A constitucionalização do direito civil e a proibição do retrocesso

20/10/2023

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

A constitucionalização do direito civil é um fenômeno jurídico que desafia a forma como as sociedades modernas abordam questões legais relacionadas aos direitos e deveres dos cidadãos. Como diz o professor Paulo Lôbo (2004)[1] “é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil, que passam a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da legislação infraconstitucional”.

Em outras palavras, refere-se ao processo pelo qual a Constituição Federal passa a desempenhar um papel cada vez mais central na moldagem e interpretação das normas legais que regem as relações civis, especialmente do Código Civil. É uma resposta à complexidade e à evolução das sociedades modernas.

À medida que as sociedades se tornam mais diversificadas e interconectadas, as questões relacionadas aos direitos e deveres dos cidadãos se tornam mais intrincadas. Os sistemas jurídicos que anteriormente eram baseados principalmente em códigos civis e leis infraconstitucionais passam a incorporar os princípios e valores consagrados nas constituições, uma vez que, a partir deles que todo o ordenamento jurídico deve ser desenvolvido.

Essa mudança de paradigma tem como objetivo garantir que os direitos fundamentais e os princípios constitucionais sejam observados em todas as áreas do direito, em especial do direito civil. A constitucionalização do direito civil busca, assim, fortalecer a proteção dos direitos individuais previstos na Constituição e, consequentemente, promover a justiça social pretendida pelo legislador constituinte.

Nesse contexto, o princípio da proibição do retrocesso emerge como um dos principais instrumentos para a prática dessa constitucionalização.

Afinal de contas, ele implica que, uma vez que um direito ou garantia tenha sido reconhecido e assegurado pela Constituição, é vedada qualquer ação que reduza ou elimine esses direitos, a menos que haja uma justificação legítima e proporcional para fazê-lo. Em outras palavras, a proibição do retrocesso procura evitar que as conquistas alcançadas na proteção dos direitos civis sejam desmanteladas sem uma razão convincente.

Na prática, tanto o referido princípio, quanto a constitucionalização, são de suma importância e devem ser constantemente reforçados pelos operadores do direito, especialmente nos casos em que mudanças legislativas ou políticas ameaçam prejudicar direitos fundamentais.

A exemplo disso, vimos que, mesmo após o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011, de forma unânime, equiparar as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como um núcleo familiar, que posteriormente também possibilitou o casamento homoafetivo no Brasil, vimos recentemente a Câmara dos Deputados voltar a discutir o tema, ameaçando retroceder em uma conquista tão importante para a sociedade.

Isso mostra que o principal desafio para a efetiva proibição do retrocesso e constitucionalização do direito civil reside na necessidade de garantir que o tema não seja apenas uma aspiração teórica, discutida apenas no âmbito acadêmico, mas algo que se traduza em resultados concretos na vida das pessoas. Isso requer a implementação eficaz das decisões judiciais e a conscientização sobre os direitos constitucionais.

Em síntese, a constitucionalização do direito civil e a proibição do retrocesso são conceitos interligados que desempenham um papel crucial na proteção dos direitos individuais nas sociedades modernas. Refletem a evolução das normas legais para se adaptarem às complexidades das relações civis e buscam garantir que os direitos e garantias consagrados nas constituições sejam mantidos e fortalecidos ao longo do tempo.

Por outro lado, também existem muitos desafios práticos e interpretativos, destacando a necessidade contínua de debate e reflexão sobre como melhor proteger os direitos civis em uma sociedade em constante evolução.

 

Notas e referências

[1] LOBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. IBDFAM, 2004. Disponível em https://ibdfam.org.br/artigos/129/Constitucionaliza%C3%A7%C3%A3o+do+Direito+Civil#:~:text=Pode%20afirmar%2Dse%20que%20a,pelos%20tribunais%2C%20da%20legisla%C3%A7%C3%A3o%20infraconstitucional.

 

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