrita por este ou aquele cientista[15]. Trata-se, verdadeiramente, como o ensinam os filósofos da epistemologia, de um verdadeiro “obstáculo epistemológico” (GASTON BACHELARD) ou “entrave ao saber”, porque é um “menos saber” à partida. O criminólogo forense pensa pela sua cabeça, mas usa a sua cabeça e tudo o que de bom encontra nas “outras cabeças”, ou seja, no pensamento científico alternativo, divergente ou corroborante daquele que preconiza e defende. O criminólogo forense tem de depender só de si, devendo não ficar manietado, por via técnica ou económica, ao nível da sua liberdade de acção e pensamento. A independência é, aqui, defendida e implementada através de um são processo de investigação e aplicação da ciência forense mobilizada. Não devem existir interesses económicos, como será o caso de uma empresa que vende um produto e financia o laboratório do criminólogo forense, a toldar ou “condicionar” a actuação do criminólogo forense. Na verdade, suponha-se que um criminólogo forense inventou uma técnica de investigação forense – como o fez LAWRENCE A. FARWELL relativamente ao “Brain Fingerprint” – e, de ora em diante, mesmo sabendo que a mesma não tinha valia para um dado caso, passava a adoptá-la porque ao fazê-lo ganhava uma dada comissão. Ora, além de deontologicamente censurável, esta conduta demonstra uma total ausência de independência, quer profissional, quer económica. O criminólogo tem de actuar em condições sócio-económico-profissionais “neutras” e “democráticas”[16]. Tão importante como a imparcialidade, autonomia e independência, é a integridade. O que é ser-se “íntegro”? Trata-se da qualidade daquele que mantém, perante si e perante os outros, intactas as suas qualidades humanas e profissionais. Quando se diz que alguém é “íntegro” está-se, na maior parte das situações, a reportar que ele “não se vende”, que ele não admite “subornos” para efectuar isto ou aquilo. A integridade do criminólogo forense é a senha da sua entrada, com sucesso e convicção, no areópago judiciário, pois, perante os actores forenses, os sujeitos e participantes processuais, ele vai gerar, com aquela “virtude”, o valor da confiança. O valor da confiança, nos profissionais, é de extrema importância. Naturalmente, este valor também é dinamizado pelo “segredo” ou “sigilo profissional”, já que as pessoas que se socorrem dos profissionais (forenses ou não) sabem que ele está obrigado a segredo, sigilo, reserva ou confidencialidade[17]. No que respeita à necessidade de “pluralidade democrático-científica”, trata-se de o criminólogo forense não dever, propositadamente, ignorar determinadas técnicas ou conhecimentos científicos que são usados por outros profissionais ou cientistas, mesmo que não sejam da sua área, academia (Escola) ou país de formação. Trata-se de um imperativo democrático imposto à comunidade científica e intelectual nos tempos modernos, já que daí advêm ganhos de maior objectividade, rigor e “cientificidade”. Não é por acaso que, como já se viu, mais do que uma vez, a jurisprudência norte-americana apela para a necessidade de as técnicas ou metodologias científicas terem sido alvo de publicação e revistas pelos “pares”, por aqueles que “cultivam o inovador específico campo do saber” que gerou novas técnicas ou conhecimentos científicos. Porquê? Pela liminar razão de que, assim, os conhecimentos são democraticamente escrutinados, moldados e validados (ou não!). Ninguém duvidará da cientificidade de uma técnica se, após publicação, ela teve a adesão de um prémio nobel nessa área científica; ou, ainda, se todos os doutores da comunidade científica internacional a reconhecem e imediatamente a usam. Uma outra nota que contribui para a “cientificidade forense” é a que se reporta à ideia de “fidelidade”. O que é ser-se fiel, neste contexto científico? Trata-se, sobretudo, de sobrestar ou impedir que, de forma torpe, vil e enviesada, se apresentem determinados resultados como científicos por comprovação técnico-experimental falsa ou que nunca existiu. Portanto, o criminólogo que apregoar um dado resultado e mobilizar uma específica técnica, que nunca utilizou para atingir o proclamado resultado – e que a mesma nunca atingiria por não ser adequada para o efeito –, está a faltar com o seu compromisso de fidelidade à ciência e ao direito. O que nos leva, de imediato, para uma outra característica: a falta de rigor. Com a falta de rigor estamo-nos a reportar aos casos em que se “força a camisa das leis científicas” para se meterem lá “realidades fácticas” que as mesmas não comportam ou dificilmente suportam. Dito de outro jeito não menos preciso, há falta de rigor quando se aligeiram procedimentos e se introduzem, em verdadeiros “saltos lógicos”, conclusões não coonestadas ou experimental e cientificamente comprovadas à luz das regras científicas do campo de saber mobilizado. Ora, também aqui, estaremos perante criminólogos forenses com míngua de escrúpulos. Note-se que o legislador impede a falta de rigor, já que, como já se disse anteriormente, por força do artigo 91.º, n.º 2, do CPP, o criminólogo forense assume um compromisso de fidelidade às funções confiadas pelas entidades judiciárias ou policiais em matéria de análise pericial dos “indícios” ou “vestígios” constantes da cena do crime. E, fá-lo porque vai mobilizar conhecimentos técnico-científicos e forenses que sabe, à partida, que o juiz, muito provavelmente, não deterá, et pour cause, não poderá colocar em causa o resultado pericial encontrado para a “amostra-problema-crime”. Verifica-se, por isso, que este compromisso com o rigor e fidelidades às funções, se afigura importantíssimo para o efeito probatório inabalável que denuncia o artigo 163.º, do CPP, ao afirmar que tal juízo (do criminólogo) está arredio da sua “livre apreciação”, de tal modo que a sua “íntima convicção” há-de coincidir com a explicação criminológico-forense prestada. Tudo isto, naturalmente, se o juiz, por si e em si, não for já um “criminólogo forense”, ou seja, detiver os conhecimentos técnico-científico-forenses mobilizados para a análise pericial. O compromisso do criminólogo forense é com as ciências forenses e as regras da racionalidade científica e jurídica. O criminólogo forense tem de ser probo. Exige-se que este profissional seja bom, honrado e apresente níveis elevados de honestidade. E tudo isto porquê? Porque se trata dos “anti-corpos” essenciais para combater os “vírus intelectuais das fraudes”[18]. A probidade apela, aqui, para uma certa reserva, para níveis de honestidade (intelectual e outra) elevados, mas também para a ideia de recato, reserva e de se ser alguém que é comedido e intelectualmente cauteloso. Ser probo é ser comedido, não ser demasiado “aventureiro”, dar os passos certos de modo intelectualmente fundado, não ser fantasioso ou exuberante ao nível dos resultados que apresentar. Por último, o valor da “cientificidade forense” serão tanto maior quanto mais elevado for o “padrão ético-social” do criminólogo forense. O que é que se pretende significar? Trata-se de apelar para o “bom senso ou razão”, a que alude RENÉ DESCARTES, no seu “Discurso do Método”, e que é suposto todos terem (já que é a coisa melhor distribuída do mundo), mas são poucos o que usam devidamente tais “talentos”. Tem de se respeitar as regras sociais e de boa educação. O criminólogo forense, em Tribunal, tem de ser cortês, educado, polido, actuando sem arrogância, petulância, sobranceria intelectual, com a certeza que as maiores alegrias das profissões é o reconhecimento da seriedade, honestidade e empenho que as pessoas demonstram no seu diário agir profissional, social, familiar[19] e cívico. O “padrão ético-social mais elevado[20] varia, em cada sociedade e época temporal, pelo que se exige sempre uma atenção para os valores da concreta sociedade onde nos inserimos profissionalmente. É certo que hoje já não há uma “moral dominante”, ao menos nas modernas sociedades, mas ainda se faz alusão a uma cláusula que apela para as boas práticas sociais, regras de etiqueta, educação, profissionais e deontológicas – é a cláusula da “ordem pública” e dos “bons costumes” a que dão expressão os artigos 22.º e 280.º, n.º 2, do Código Civil.

3.2. O princípio do controlo ou (segurança e da proibição de contaminação ou) da manutenção da “cadeia de custódia” (“chain of custody”)

O princípio do controlo ou segurança (ou da proibição de contaminação) ou da manutenção da “cadeia de custódia” tem um significado preciso em matéria de “prova científica”, já que se exigem adequados níveis de controlo e segurança nos processos da produção deste tipo de prova. Uma expressão positivada de tal princípio pode ser encontrada na legislação processual penal complementar que permite uma prova “científico-genética e forense” de identificação criminal por meio de perfis de ADN[21]. O artigo 31.º, da Lei n.º 5/2008, refere, no seu n.º 1, que as amostras devem ser conservadas em lugar seguro, sem possibilidade de identificação imediata da pessoa. Ademais, por força do n.º 2, verifica-se que as amostras serão alvo de conservação no INML, sem prejuízo de poderem ser celebrados protocolos com outras entidades que igualmente garantam as condições de segurança e confidencialidade. Proíbe-se, ainda, a cessão das amostras a outras entidades. Adscreve-se, à conservação, no artigo 32.º, do citado diploma, a única finalidade de «realização de análises e de contra-análises necessárias às finalidades de identificação civil e de investigação criminal». Com vista a reafirmar o princípio do controlo da cadeia de custódia, o artigo 33.º estabelece um elenco apertado de pessoas que podem aceder a tais dados e amostras. O controlo, a segurança e a garantia de não contaminação são vertentes ou aspectos do princípio da “cadeia de custódia”. Sem uma documentação precisa de todos os passos e pessoas que acederam às coisas ou substâncias biológicas usadas para a produção de prova científica inexistirá valor e força probatória, sendo a mesma desprovida de qualquer validade e sentido para o processo penal.

4.1 Conclusões ou teses

É chegado o momento de encerrar o estudo com algumas conclusões ou “teses”:

I – A Criminologia Forense faz uso de um conhecimento científico – específico da “área das ciências forenses” em que se situa –, de uma metodologia “encarreirada” de modo ideográfico-nomotético, semiótico, dinâmico-reversivo e teleológico-funcional e racionalmente orientado para a explicação (“científica”) das causas de todo o processo (ou “integral”) do crime, mediante a recolha, conservação, análise (pericial) e apresentação dinâmico-reversiva dos resultados “problemas” iluminados pelos específicos conhecimentos forenses implicados num dado e concreto tipo de crime alvo de estudo/investigação criminal.

II – A Criminologia Forense está aí, como o denunciam o seu específico e autónomo objecto, o seu método e as diversas publicações que se vão multiplicando e formam, hoje em dia, uma literatura já dificilmente abarcável.

III – A criminologia forense surge-nos, assim, como uma ciência que, fazendo jus a específicos conhecimentos científicos, colhidos em vários ramos das ciências naturais, os mobiliza e aplica na prevenção, detecção, explicação e comprovação probatório das concretas causas de um “crime-problema” apresentado, com vista a que as instâncias formais de controlo permitam prova a obtenção de prova “bastante” e “para além de qualquer dúvida razoável” para identificar quem, como, quando e porquê levou a cabo uma específica actividade criminosa ou delinquente.

IV – A Criminologia Forense é uma ciência auxiliar do Direito Penal, pelo que ela tem lugar tanto na “enciclopédia das ciências criminais” quanto na “ciência conjunta (total ou global) do direito penal”. Entra nestes “areópagos forenses” pela mão da Criminologia, pois, sendo, por natureza, “Criminologia Aplicada” (outros preferem “Criminalística” ou, no termo anglo-saxónico “criminalistics”) não renega (ou pode renegar) a sua origem.

V – Não acreditamos que a Criminologia Forense seja uma “falsa ciência”, que não tenha validez e validade para auxiliar o Direito (Processual) Penal ao nível da compreensão do complexo fenómeno criminal na sua integralidade jurídico-política e político criminal. A Criminologia Forense não visa especular abstractamente e formular leis ou teorias, mas visa, isso sim, a partir de uma “amostra-crime-problema” formular hipóteses (de trabalho) e concluir por juízos técnico-científicos plausíveis, credíveis e cientificamente ancorados acerca das causas do crime ou da delinquência “sob investigação”. Formula-se uma hipótese explicativa, sobe-se do particular ao geral, caminha-se “indutiva” e “dedutivamente” na longa via da compreensão racional, lógica e jurídico-discursiva, com vista a atingir-se um “consenso racional discursivamente obtido” em diálogo com todos os “saberes” da comunidade científica implicada.

VI – A “Criminologia forense” deve ser perspectivada enquanto específica área de compreensão do fenómeno do crime na sua integralidade jurídico-política e político criminal com vista à investigação, explicação e comprovação probatória do inteiro “processo de produção” da moderna delinquência mediante o uso de um método científico “ideográfico-nomotético, semiótico, dinâmico-reversivo e teleológico-funcional e racionalmente orientado” de recolha, conservação, transporte, análise pericial e apresentação forense dos vestígios e indícios do crime subjectivamente direccionados para o criminoso (suspeito ou arguido).

VII – A Criminologia Forense não se deve confundir com a Criminologia, não só porque, numa e certa perspectiva, esta última é mais do que aqueloutra, mas, igualmente, porque numa outra visão das coisas, aqueloutra é muito mais (especializada) do que estoutra. Trata-se de campos distintos, embora geneticamente com um “étimo científico de base comum” – as causas e todo o processo do crime e/ou da criminalidade –, já que a Criminologia Forense encontra-se sempre “enfeudada” a uma análise (científica ou pericial), simultaneamente, “idiográfica e nomotética, semiótica e teleológico-funcional e racional (orientada)”, privilegiando-se um método que, face à equação “amostra-crime-problema”, a vai resolver com a (“amostra-referência-re-solução”) mobilização de conhecimentos científicos específicos – geralmente da área forense mais performante para o caso – que vão ajudar a formular hipóteses que visam apenas esclarecer e explicar quem levou a cabo aquele crime, como o fez, quando o fez, porque o fez, etc.

VIII – A criminologia não é uma ciência de simples intersecção ou de colaboração das várias “ciências forenses”, já que, em nosso jeito de ver as coisas, se traduz num novo e específico tipo de conhecimento normativo-científico que visa a explicação das causas do fenómeno do crime com vista ao seu aproveitamento probatório. O que implica um esforço e rigor metodológicos acrescidos, visto que a criminologia forense, em vários aspectos da lide processual penal, tem uma palavra a dizer.

IX – A Criminologia Forense é uma criminologia da prática. A Criminologia Forense desce ao particular, problematiza-o teoricamente, subindo novamente ao geral, formulando teorias e leis, descendo novamente ao “teatro” judicial e explicando o crime de modo cientificamente fundado e em termos lógico-discursivos e juridicamente consensuais, válidos, correctos e verdadeiros. A Criminologia Forense é, por isso, trespassada por uma “lógica dinâmico-reversiva” já que se lhe exige, quer no laboratório, quer no Tribunal, que faça o caminho “de ida e de volta” à cena do crime, de um jeito racionalmente (e cientificamente) perceptível pelos actores forenses e sem atraiçoar as regras da razão racional em geral e, da discursividade jurídica, em particular, bem como essoutras do conhecimento científico, com vista à correcção, consensualidade, veracidade e justiça das suas asserções criminológico-forenses.

X – O objecto da Criminologia Forense é sempre uma “amostra-problema-crime” que urge esclarecer (“amostra-referência-re-solução”) à luz de conhecimentos científicos ou “forenses” (“ciências forenses”), mas sempre iluminado pela quadrilha que o ordenamento jurídico vai iluminando, de tal modo que o criminólogo forense não pode montar a sua tenda “fora do ordenamento jurídico” ou fora do “contexto processual específico”.

XI – A Criminologia Forense possui um específico e autónomo objecto de estudo, regras e princípios próprios, bem corroborados por uma metodologia de investigação forense enquadrada no modelo forense de investigação criminal forense (geral) – o “modelo ideográfico-nomotético, semiótico, dinâmico-reversivo e teleológico-funcional e racionalmente orientado”.

XII – Aliando à discursividade científica a discursividade jurídica, mediante união de uma racionalidade geral e, ainda, de uma outra de índole particular – como o é a lógica discursiva jurídica –, o criminólogo forense está em condição privilegiada para auxiliar o julgador, pois tem uma visão integradas da “amostra-problema-crime” e mobiliza conhecimentos científicos e forenses específicos que nem sempre estão ao alcance do julgador.

XIII – A Criminologia Forense, inegavelmente, acrescenta algo mais à Criminologia e às “ciências criminais”, entrando, por mérito próprio, no salão nobre da “enciclopédia das ciências criminais”, sendo a sua filha mais nova e mais pródiga, tais são os índices qualitativos de segurança, veracidade, justiça que se ganham e introduzem ao nível da investigação criminal do fenómeno de produção do crime ou delinquência.

XIV – O criminólogo forense há-de legitimar-se na comunidade científica do seu específico saber, daí que se lhe peça que abranja uma área de saber reduzida, circunscrita, em matéria de explicação das causas e factores do fenómeno de produção do crime. Exige-se-lhe, face ao criminólogo “clássico”, um “acréscimo” ou “plus” de saber, de tal modo que, com a redução do seu campo e objecto de estudo, venha a verificar-se, de modo proporcional ou superior, para efeitos de “compensação” (da dita redução do campo de saber), um aprofundamento analítico, um aprimoramento do seu específico juízo técnico-científico e forense. Sai-se do campo do estudo extensivo para se entrar, fecundamente, segundo julgamos, para a investigação criminal, no campo diametralmente oposto do estudo intensivo, analiticamente empenhado e forense e juridicamente explicador e comprovador.

XV – A moderna criminologia forense: i) Faz uso de juízos eminentemente científicos ou técnico-científicos, apelando para específicas áreas das “ciências forense” ou, ainda, de outras ciências sociais, humanas, etc.; ii) Faz uso de juízos teóricos praticamente orientados ou iluminados por uma “amostra-problema-crime”, de tal modo que os eventuais conhecimentos teoréticos são sempre “enfeudados” à sua pertinência ou não para a explicação do fenómeno criminoso sob investigação; iii) Verifica-se um efeito de “atracção-aglutinação” e de “pluri-inter-disciplinaridade” entre os diversos saberes ou conhecimentos científicos ligados às várias ciências sociais e que são mobilizados, com “naturalização”, pela Criminologia Forense, para a explicação ou contextualização da “amostra-problema-crime”; iv) Os juízos técnico-científicos forenses são legalmente sustentados e enquadrados, de tal modo que não basta a verdade científica, mas é ainda mister que presente esteja a correcção, verdade ou consensualidade específica e típica da lógica discursiva jurídica mobilizada.

XVI – O específico conhecimento, de natureza técnica e científica, advindo da Criminologia Forense, é um conhecimento jurídico e cientificamente recortado, pois de nada vale a emissão de um juízo técnico-científico se ele é levado a cabo à margem do paradigma ponderado e codificado da investigação criminal forense. Os conhecimentos técnicos e científicos não podem ser formulados ou obtidos de modo não legalmente admissível.

XVII – O princípio da “cristalização” ou “congelamento probante” ganha especial acutilância no momento de abordagem à cena do crime. Pretende-se que se adoptem mecanismos (barreiras físicas, recolha para envelopes lacrados, uso de luvas, etc.) que permitam que a prova recolhida não se deteriore ou ganhe “novas qualidades” (putrefacção, deterioração, segmentação, desmembramento, separação, divisão, etc.). O que significa que os cuidados “prévios (à abordagem) à cena do crime”, com o uso de luvas, fatos adequados, etc., visa que a prova que é encontrada na cena do crime possua, passado algum tempo, as mesmas características “locardianas”, ou seja, que nela continuem a encontrar-se vestígios do “toque” ou da “troca” (“por transferência”) que aquele específico objecto (contém ou é a prova) “probatório” envolve. Cristalizar ou congelar é fazer parar as características de alterabilidade dos indícios, vestígios, objectos, pessoas e cadáveres encontrados na cena do crime. Trata-se de levar a cabo o “bloqueio artificial”, por meio dos métodos de isolamento e prevenção do “efeito de contaminação” ou, ainda, do “natural efeito derivado da exposição aos factores naturais” (chuva, sol, vento, frio, etc.).

XVIII – O princípio da exploração sistemática dos “vestígios” ou “indícios” da cena do crime por via do aconselhamento criminalístico-forense pretende traduzir a ideia de que tudo o que se encontra na cena do crime deve ser documento já que pode ter um significado que, à primeira vista, não é perceptível, mas que, posteriormente, após análise técnico-científica, se torna visível e plurissignificativo para elucidar e responder às principais questões implicadas em dado crime.

XIX – O princípio da “troca” ou do “toque” (LOCARD Exchange principle/LOCARD´s theory), oriundo dos ensinamentos de EDMOND LOCARD, no presente contexto, pretende significar que o criminólogo tem de ter a especial atenção para o facto de que em qualquer acção ou interacção dos indivíduos entre si e com os objectos, embora nem sempre disso nos apercebamos, ficam rastos, marcas, “vestígios” ou “indícios” que são “identificadores” de certos factos (tempo, espaço, conduta, etc.) e, por isso, possuidores de “qualidades probatórias”. Cada ‘visitante’ da cena do crime, onde a conduta criminosa foi executado, corre o risco, se não adoptar especiais cautelas, de “trazer algo” para dentro da cena do crime sob investigação criminal. Cada contacto – humano ou de objectos – deixa um específico rasto, “indício” ou “vestígio” que urge interpretar correctamente.

XX – O princípio da singularidade ou unicidade (individualidade ou individualização) (de PAUL LELAND KIRK) pretende traduzir a ideia de que, se é certo que é um absurdo lógico-filosófico dizer-se que duas coisas são idênticas ou que uma coisa é idêntica a si mesmo (nada dizer), o problema da criminologia forense não é tanto o de diferenciar dois objectos entre si, cuja dedução é imediatamente possível ou obtida a partir da posição geográfica destes no espaço, mas aceitar tomar o risco de afirmar uma única fonte de dois vestígios ou objectos com matrizes de identificação necessariamente diferentes.

XXI – O princípio da optimização do princípio de EDMOND LOCARD significa que, ao criminólogo, se lhe exige, por meio da via experimental e técnico-científica, que esteja em condições técnicas de, em cada cena do crime, proceder à identificação dos diversos parâmetros de identificação que influem sobre a transferência. Ninguém consegue aperceber-se da transferência de um vestígio se ele não souber reconhecer a sua presença.

XXII – O princípio do “signo” ou da “sinalização semiótica” pretende traduzir a ideia de que o criminólogo forense tem de estar atento aos “signos” ou “sinais” que a cena do crime, constante e incessantemente, “emite”, ainda que nela, à (primeira) vista desarmada, nada se veja, nada se evidencie. Só que, tida esta cautela inicial – de olhar para o que não se vê –, bem como a certeza de que o “nada da cena do crime”, afinal, é uma “variedade e multiplicidade” de objectos, rastos, “vestígios” ou “indícios” que, sem falharem, começarão inevitavelmente a “falar” logo que o criminólogo os aborde e analise correcta e detidamente. O queé não é (ilusão ou confusão – desvalorização ou inaptidão do “indício” ou “vestígio” para a prova). O que “não é” é (surpresa ou descoberta – valorização do desconhecimento com fonte concreta de prova). O que “nem parece ser” acaba por “ser”. O “nada” é. E, dificilmente, numa cena do crime, o “nada” será efectivamente um “nada”.

XXIII – O princípio da não contaminação ou da manutenção da “cadeia de custódia” (“Chain of custody”) liga-se a este problema da necessidade de “não contaminação” ou não desrespeito pela “cadeia da custódia” (“chain of custody”), ou seja, a documentação ou “tracejamento documental” de todas as etapas e intervenientes num processo de recolha e/ou tratamento de uma dada prova. Trata-se de estabelecer a cronologia, muito apertada e precisa, desde o momento da apreensão ou recolha, até essoutros momentos que envolvem a custódia, o controle, a transferência, o transporte, a análise pericial, até à chegada à sala de audiência ou, ainda, até à situação de disponibilização eventual de parte do objecto probatório para efeitos de exercício do contraditório pela defesa, mormente levando a cabo uma segunda perícia (“contraprova” ou “contra-perícia”) forense. Se não existir qualquer controlo ou segurança, em redor dos “vestígios” ou “indícios” do crime, recolhidos na cena do crime, então, tal situação nada terá de diferente daqueloutras em que inexiste prova ou em que existe prova proibida. Prova contaminada é uma não prova.

XXIV – O princípio da suficiência probatória significa que o Ministério Público tem nos seus braços a sustentação da acusação que, entretanto, em fase de inquérito criminal produziu. Cabe-lhe carrear para o processo prova suficiente, “para além de qualquer dúvida razoável”, para derrubar a presunção de inocência. Se prova gerar dúvida é porque ela não é suficiente e queda-se postergado o presente princípio. Se ela ultrapassar e fôr para “além de qualquer ou toda a dúvida razoável”, então, dir-se-á que se deu concretude ou efectividade ao presente princípio ao se atingir um nível probatório “suficiente”, quer para ‘derrubar’ a presunção de inocência, quer para afastar ‘qualquer dúvida razoável’.

XXV – O princípio, que optamos por designar da “necessidade de coonestação probatória complementar da prova científica” ou da “proibição de condenação com base em prova exclusivamente científica”, pretende traduzir a ideia de que os tribunais não devem condenar com base em prova exclusivamente científica ou pericial, devendo a mesma ser devidamente “coonestada” com outros meios complementares de prova que “contextualizarão” e “reforçarão” a pertinência e força probatória da prova científica mobilizada.

XXVI – O princípio da “imparcialidade científico-forense” ou da “neutralidade forense” (ou “científico-forense”) pretende-se traduzir a ideia de que o criminólogo forense não “deve tomar partido” na ‘lide’ processual que se ‘trava’ entre a “acusação” (Ministério Público) e a “defesa” (advogado/defensor do arguido). Compete-lhe, acima de tudo, “fazer o seu trabalho técnico-científico”, à luz das regras de segurança e de controlo da qualidade, fiabilidade e integridade científicas.

XXVII – O princípio da prova “humanamente limpa” e “digna” diz-nos que o criminólogo deve obstar a que a sua intervenção se configure em ofensas corporais aos eventuais visados ou ingerências desmedidas na sua vida íntima ou privada. A integridade física, a vida humana, a reserva da intimidade da vida pessoal e familiar, a privacidade, a liberdade de acção e decisão e a dignidade humana são “barreiras” inultrapassáveis sem adequada “autorização judicial” ou consentimento – quando ele é operativo – do portador do bem jurídico implicado ou posto “em liça” pelo respectivo meio de (obtenção da) prova. Daí que se exista na ideia de uma prova que seja respeitadora da dignidade da pessoa humana – “humanamente limpa” – e “digna”, ou seja, não devassando ou ofendo no corpo, contra os bons costumes, o sentimento geral de “reserva” e “pudor” que a comunidade jurídica, nesta matéria – da prova científica e/ou pericial –, exige que esteja presente e respeitado.

XXVIII – O princípio da não destruição, alteração ou comprometimento grave da integridade dos “objectos-prova” (ou onde se localiza a “prova”) reporta-se à proibição de destruição, alteração ou comprometimento grave da integridade dos “objectos -prova” ou onde se encontra depositada ou armazenada prova (“indício” ou “vestígio”) do crime.

XXIX – O objecto de estudo da Criminologia Forense há-de ser, para além do geral “estudo do processo de produção do crime ou da criminalidade”, sempre um determinado em bem caracterizado crime ou tipo de criminalidade. Como já se tem propugnado, o criminólogo forense responde a uma “amostra-problema-crime”, ou seja, a um caso em que não se sabe quem, como, onde, porquê, e em que condições, praticou um acto com relevância e punição criminais. Vai-se sempre buscar “fontes de interrogação” e “inspiração” ao putrefacto caso que está ali, sente-se-lhe o odor, procuram-se novas pistas e “cheiros” e, no final, após a lavagem e “autópsia intelectual”, apresenta-se o “cadáver” – a “amostra-problema-crime” e identificado suspeito ou criminoso.

XXX – O método de criminologia forense sugerido é o ideográfico-nomotético, semiótico, dinâmico-reversivo e teleológico-funcional e racionalmente orientado para a resolução da “amostra-problema-crime” encontrado na cena do crime. Exige-se que ele não afronte ou seja coerente com as exigências do ordenamento jurídico e sistema de justiça no qual é usado. Exige-se que se faça uso de uma linguagem não excessivamente técnica e “descodificada” em termos fidedignos mas apreensíveis e compreensíveis por um leque de pessoas que vai além da comunidade científica. Exige-se que tenha uma duração nem demasiado curta nem demasiado longo, com vista a evitar-se precipitações e erros e a não se maturarem e analisarem suficientemente as evidências probatórias encontradas na cena do crime. Exige-se que ele tenha aptidão para ser “ligado” ou cruzado com outros existentes em países com os quais se leve a cabo a cooperação judiciária e policial. Exige-se que o modelo forense seja de tal modo bem organizado que os resultados advindos do mesmo sejam de molde a inspirar a confiança na integridade das provas analisadas e apresentadas de um modo científico. Exige-se que seja passível de aplicação a qualquer tipo de crime. Exige-se que seja aplicável a qualquer nível, seja individual, seja de pessoa colectiva (empresa, sociedade, etc.). Exige-se que possua a característica de “operatividade”, com vista a permitir um rápido ou expedito controlo. Exige-se que o modelo seja correcto e “cristalizado” ou puro, no sentido de não contaminado ou aberto a qualquer factor de contaminação.

XXXI – Um conhecimento será científico se cumprir cinco requisitos: testabilidade (i); revisão por pares e publicações (ii); taxa de erro (iii); existência de “standards” (iv); aceitação pela comunidade científica relevante (v).

XXXII – O princípio da investigação ou oficialidade (verdade material), a cargo do juiz, que, para a adução e esclarecimento de material de facto vai ter sobre os seus ombros o ónus de investigar e oferecer oficiosamente, independentemente de quaisquer contribuições da acusação e da defesa, os factos ligados ao “problema-crime” submetido a julgado.

XXXIII – O princípio da livre apreciação da prova (ou sistema da “prova livre”) sublinha que o Tribunal está dependente da produção da prova em julgado, desencadeada pela defesa ou pela acusação, senão por si mesmo, para “construir” a base ou as condições necessárias à formação da sua (“íntima”) convicção sobre a existência ou inexistência dos factos e situações problemáticas que relevam para a sentença. O juiz pode convencer-se, intimamente, a partir de um único meio de prova. A apreciação da prova não é, todavia, “totalmente discricionária”, ou seja, “livre” e a “bel-prazer” do julgador. A liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos.

XXXIV – O princípio in dubio pro reo significa que se o juiz, fruto da exercitação do seu princípio da investigação, verificar que não é possível recolher prova “bastante” para comprovar todos os factos relevantes para a decisão – relativos ao criminosos e à pena –, então, havendo “dúvida razoável”, proibido fica de os considerar como provados sem mais, exigindo-se-lhe, no limite, que absolva o arguido.

XXXV – O princípio da publicidade das audiências de julgamento afigura-se imprescindível para dissipar quaisquer desconfianças que a comunidade em geral possa nutrir relativamente aos tribunais.

XXXVI – O princípio da “oralidade” pretende traduzir a ideia que o processo adopta a “forma oral de atingir a decisão”, de tal modo que o processo será dominado pelo princípio da escrita quando o juiz profere a decisão na base de actos processuais que foram produzidos por escrito (actas, protocolos, etc); distintamente, será dominado pelo princípio da oralidade quando a decisão é proferida com base em uma audiência de discussão oral da matéria a considerar.

XXXVII – O princípio da imediação significa a existência de uma relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, com vista a permitir-se ao julgador uma percepção própria do material probatório com base no qual há-de tomar a sua decisão.

XXXVIII – O princípio do contraditório, tradução moderna das velhas máximas audiatur et altera pars e (com especial atenção ao papel da defesa, historicamente o que mais vezes foi esquecido e aviltado) nemo potest inauditu damnari». O juiz deve, de um modo activo e empenhado, ouvir o debate que se vai desenrolando à sua volta e nele intervir. O Juiz está obrigado a ouvir qualquer participante ou sujeito processual – arguido, defensor, assistente, testemunha, perito, vítima, etc. – relativamente ao qual seja obrigado a tomar uma qualquer decisão processual que venha a afectá-lo pessoalmente.

XXXIX – O princípio da proibição de auto-incriminação [ou “direito à não auto-incriminação”; “liberdade (ou privilégio) de (contra a) auto-incriminação”, “privilégio de não auto-incriminação”, nemo tenetur se ipsum accusare”, “nemo tenetur se detegere”, “direito à não auto-inculpação”, “privilege against sel-incrimination” ou “princípio da não auto-incriminação”] garante ao arguido ou a qualquer outro participante processual (testemunha, assistente, vítima, etc.) de não ter de ser obrigado a contribuir com acções, palavras, documentos ou objectos, voluntariamente ou não, com ou sem percepção disso, para a sua auto-incriminação, com tal se abrangendo a possibilidade de se remeter ao silêncio ou inércia sem qualquer nefasta consequência processual penal e pessoal.

XL – O princípio da “integridade e força probatória” da “prova para além de qualquer dúvida razoável” exige que a acusação carreie para o processo prova que, fora de qualquer “dúvida”, permita “derrubar” a presunção de inocência que recai (ou de que goza) sobre o arguido. Trata-se de um princípio imediatamente direccionado ao criminólogo forense, já que ele deverá ter o especial cuidado de produzir prova que seja “integra”, não contaminada e possuidora força probatória bastante para ultrapassar a soleira da “prova para além de qualquer dúvida razoável”. Não basta produzir prova penal, há que fazê-lo de modo a que ela seja propícia a manter a crença, para além de qualquer dúvida razoável, de que o investigado, suspeito ou arguido cometeu os factos sob investigação criminal na “cena do crime” observada e processada pelo criminólogo forense.

XLI – O princípio da “cientificidade forense” pretende traduzir a ideia de que o criminólogo forense, na análise pericial, de investigação-exploração-explicação (da “cena do crime”), que irá efectuar, deverá respeitar, simultaneamente, as regras de produção do conhecimento científico e, ainda, essoutro jurídico.

XLII – O princípio da “lealdade” ou da “igualdade de armas”, entre a acusação e a defesa, haverá que ir buscar o seu fundamento à matriz de Estado de Direito Democrático, já que o Estado, detentor do “ius puniendi”, pautado por um “padrão ético-social mais elevado”, que lhe dá a sua legitimidade de actuação, não deve actuar de modo processualmente desleal – artigos 1.º, 2.º e 9.º, alínea b), e 13.º, da CRP 1976.

XLIII – O princípio da proibição de aniquilamento do “âmbito mínimo ou nuclear da intimidade” pretende-se referir que, actualmente, no processo penal português não vale toda a prova, já que aquela que “ferir” ou “melindrar” este “núcleo nuclear” ou “mínimo” da intimidade, que é garantia do valor da dignidade da pessoa humana – e do “desabrochamento (est)ético-existencial” da pessoa humana –, não poderá ser usada em Tribunal.

XLIV – O princípio da proibição de “alienação do fim”, pretende-se significar que fica proibido, em matéria de prova, transportar ou efectuar a “transmigração” da prova obtida e produzida num processo para outro, sem que haja uma devida ponderação judicial e um contexto legal autorizativo para o efeito. Repare-se que se não existisse esta proibição, poderia desvirtuar-se ou violar-se o princípio da legalidade da prova, ao enviar para um processo penal a prova obtida num outro e que o que a recebe nunca poderia obter, atento o tipo de crime em vigor, visto que o legislador apenas a reserva para a média ou grande criminalidade.

XLV – O princípio da subsidiariedade “em cascata”, para dentro e para fora, dos meios ocultos ou o princípio da preferência pelos métodos (ocultos ou não) menos lesivos ou “abertos, “não ocultos ou descobertos” de investigação criminal, face aos “ocultos” possui especial importância no processo penal. Dele se hão-de tirar três consequências: (1) A impossibilidade de cumular dois métodos ocultos de investigação; (2) Um nível de subsidiariedade para fora dos métodos ocultos; (3) Um nível de subsidiariedade para dentro dos métodos ocultos. Verifica-se a necessidade de dar realce ao que optamos por designar por princípio da preferência pelos meios “abertos”, “não ocultos ou descobertos” de investigação criminal, face aos “ocultos”.

XLVI – O princípio da “unidade do sistema jurídico probatório” ou da não validade da prova obtida mediante conduta que configure o preenchimento de um tipo legal de crime ou de “relação de mútua complementaridade funcional” entre a lei substantiva penal e a processual, significa que não pode ser utilizada prova que configure, simultaneamente, o cometimento de um tipo legal de crime.

XLVII – O princípio da relativa inoperatividade probatória de método científico não corroborado com outros de distinta natureza, significa que, de um modo enxuto, ninguém deve ser criminalmente punido com base em prova exclusivamente “científica” e não corroborada ou coonestada com outros meios complementares de (obtenção da) prova e não “contextualizada”, social e geograficamente.

XLVIII – O princípio do controlo ou segurança (ou da proibição de contaminação) ou da manutenção da “cadeia de custódia” tem um significado preciso em matéria de “prova científica”, já que se exigem adequados níveis de controlo e segurança nos processos da produção deste tipo de prova.

XLIX – O princípio da presunção de inocência tem implicações em toda a estrutura e desenvolvimento da lide processual penal. De facto, o artigo 32.º, n.º 2, da CRP 1976, dispõe que todas as pessoas se presumem inocentes até ao trânsito em julgado de uma decisão condenatória, de tal modo que, para o seu “derrube”, se exige que o Ministério Público, cumpra o que se poderia designar de “ónus probandi acusatório”. Só quando se ultrapassa o patamar da “prova para além de qualquer dúvida razoável” e se não suscitar uma qualquer “dúvida”, relativamente à prova, é que estamos em condições de anular a latente inocência do arguido e, consequentemente, de efectivar a sua condenação criminal.

L – O princípio da defesa ou da plenitude das garantias de defesa diz-nos que o arguido não pode ser impedido de mobilizar os meios de prova que entenda necessário à sua defesa, desde que não o faça de um modo despropositado, dilatório ou inútil.

LI – O princípio da legalidade da prova ou do “relativo fechamento” da “cláusula aberta” tem consagração expressa no artigo 125.º, do CPP, onde se relembra que apenas são admissíveis as provas que não forem (expressa ou implicitamente) proibidas por lei. Trata-se, como já se referiu, de uma “aparente abertura” do processo penal a novos meios de prova, já que, efectivamente, atenta a natureza da prova – sobretudo no que se refere aos métodos “ocultos” de investigação criminal –, melhor se andará se se falar e preconizar um “relativo fechamento” de tal baptizada “cláusula aberta” que encontramos no artigo 125.º, do CPP.

LII – O princípio da precaução em contexto de “incerteza jurídico-científica” pretende chamar à atenção para a conduta que o criminólogo forense deverá adoptar relativamente à investigação de situações em que se encontrará perante o resultado de uma “incontrolável e não dominável” acção típica do desenvolvimento tecnológico. A acção preventiva deste princípio tem de satisfazer os critérios da proporcionalidade e da proibição do arbítrio, exigindo-se que a controvérsia científica, em redor da explicação de um dado facto, tenha atingindo o patamar mínimo de consistência. Haverá que adoptar medidas preventivas destinadas a prevenir danos potencialmente graves e dificilmente reversíveis, sempre que o nexo de causalidade – entre a acção e o resultado – não se encontra passível de uma comprovação científica face ao estado actual dos conhecimentos. Falar-se deste princípio, na investigação criminal forense, é perguntar se face ao “naufrágio” do sistema científico (conhecimento técnico-científico e forense) em granjear a devida prova, para a ligação de um resultado criminoso a uma conduta do agente, se devemos considerar que isso é um convite para a retirada da “cena” (do crime) do criminólogo forense e a entrada, de pleno, do jurista.

LIII – O princípio da pertinência semiótica (vestígio, indício e prova) pretende traduzir-se a ideia de que o criminólogo forense tem de possuir um conhecimento específico e amplo (“saber”), uma formação adequada e vasta (“formação”) e, em não poucos casos, deverá valer-se dos conhecimentos que foi adquirindo ao longo da sua vida de investigador, estudioso e criminólogo forense (“experiência”). Pretende-se, ainda, traduzir-se a ideia de que somente com essa tríade (“saber-formação-experiência”), devidamente afirmada e interiorizada, é que o criminólogo forense poderá, de modo profícuo e útil para a investigação criminal, ir à cena do crime e ver “o que não se vê” ou “ver o que ninguém vê”! Na verdade, a cena do crime contém os vestígios, sinais, indícios, mas, depois, por meio de uma actividade intelectual de “significação” ou de mobilização dos “meaning-making processes” é que se vai “eleger” como “candidato positivo de prova” um dado elemento ou sinal (completamente insignificante ao “olho nu” ou ao “olho não cientificamente guiado”) que se encontra na cena do crime. O criminólogo forense é chamado, simultaneamente, a uma investigação (“enquête”) e questionamento (“quête”) de natureza epistemológico e empírico.

LIV – O princípio da não violação das regras da racionalidade e lógica discursivo-jurídica diz-nos que para que o juízo técnico-científico e forense, emitido pelo criminólogo forense, seja devidamente aceite no processo penal português, se exige que ele seja obtido sem violação das regras da racionalidade e lógica discursivo-jurídica.

LV – Os “guidelines” para aferir da cientificidade de um dado conhecimento: (i) O juiz é o guardião (“judge is gatekeeper”) ou “porteiro” – o que implicaria, sob os auspícios da Rule 702, que lhe competiria assegurar que o juízo pericial provém de conhecimento verdadeiramente científico; (ii) O juiz deve controlar a “relevância e fiabilidade” (“relevance and reliability”); (iii) O juiz deve assegurar-se que é demonstrado que se está perante um “conhecimento científico” que é implementado por um “método científico”; (iv) O juiz deve verificar se, à luz dos factores relevantes, para a respectiva “metodologia científica” implementada, se conseguem formular hipóteses experimentáveis que confirmem ou não a validade do juízo pericial científico. Para este efeito, o juiz poderá lançar mão da seguinte metodologia de “aferição da cientificidade”: (1) Teste empírico: a teoria ou técnica usada é susceptível de ser falsificável, refutável e/ou testável? (2) A teoria ou técnica foi sujeita à revisão pelos pares, junto da comunidade científica, e foi alvo de publicações científicas? (3) Qual é a taxa de erro conhecida ou potencial inerente a tal teoria ou técnica? (4) Existem e são mantidos padrões de controlo relativamente à operatividade (“científica”) da teoria ou técnica utilizada? (5) Qual é o grau de aceitação da teoria ou da técnica pela comunidade científica internacional (mais) relevante?

LVI – Metodologia do juiz face ao conhecimento científico:

(1) Teste empírico: a teoria ou técnica usada é susceptível de ser falsificável, refutável e/ou testável?

(2) A teoria ou técnica foi sujeita à revisão pelos pares, junto da comunidade científica, e foi alvo de publicações científicas?

(3) Qual é a taxa de erro conhecida ou potencial inerente a tal teoria ou técnica? Foi aplicada (os tais “erros máximos admissíveis – EMA”) e, mesmo assim, mantém-se o resultado em níveis tidos por ainda serem “científicos”?

(4) Existem e são mantidos padrões de controlo – respeito pelo “Manual de Procedimentos” – relativamente à operatividade (“científica”) da teoria ou técnica utilizada?

(5) Qual é o grau de aceitação da teoria ou da técnica pela comunidade científica internacional (mais) relevante?

LVII – A ciência e o processo mesclam-se em caminhos de racionalidade em tudo semelhantes. O conhecimento científico legitima-se por meio de uma metodologia científica. O conhecimento jurídico também se legitima pelo respeito do processo, das suas regras e de todos os elementos condicionantes da decisão face ao ordenamento jurídico positivado e à luz daquilo que “é trazido” a juízo ou é possível ao juiz averiguar. No processo penal ou civil não há a busca por uma “verdade histórica”, já que isso é “proibido” à mente humana já que não só não se vê tudo como tudo o que se vê é vistos sem ver ou com o ver que não é um verdadeiro ver. A fragilidade da nossa natureza humana “abre-nos” mais para o erro do que para a verdade. Cientes disso, necessitamos de “guias”, aí estão os processos (“modo de caminhar”, “avançar”, “ir para diante”), as regras de produção do saber, seja ele científico, seja ele jurídico. Há, verdadeiramente, entre a ciência e o processo (civil ou penal) uma busca da verdade que é sempre garantida por um método, uma metodologia, uma forma de proceder ou prosseguir rectius, o processo.

LVIII – Na verdade, o primeiro critério – da prova prevalente –, típico do processo civil, funda-se em algumas premissas que importa não olvidar.

1.ª Premissa: Que se conceba a decisão do juiz sobre os factos como o resultado final de escolhas em torno de várias hipóteses possíveis relativas á reconstrução de cada facto da causa;

2.ª Premissa: Que estas escolhas se concebam como se fossem guiadas por critérios de racionalidade;

3.ª Premissa: Que se considere racional a escolha que toma como “verdadeira” a hipótese sobre os factos que resulta melhor fundada e justificada pelas provas relativamente a qualquer outra hipótese;

4.ª Premissa: Que se utilize, como chave de leitura do problema da valoração das provas, não um conceito genérico de probabilidade como mera não certeza, mas pelo contrário um conceito específico de probabilidade como grau de confirmação da veracidade de um enunciado com base dos elementos de confirmação disponíveis.

LIX – No que respeita ao “cânone” ou “standard” usado em matéria processual penal – “prova para além de qualquer dúvida razoável” –, a doutrina é unânime relativamente à sua origem anglo-saxónica. Para MICHELE TARUFFO, a adopção, em qualquer processo penal, de tal princípio significa uma opção de natureza ética ou ético-política, visto que se teria como escopo que: «(…) o juiz penal possa condenar ao acusado somente quando tenha alcançado (ao menos tendencialmente) a “certeza” da sua culpabilidade; ainda que o acusado deva ser absolvido todas as vezes em que existam dúvidas razoáveis, apesar de as provas contra si, de que seja inocente». Este critério é muito mais exigente e superior do que vimos em matéria processual civil, pois, justificadamente, no processo penal estão em jogo as garantias (processuais) penais do arguido e que não têm qualquer correspondência na lide civil. Há, aqui, um elemento novo a ter em conta. Trata-se de uma opção política – uma “policy” – relativamente à escolha da prova “razoável”, «(…) a policy é a de limitar as condenações penais unicamente aos casos em que o juiz tenha estabelecido com certeza ou quasi-certeza (ou seja sem que exista, com base nas provas, nenhuma probabilidade razoável de dúvida) que o arguido é culpado».

LX – O “princípio de explosão” (“ex falso quodlibet” ou “ex contradictione sequitur quodlibet” – “a partir de uma contradição qualquer coisa segue” ou, de um outro jeito igualmente válido, “qualquer coisa pode surgir de uma contradição” –, de tal modo que uma vez afirmada uma contradição – os tribunais são laboratórios –, qualquer proposição (ou a sua inversa) pode ser inferida dela

LXI – O princípio da persuasão racional ou livre convencimento motivado reporta-se a um sistema que requer que a convicção do juiz seja livremente firmada mas com motivação, explicação racional das razões da solução judicial adoptada. O juiz tem de adoptar conclusões que sejam uma consequência racional das provas produzidas e seleccionadas para estribar a decisão judicial. Verifica-se, assim que o juiz, neste sistema a persuasão racional se encontra livre de quaisquer regras jurídicas de valoração – como o que ocorre no sistema da prova legal –, assim podendo formar livremente a sua convicção e decisão, desde que exteriorize, de modo coerente, não contraditório e lógico-racional todos os passos do seu raciocínio. O limite inultrapassável é o das “normas de correcção” que são impostas pelo pensamento racional. O julgador está vinculado por normas de índole não jurídica, mas oriundas da lógica, da psicologia e da experimentação científica. São todas essas regras, de “bom senso ou razão”, de “bom raciocinar e pensar”, que dão conteúdo ao “método livre de convencimento motivado”.

LXII – Em matéria de prova científica o julgador é chamado a levar a cabo três tipos de controlo:

1.º A valoração da autoridade científica do conhecimento científico mobilizado;

2.º A incorporação dos métodos utilizados pelo perito no património comum da comunidade científica, ou seja, aferir da sua aceitação geral, ao nível do ramo da ciência forense mobilizada pelo perito e respectivas técnicas usadas;

3.º A verificação da coerência lógica da argumentação do perito, à luz das regras da lógica, da razão, da verossimilhança do procedimento técnico-científico, mas igualmente à luz de argumentos de coerência e razoabilidade internas do discurso usado.

LXIII – Uma nova profissão – criminólogo forense – que nos surge como um profissional que domina uma ou várias disciplinas científicas e que as aplica na explicação das causas do crime ou nas causas de outros factores importantes para a lide processual civil, como poderá ser o caso da avaliação e quantificação dos danos materiais ou de outra índole.

LXIV – O criminólogo forense não vende ilusões ou sonhos, agarra-se às evidências, identifica os sinais, vestígios e, momentaneamente, num acto de fecundidade científica, especula ou “teoriza hipóteses” que, em ligação à acção criminosa e resultado, à luz dos conhecimentos científicos, vai “racionalizar” e dinâmico-reversivamente, por via da experimentação “a posteriori”, emitir um juízo científico de prognose póstuma, ficcionando uma ida para trás no tempo e “reinventando” logicamente todos os passos da conduta humana que levaram aos vestígios. O criminólogo forense, por via dos seus conhecimentos técnico-científicos, está em condições de ajudar o juiz a efectuar o juízo de prognose póstuma que o levará a aferir da “plausibilidade”, certeza, verossimilhança daquele tipo de prova relativamente ao agente criminoso implicado, mormente para efeito da sua corroboração científica ou não, por outra prova “contextualizadora” que permitirá o não vacilamento da prova por inexistência de “dúvida razoável” sobre os factos cientificamente demonstrados e explicados.

LXV – Há um efectivo entrelaçamento entre a verdade científica e a verdade do processo, já que não basta ao criminólogo forense produzir um juízo científico correcto, tem de também se preocupar em fazê-lo em condições processuais válidas, sob pena de termos um conhecimento científico não processualmente admissível embora cientificamente intocável. O campo de “invalidade processual” do conhecimento científico não toca no “cerne” ou “casco” do conhecimento, mas sim na metodologia ou modo de introdução do mesmo na “lide processual” respectiva.

LXVI – A ciência e o processo unem-se em torno da verdade, mas dessa união surge uma “síntese” uma “fusão” entre as duas verdades – científica e jurídica –, já que nascerá a “verdade forense”, ou seja, aquela verdade que é obtida através do recurso às ciências forenses com vista à aplicação racional dos vestígios, indícios ou factos que se transmutarão, qualitativamente, após análise e processamento, em prova pericial válida (e com propriedades de “informação”, “esclarecimento” ou “explicação” dos factos “problemáticos” vindos da “cena do crime”) para afirmar a validade de uma hipótese de explicação entre várias possíveis mas a única processual e cientificamente válida. Há, por isso, uma união, um elo comum entre as duas verdades na nova verdade. O elo é simples: os critérios de racionalidade e suas características de coerência, certeza, fiabilidade. O conhecimento científico permite firmar uma realidade de um modo irrebatível. O juiz pretende fundar a sua decisão numa verdade científico-forense cabalmente demonstrada e mais próxima da “verdade histórica”, ainda que cingida a uma “verdade material processualmente valida”. Não há contradição entre a verdade científica e a judicial, sobretudo se ambas forem unidas pela boca ou pena de um criminólogo forense, já que o conhecimento científico não somente passará a valer em si mas “intra-processualmente”, assim nascendo uma “verdade” que não é só científica mas é igualmente forense ou processualmente válida. É esta a missão do criminólogo forense: contribuir para a união de ambas as verdades, obtidas por caminhos diferenciados mas racionalmente similares, com vista ao nascimento de uma unificadora e processualmente válida “verdade forense”.

Fim


Notas e Referências:

[1] Note-se – e sublinhe-se a traço espesso – que, por vezes, os níveis elevados de eficácia na investigação e deslindar dos autores dos crimes apenas podem ser fruto de uma nefasta circunstância e que se prende com a utilização de métodos de (obtenção da) prova proibidos. Como ocorreu, recentemente, com um “serial killer”, em Portugal, em que, de modo desleal e sem cobertura legal, se colocaram dispositivos móveis de localização por GPS e, dessa forma, se apanhou o agente da GNR a deitar numa barragem um cadáver de uma jovem que havia violado e violentado fisicamente. O que poderia, ainda hoje (!) levar à interposição de um recurso extraordinário de revisão com base em uso de prova proibida, tal e qual o permite o artigo 449.º, n.º 1, alínea e), do CPP [«1 – A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: (…)e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º; (…)»]. Ciente disso, o legislador deu à “prova proibida” eficácia incriminatória para os efeitos de responsabilizar criminalmente os profissionais dos órgãos de polícia criminal que hajam “prevaricado”. Nesse sentido, veja-se o disposto no artigo 126.º, n.º 4, do Código de Processo Penal português [«4 – Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo»].

[2] Com publicação sob a chancela, simultânea, da Editora Rei dos Livros (Portugal) e Empório do Direito (Brasil).

[3] Também se usam as expressões “falsa ciência”, “ ciência podre” ou “ciência fajuta”, para traduzir a ideia de que nos encontramos perante conhecimentos pseudocientíficos, carentes ou desprovidos de qualquer suporte empírico. Trata-se de conhecimento que, apesar da aparência de serem científicos (“ciência”) não são o resultado da utilização de um “método científico” (ou “metodologia”), de tal modo que, em não poucos casos, nos encontramos perante verdadeiros “produtos de uma fraude”.

[4] Na “Wikipedia” – na URL: <http://en.wikipedia.org/wiki/Junk_science> –, refere-se que o termo – que expressivamente se poderia traduzir por “ciência-lixo”, “ciência-sucata” – surgiu nos E.U.A. para abranger qualquer dado científico, investigação ou análise considerados espúrias ou fraudulentas. Originariamente, o conceito surgiu ligado aos testemunhos periciais que alguns especialistas iam dando em Tribunal e que levantavam muita celeuma.

Somente a “boa ciência forense”, “com provas dadas”, interessa à lide forense, ou seja, aquela que obedece aos “standards” ou “padrões” de cientificidade. Além disso, afigura-se primacial que o método “científico” seja, em cada momento respeitado, bem como verificados os níveis ou “margens de erro” existentes, mormente para se ir reapreciando, face à evolução técnico-científica, no seio da comunidade científica, se aquele “modo de fazer brotar o conhecimento científico” não terá, entretanto, sido substituído por um outro mais “limpo” ou “enxuto”, ou seja, menos avesso à níveis elevados de erro. Os “níveis de erro” são, relativamente aos vários campos do saber, “sismógrafos” da sua cientificidade, de tal modo que se poderia mesmo formular uma lei tendencial: “a partir de …% de erro esfuma-se a cientificidade” do respectivo conhecimento.

[5] Na verdade, a “Criminologia Forense” não tem, nem deve aspirar ou ter, uma propensão para a “elaboração teorética” dos problemas, já que, em cada momento, perante concretas necessidades, dos polícias, das prisões, dos tribunais, ele tem de “tomar uma decisão”, daí que se lhe reconheça esta predominante propensão à resolução imediata dos problemas práticos. Não se esquece, todavia, que isso de um problema ser “eminentemente teórico” ou “eminentemente prático”, não faz muito sentido, já que toda a “razão prática” implica, forçosamente, uma “razão teórica”, sendo aqui que se desenham as soluções que, além, se implementarão. O nosso agir quotidiano, mesmo que sem ser ao nível “das decisões”, é, simultânea e eminentemente, prática e teoria ou, dito de outro jeito não menos expressivo, “teórico-prático”.

[6] O que os anglo-saxónicos traduzem pela teoria dos “Five Ws, Five Ws and one H” ou “Six Ws”: Who is it about? What happened? When did it take place? Where did it take place? Why did it Happen? E, para a “Teoria dos seis”, incluir-se-ia a questão: How did it happen?

Na antiguidade, HERMAGORAS OF TEMNOS, citado na obra “De Rhetorica, definia sete circunstâncias:

Quis, quid, quando, ubi, cur, quem ad modum, quibus adminiculis

(Who, what, when, where, why, in what way, by what means).

VICTORIUS explicou o sistema de circunstâncias de CÍCERO colocando-as em correspondência com as perguntas de HERMAGORAS.

imagem1

Fonte: <http://en.wikipedia.org/wiki/Five_Ws>.

Há, ainda, a notar que o 21.º cânone do Quarto Concílio de Latrão (1215) instigava os confessores a averiguarem as circunstâncias dos pecados, a partir destas “cantilenas”:

«Quis, quid, ubi, per quos, quoties, cur, quomodo, quando.

Quis, quid, ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando.

Quis, quid, ubi, cum quo, quotiens, cur, quomodo, quando.

Quid, quis, ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando

Quid, ubi, quare, quantum, conditio, quomodo, quando: adiuncto quoties».

[7] Note-se que bem sabemos que, no mundo das “Ciências Forenses”, existem várias “áreas de especialização”, mas, em texto, não é tanto a essa classificação que nos reportamos, mas, outrossim, a uma segmentação de concretas áreas da Criminologia Forense que lhe são dimensões conaturais e que urge captar convenientemente. Podemos, assim, identificar as seguintes classificações: 1. O critério ligado às “ciências fisiológicas” (“physiological sciences”): 1.1. A antropologia forense (“forensic anthropology”); 1.2. A arqueologia forense (“forensic archaeology”); 1.3. A odontologia forense (“forensic odontology”); 1.4. A entomotologia forense (“forensic entomology”); 1.5. A patologia forense (“forensic patology”); 1.6. A botânica forense (“forensic botany”); 1.7. A biologia forense (“forensic biology”); 1.8. A fixação de perfis de ADN (“DNA profiling”); 1.9. Análise de padrões de manchas de sangue (“bloodstain pattern analysis”); 1.10. Química forense (“forensic chemistry”); 1.11. Osteologia forense (“forensic osteology”); 2. O critério ligado às “ciências sociais” (“social sciences”): 2.1. Psicologia forense (“forensic psychology”); 2.2. Psiquiatria forense (“forensic psychiatry”); 3. O critério ligado à “criminalística forense” (“forensic criminalistics”): 3.1. Balística (“ballistics”); 3.2. Impressões digitais da balística (“ballistic fingerprinting”); 3.3. Identificação de corpos (“body identification”); 3.4. Análise de impressões digitais (“fingerprint analysis”); 3.5. Contabilidade forense (“forensic accounting”); 3.6. Estudo forense da arte (“forensic art”); 3.7. Análise forense de sapatos (“forensic footwear evidence”); 3.8. Toxicologia forense (“forensic toxicology”); 3.9. Estudo forense das impressões de luvas (“gloveprint analysis”); 3.10. Análise das impressões palmares (“palmprint analysis”); 3.11. Análise de documentos controvertidos (“questioned document examination”); 3.12. Análise da correspondência das veias (“vein matching”); 4. O critério ligado às “ciências forenses digitais” (“digital forensics”): 4.1. A ciência forense informática (“computer forensics”); 4.2. Análise forense de dados (“forensic data analysis”); 4.3. Análise forense de bases de dados (“forensic database”); 4.4. Análise forense de dispositivos móveis (“mobile device forensics”); 4.5. Análise forense de redes (“network forensics”); 4.6. Análise forense de vídeos (“forensic video”); 4.7. Análise forense áudio (“forensic audio”); 5. Critério das disciplinas relacionadas (“related disciplines”): 5.1. A investigação de incêndios (“fire investigation”); 5.2. A detecção de acelerantes de incêndios (“fire accelerant detection”); 5.3. Engenharia forense (“forensic engineering”); 5.4. Análise forense linguística (“forensic linguistics”); 5.5. Material de engenharia forense (“forensic materials engineering”); 5.6. Engenharia de polímeros forenses (“forensic polymer engineering”); 5.7. Estatística forense (“forensic statistics”); 5.8. A reconstrução de acidentes com veículos (“vehicular accident recontruction”).

[8] Note-se que fazemos uso da expressão “análise” e não “exame” para não violar uma regra essencial das ciências jurídicas e que se prende com o facto de o intérprete não dever usar um “termo já tomado”, com um dado significado (“sentido e alcance”), para o fazer “cobrir” um outro e distinto significado (dando-lhe um novo “sentido e alcance”) do que originariamente lhe é atribuído. Ora, a matéria dos “exames” e das “perícias” não deve confundir-se ou ser confundível, já que no primeiro caso, faz-se uso dos sentidos humanos, “despidos de quaisquer instrumentos técnico-científicos”, para analisar os objectos e as pessoas; distintamente, no segundo caso – perícia –, faz-se jus a juízos técnico-científicos ou artísticos, pelo que, inequivocamente, usando-se um conjunto de aparelhos ou instrumentos que aumentam ou permitem conhecimentos que, de outro modo, à luz dos sentidos [audição – captamos e ouvimos sons –, visão – vemos as pessoas, observamos os contornos, as formas, cores e outros aspectos do “real verdadeiro” –, olfacto – identificamos os cheiros ou os odores –, tacto – pegamos algo, sentimos os objectos, sentimos o calor ou o frio – e o paladar – sentimos os sabores], seríamos incapazes de percepcionar e inteligir. Não podemos, de forma alguma, concordar com alguma doutrina que entende inexistir razão para se diferenciar, presentemente, à luz da regulamentação actual do CPP, entre “exame” e “perícia”, mormente em contexto “grafológico”. Navega nessas águas “turvas”: BUCHO, José Manuel Saporiti Machado da Cruz, «Sobre a recolha de autógrafos do arguido: natureza, recusa, crime de desobediência v. direito à não auto-incriminação (notas de estudo)», 2013: (1-64), acedido e consultado, em 2014-07-31, na URL: <http://www.trg.pt/ficheiros/estudos/sobre_a_recolha_de_autografos_do_arguido.pdf>. JESUS, Francisco Marcolino de, Os Meios de Obtenção da Prova em Processo Penal, Livraria Almedina, Coimbra, 2011: (1-): 142. Próximo deste entendimento é o que igualmente foi manifestado pelo CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA, no seu Parecer n.º 64/2006, publicado no Diário da República, 2.ª Série, N.º 242, de 19 de Dezembro de 2006, a páginas 29427 e seguintes, onde se escreveu, a página 29428, que: «Apesar da separação dos enquadramentos processuais, a perícia e os exames encontram-se intimamente ligados, criando a solução adoptada algumas dificuldades práticas a que a lei tem vindo progressivamente a dar resposta». Cumpre, ainda, salientar, que, navegando em águas límpidas, se situa a posição de: SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Volume II, 5.ª Edição, Editorial Verbo, Lisboa, 2011: (1-…): 282-283, escreve que: «Parece que a distinção assenta essencialmente em que a perícia é uma interpretação dos factos feita por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos; os peritos tiram dos vestígios as ilações que eles consentem e são estas ilações, as conclusões periciais, que são submetidas às autoridades para a sua apreciação; as conclusões periciais são os meios de prova. Nos exames, ou a autoridade judiciária se apercebe directamente dos elementos de prova, buscando directamente os vestígios e indícios, pela inspecção do local, das pessoas ou das coisas, e o exame é um meio de obtenção dos vestígios que são meios de prova ou indirectamente, através do auto elaborado por autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal em que se descrevem os vestígios que o crime deixou e os indícios relativos ao modo como e ao lugar onde foi praticado». Por sua vez, CARLOS PINTO DE ABREU que refere, no seu estudo «Prova e meios de obtenção de prova: breve nota sobre a natureza e o regime dos exames no processo penal», Intervenção elaborada para o I Congresso de Direito Penal, [acessível e disponível, em 2014-07-31, na URL: <http://carlospintodeabreu.com/>.], que «(…) a distinção entre a figura do exame e a figura da perícia e as suas fronteiras, quer de natureza quer de regime, estão perfeitamente delimitadas».

[9] Note-se, desde já, que o facto de dizermos “cientificidade” e “forense”, não é inocente. De facto, com isso quer-se chamar à atenção para os distintos “paradigmas de raciocínio” (até um certo ponto, evidentemente, já que a racionalidade jurídica respeita as regras da racionalidade científica, tendo ambas um “pano de fundo teorético comum”) que os conhecimentos científicos e jurídico (como é a ciência a resolver problemas jurídicos, logo temos a justificação da expressão “forense”).

[10] Utilizamos a expressão num sentido não técnico-jurídico, já que o termo está tomado pelo artigo 371.º, do Código Civil, ao nível da força probatória (“plena”) atribuída aos documentos autênticos no que aos factos praticados pelo oficial público respeita e nele constam.

[11] Valem, aqui, naturalmente, com o maior aplauso, todas as advertências que BRENT E. TURVEY efectua, a este propósito, no Capítulo da sua autoria, infra.

[12] Característica que igualmente poderíamos aditar às demais. Naturalmente que, aqui, o termo não pretende apenas significar o que leva a cabo uma actividade como modo de vida ou “profissão”, mas, uma qualidade daquele que, por ter especialização, gera confiança já que é possuidor de capacidades técnicas, científicas ou outras que o tornam em alguém que, naquele específico tipo de actividade, sabe tudo o que há para saber, ou seja, encontra-se “au point” no que ao “estado da arte” (da técnica ou ciência que usa) – e seu “modus operandi” (“savoir faire” ou “modo de fazer”) – respeita.

[13] Os advogados, solicitadores ou agentes de execução.

[14] O que, entre nós, acontece muito à sombra das várias Escolas de Direito (Coimbra e Lisboa), pois quem é nelas aceite tem, ainda que sem qualquer pedido expresso, se mostrar “digno” das mesmas, sob pena de rejeição ou não reconhecimento académico. Trata-se de “sistemas de contacto” e de “entendimentos tácitos” que todos negam existir, mas que a realidade confirma a sua presença. Claramente, tal “vassalagem académica”, aliada a uma sucessão intelectual nas cátedras, por vínculos de sangue, leva a verdadeiros “incestos intelectuais”, com pobreza e falta de diversidade ao nível dos vários ensinamentos e teorias cultivados.

[15] Este fenómeno é tanto mais gravoso quanto se verifica, nas nossas academias e tribunais que, mau grado Portugal ser uma República, continua, em muitos casos, a existir uma “sucessão” por “laços de sangue”, não sendo invulgar, nalgumas Faculdades de Direito, encontrarmos já a “terceira geração” (a que já não serve o mesmo apelido ou o acrescento “Júnior”) que, aparentemente, é sempre uma “primeira geração”, já que os “fidalgos” usam os mesmos nomes e apelidos e vão os colocando, seguidamente, à numerosa “prole intelectualmente dotada pelo vínculo sanguíneo”. Fala-se, por isso, de uma total ausência de diversidade intelectual, numa espécie de “incesto intelectual” que, em Estado de Direito Democrático, não pode deixar de ser estranho e preocupante. Esta ausência de diversidade “familial” gera os “freios” típicos das relações familiares (também ditas, no mundo jurídico, de “relação especial de ascendência ou poder”), com o “ascendente” do patriarca sobre os demais e com uma “natural anestesia” para o pensamento “raciocinante divergente”.

[16] O termo aqui é usado para contrapor ao que designamos de “fascismo societário intelectual” que é muito vulgar na sociedade portuguesa e nas nossas academias. Há alguns professores catedráticos, alguns até supostamente de grande valia intelectual, que, pretendendo afirmar a sua Escola de Direito, escrevem sem diálogo intelectual e menosprezando – propositadamente (porque o fenómeno pode ter também a sua justificada quota de “ignorância” ou “desleixo”) – todos aqueles que pensam diversamente. Ora, numa sociedade democrática e plural, todos contam, todas as opiniões são válidas. E, como é sabido, no mundo das ciências sociais e jurídicas nunca há verdades universais, sendo mesmo o caso de, na maior parte das situações, todos terem alguma razão mas não toda a razão. A melhor atitude – que é a que cultivamos… – é a de referenciar, de modo democrático e plural, todos os que estudaram a área de abordagem científica e seguirmos o nosso caminho mas semeando-o de referências aos que nos auxiliam e aqueloutros com os quais divergimos. Trata-se de uma exigência de um imperativo “societário plural democrático”.

[17] Sob pena de perseguição deontológico-profissional ou, veja-se bem, criminal – basta atentar no disposto nos artigos 195.º (Violação de segredo) (e artigos 195.º a 198.º, que tratam, respectivamente, do “Aproveitamento do segredo”, da “Agravação” da punição e da dependência de “Queixa”), 371.º (Violação de segredo de justiça); e, especializando, os artigos 383.º (Violação de segredo por funcionário) e 384.º (Violação de segredo de correspondência ou de telecomunicações).

[18] Analisando, de modo detalhado – e que subscrevemos plenamente – veja-se o que, em Capítulo autónomo, nesta obra, refere BRENT E. TURVEY.

[19] Não se pense que o criminólogo forense é imune aos “desvaneios” que eventualmente faça na sua vida pessoal ou familiar. Ninguém aceitará um criminólogo forense como credível se o seu estado latente, nas ruas da cidade, é o de “bêbedo” ou “embriagado pelas substâncias psicotrópicas ou tóxicas”. De igual modo, como aceitar o juízo pericial de um criminólogo forense, em contexto de violência doméstica, se ele próprio é um agressor doméstico e acha que “bater na esposa”, com pouca mas muita reiteração, não é grave! E os exemplos poderiam continuar… Independentemente dos vários “papéis” sociais que desempenhamos, nunca podemos olvidar que a nossa postura, em termos pessoais e familiares, pode fazer uma nefasta visita à porta do nosso escritório e estragar, por completo, de modo irremediável, a nossa vida profissional. Acontece noutras profissões e acontecerá, estamos disso convicto, com a futura e reconhecida profissão de criminólogo forense se não tomar as cautelas aqui denunciadas e propugnadas.

[20] Dizemos “mais elevado” porque em todos os aspectos da nossa vida, dada a sua perenidade, é uma exigência do “carpe diem”, que nos empenhemos como se fosse o último dia e, para isso, nada mais do que torná-lo belo, excelente e perfeito. Ninguém quer ter como último dia um dia medíocre, feio e péssimo (ou terrível) em termos profissionais.

[21] Veja-se, essencialmente, o que se refere ao nível dos artigos 31.º a 33.º, da Lei n.º 5/2008, de 17-02 (perfis de ADN).


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Benjamim Silva Rodrigues

. Benjamim Silva Rodrigues é Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito de Coimbra com a tese "A monitorização dos fluxos informacionais e comunicacionais (Contributo para a superação do 'paradigma da ponderação constitucional e legalmente codificado' em matéria de escutas telefónicas)". Autor de várias obras de Direito Processual Penal. .


Imagem Ilustrativa do Post: Wildlife Forensics Lab // Foto de: U.S. Fish and Wildlife Service Headquarters // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/usfwshq/16578012597

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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