A contribuição da ética para uma sociedade fraterna: a construção social pelo exemplo

19/01/2017

Por Maykon Fagundes Machado e Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino – 19/01/2017

Ética, desde a idade pré-socrática, é debatia como uma forma de estabelecer uma sociedade justa, solidária e fraterna em decorrência das relações humanas que envolvem sentimentos, crenças e conceitos de moral e justiça. Trata-se de uma forma para se compreender a necessidade de qual atitude humana é necessária para se estabelecer uma organização social mais harmoniosa.

Ao se observar o cenário nacional, hoje, constata-se a nossa incapacidade de reconhecer a Ética como fundamento para uma genuína Estética da Convivência, de compreender suas características e importância. Na verdade, institui-se o seu contrário: as posturas moralistas, ou seja, as atitudes excessivas as quais fomentam a violência, a segregação, a dimensão puramente egoísta sob a altruísta. Nesse cenário, é inviável acreditar na ação ética como critério de desenvolvimento civilizacional, inclusive como fonte de transformação e esclarecimento aos objetivos sociais do Direito.

Persiste-se, tanto na dimensão social quanto institucional (principalmente na política partidária), em tábuas rasas e falsas de moralidade, de regras para integração ao convívio humano com o nome de “ética” quando, claramente, não o são. Há um choque de interesses – e ressentimentos[1] – entre todas as classes.

Por esse motivo, não se consegue desenvolver o que seja a ação social e o interesse coletivo. Interesses, nesses casos, se sobrepõem e são incapazes de dialogar, o que dificulta o aperfeiçoamento do convívio democrático. Esse é o resultado daquilo que Scheler chamou de Grollen[2]: “[...] o escuro na alma do viandante é a zanga retida e independente da atividade do eu, zanga esta que, através de um repetido perpassar de intenções de ódio ou de outras emoções hostis, acaba por se formar, sem ainda abarcar nenhuma precisa intenção hostil; aproximando porém de seu sangue todas as intenções possíveis de um tal tipo".

A ausência de uma postura ética - que inclua, também, a auto avaliação – se perpetua como “cenário humano normal”. Não se deseja ser responsável pela atitude – individual, coletiva ou institucional -, mas que essas possam ser mitigados por outros. Esse é o alívio existencial que perdura desde o século XIX, ou seja, “alguém se torna responsável pelas minhas atitudes e decisões[3]”. Aos poucos, a arquitetura civilizatória proposta pela ação ética desmorona. Essa condição, por exemplo, está bem retratada pelas microscópicas intolerâncias de nosso cotidiano – “furar filas, disseminar pequenos racismos, a recusa de aceitar a diferença como proposta de desenvolvimento do “Eu”, entre outros -, bem como nas representações políticas partidárias. Nesse caso, o nosso acordo social – e esta é a nossa realidade – se determina pelo caráter sistêmico da corrupção.

Platão[4] em sua clássica e conhecida alegoria da caverna demonstra que o homem que está preso na escuridão da ignorância, e em nada compreende, apenas vê imagens refletirem no fogo (televisão), e manipulado se torna. Mas, e se por consequência do destino fosse ele liberto? Conseguiria salvar a outrem? Sem que haja o reconhecimento desta nossa humanidade compartilhada, a cegueira moral[5] e a ausência de uma linguagem mais sensível[6] às crises políticas e humanas de nosso se tempo incrementam a dificuldade por outros horizontes de utopias desejáveis e concretas.

Para compreender a ética é preciso conhecer o ser humano e analisá-lo. Assim como inspirou Sócrates, somente se pode ter um ponto de partida quando observamos o aforismo grego "Conhece a ti mesmo" do (grego: γνωθι σεαυτόν, transliterado: gnōthi seauton; também σαυτόν sauton com o ε contraído). Essa expressão é uma das máximas de Delfos e foi inscrita no pronaos (pátio) do Templo de Apolo em Delfos de acordo com o escritor Pausanias.

Compreende-se que “[...] a finalidade da ética é revelar o bem absoluto, a meta definitiva, que é ponto de convergência e chegada e não pode ser ponto de partida de mais nada. O bem é a plenitude da essência[7]”. Para Aristóteles, a finalidade de qualquer ação humana fundada na excelência moral[8] é a busca do Bem Supremo[9]. Por esse motivo, a atitude ética é uma necessidade habitual permanente, realizada – de modo desinteressado - nas galerias silenciosas do cotidiano e desvelada por meio da Educação. Na visão de Pasold[10], Ética trata-se da:

[...] atribuição [subjetiva] de valor ou importância a pessoas, condições e comportamentos e, sob tal dimensão, é estabelecida uma noção específica de Bem a ser alcançado em determinadas realidades concretas, sejam as institucionais ou sejam as históricas.

Entretanto, compreende-se que a ética versa conhecer o ser humano para trazê-lo ao bem, tem se a observação de que este bem deve ser coletivo, deste modo, por meio de um campo ético, chega-se ao conceito de fraternidade.

A fraternidade nas relações humanas possui amparo jurídico, que apesar de ter sido esquecido e confundido com solidariedade, merece ênfase. De acordo com Baggio[11]:

[...] assim como o homem é por sua natureza livre e igual aos outros, não podemos ser homens fora de uma condição de fraternidade. Isso não garante de modo algum uma vida pacífica, como a história bem nos ensina, mas mede a intensidade da relação humana enquanto tal, a ontologicidade do pós-pertencimento universal. Portanto, a fraternidade, como a liberdade e a igualdade, é, a um só tempo, algo dado, porque é a realidade antropológica constitutiva do ser humano, e algo a ser conquistado, porque esses homens que são irmãos, livres e iguais, vivem na história e recriam e remoldam continuamente as próprias condições de sua existência.

A constituição de um mundo fraterno, de um Direito Fraterno, demanda pressupostos éticos. Não é possível dissociar ambas realidades humanas. Dentre as atitudes mais promissoras – e sábias[12] – desta condição é a amizade. Tanto Aristóteles quanto Sêneca, apenas para citar esses filósofos, reconheceram a importância desse terreno fértil para se desenvolver relações humanas mais promissoras e comprometidas com a paz. Sem amizade, sem essa disposição aberta e dialogal ao Outro, nenhum projeto social de convivência fraterna[13] se torna duradouro. Por esse motivo, Aristóteles destaca:

[...] A amizade parece também manter as cidades unidas, e parece que os legisladores se preocupam mais com ela do que com a justiça; efetivamente, a concórdia parece assemelhar-se à amizade, e ele procuram assegurá-la mais que tudo, ao mesmo tempo que repelem tanto quanto possível o facciosismo, que é a inimizade nas cidades. Quando as pessoas são amigas não tem necessidade de justiça, enquanto mesmo quando são justas elas necessitam da amizade; considera-se que a mais autêntica forma de justiça é uma disposição amistosa.  

Em um mundo ético, a fraternidade é demonstrada por meio da vida social, do interesse ao bem público de forma real e não manipulada, e neste dia, viveríamos em uma sociedade fraterna.

Sociedade fraterna para Silva e Brandão[14] trata-se do ‘’tipo de Sociedade construída por Pessoas Humanas estimuladas a perceber o sentido da própria existência”, a existência do ser não consiste nele próprio, mas no próximo, não há motivos em viver e se proclamar ético, se não estivermos pautados sob o princípio da alteridade.

Nesse caso, o caminho para uma vida humana genuinamente humana demanda, antes, esse olhar interior para a nossa morada habitual, aos nossos valores e identificar a sua conexão com o tempo presente e as condições necessárias para a sua execução e viabilidade. É um desafio? Sim! Difícil? Muito. Impossível? Não, pois esse é o retrato daquilo que nos caracteriza como seres em permanente aperfeiçoamento e mutação. Eis o sentido de nossas esperanças sensatas num mundo absolutamente insensato.


Notas e Referências:

[1] A categoria em estudo, sob a filosofia de Scheler, denota unidade de vivência e resultado. Para esse filósofo, ressentimento é a repetição de um viver como uma reação de resposta emocional contra algo ou alguém. Trata-se, geralmente, de sentimentos de profunda mágoa ou ofensa, cujo “sempre-de-novo-através” ocasiona atitudes de violência e vingança, por exemplo. SCHELER, Max. A reviravolta dos valores. Tradução de Marco Antonio dos Santos Casanova. Petrópolis, (RJ): Vozes, 1994, p. 45.

[2] SCHELER, Max. A reviravolta dos valores. p. 45.

[3] “[...] Cedo ou tarde, começaremos a procurar intensamente e por nossa própria vontade uma orientação confiável de ‘pessoas do saber’. Se pararmos de confiar em nosso próprio julgamento, iremos nos tornar sensíveis ao medo de estar errados; chamamos o que receamos de pecado, medo, culpa ou vergonha – mas, seja qual for o nome, sentimos a necessidade da mão útil do perito para nos trazer de volta ao conforto da segurança. Trata-se de um medo tal que se amplia a dependência da especialização. Contudo, uma vez que ela se estabeleceu e fincou raízes, a necessidade de especialização ética torna-se ‘autoevidente’ e sobretudo autorreproduzida”. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e holocausto. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 42.

[4] PLATÃO. A República. Livro VII, p. 296-299. Disponível em: <http://www.eniopadilha.com.br/documentos/Platao_A_Republica.pdf> Acesso em: 12 Jan. 2017.

[5] “Com a negligencia moral crescendo em alcance e intensidade, a demanda por analgésicos aumenta, e o consumo de tranquilizantes morais se transforma em vício. Portanto, a insensibilidade moral induzida e maquinada tende a se transformar numa compulsão ou numa ‘segunda natureza’, uma condição permanente e quase universal – com a dor moral extirpada em consequência de seu papel salutar como instrumento de advertência, alarme e ativação. Com a dor moral sufocada antes de se tornar insuportável e preocupante, a rede de vínculos humanos composta de fios morais se torna cada vez mais débil e frágil, vindo a se esgarçar. Com cidadãos treinados a buscar a salvação de seus contratempos e a solução de seus problemas nos mercados de consumo, a política pode (ou é estimulada, pressionada e, em última instância, coagida a) interpelar seus súditos como consumidores, em primeiro lugar, e só muito depois como cidadãos; e a redefinir o ardor consumista como virtude cívica, e a atividade de consumo como a realização da principal tarefa de um cidadão”. BAUMAN, Zygmunt; DONSKIS, Leonidas. Cegueira moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2014, p. 24.

[6] “[...] Os alicerces da solidariedade social e da responsabilidade comunal foram sabotados, a ideia de justiça social comprometida, a vergonha e a condenação social conectadas à cobiça, à rapacidade e ao consumo ostensivo foram removidas e recicladas em objetos de admiração pública e de culto à celebridade. [...] Mas a sublevação cultural agora adquiriu alicerces sociais próprios, nos moldes de uma nova formação social: o precariado”. BAUMAN, Zygmunt; DONSKIS, Leonidas. Cegueira moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. p. 78.

[7] NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 61.

[8] “A excelência moral, então, é uma disposição da alma relacionada com a escolha de ações e emoções, disposição esta consistente num meio termo [...] determinado pela razão”. ARISTÓTELES. Ética a nicômacos. Tradução de Mário da Gama Cury. 3. ed. Brasília: Editora da UNB, c1985, 1999, par. 1107 a.

[9] “Chamamos aquilo que é mais digno de ser perseguido em si mais final que aquilo que é digno de ser perseguido por causa de outra coisa, e aquilo que nunca é desejável por causa de outra coisa chamamos de mais final que as coisas desejáveis tanto em si quanto por causa de outra coisa, e portanto chamamos de absolutamente final aquilo que é sempre desejável em si, e nunca por causa de algo mais. Parece que a felicidade, mais que qualquer outro bem, é tida como este bem supremo, pois a escolhemos sempre por si mesma, e nunca por causa de algo a mais; [...] Logo, a felicidade é algo final e auto-suficiente, e é o fim a que visam as ações”. ARISTÓTELES. Ética a nicômacos. par. 1097 a e 1097 b.

[10] PASOLD, Cesar Luiz. Ensaio sobre a Ética de Norberto Bobbio. Florianópolis: Conceito Editorial,2008, p. 26.

[11] BAGGIO, Antonio Maria (organizador). O Princípio esquecido/1: A fraternidade na reflexão atual das ciências políticas. Vargem Grande Paulista: Cidade Nova, 2008. P. 128.

[12] “O sábio, ainda que consiga vencer as paixões, esclarecer sobre si e os fenômenos por meio da Razão, exercer a Virtude habitualmente, precisa de amigos. A Amizade, conforme o pensamento desse filósofo, precisa ser praticada não apenas nos casos de enfermidade, necessidade ou quando sua Liberdade sofrer ameaça. Caso o(a) pretenso(a) amigo(a) aja conforme essas características, não se trataria de Amizade, porém de ‘interesse circunstancial’. Essa ação não pode ser considerada virtuosa, tampouco conduzir para uma vida feliz”. AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Fronteiras planetárias: a busca da raciovitalidade amistosa e sustentável para a sociedade-mundo. Revista Novos Estudos Jurí­dicos, v. 19, n. 2, jul. 2014, p. 439. Disponível em: «http://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/6014/3290». Acesso em 16 de jan. de 2017.

[13] “Fraternidade, nesse contexto, implica compreender as dificuldades e a Complexidade para se criar os vínculos de proximidade e Responsabilidade entre todos no âmbito local, regional, nacional, continental ou planetário. Não basta ser humano, mas é preciso desenvolver o sentimento de filiação (e proximidade) à Humanidade71 junto com todos os seres vivos que habitam o território terrestre. Insiste-se: a referida categoria é uma sinfonia (sempre) inacabada cuja composição ressoa, também, no Direito”. AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. Fronteiras planetárias: a busca da raciovitalidade amistosa e sustentável para a sociedade-mundo. Revista Novos Estudos Jurí­dicos, v. 19, n. 2, jul. 2014, p. 449. Disponível em: «http://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/6014/3290». Acesso em 16 de jan. de 2017.

[14] BRANDÃO, Paulo de Tarso; SILVA, Ildete Regina Vale. Constituição e Fraternidade: O valor normativo do Preâmbulo da Constituição. Curitiba: Juruá, 2015. p. 151.


maykon-fagundes-machado. . Maykon Fagundes Machado é Acadêmico de Direito do 4° período. UNIVALI. Pesquisador Bolsista PIBIC/ CNPq. Realiza atualmente estágio profissional em escritório de advocacia. E-mail: maykonfm2010@hotmail.com. .


Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino. Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino é Mestre e Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) – Mestrado – do Complexo de Ensino Superior Meridional – IMED.

E-mail: sergiorfaquino@gmail.com.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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