A configuração ou não do caráter adesivo ao contrato de shopping center e aos instrumentos complementares: um dissenso em relação a lógica do contrato de consumo – Por João Carlos Adalberto Zolandeck

21/09/2017

O artigo antecedente abriu uma nova série na coluna “direito empresarial e análise econômica” para tratar dos contratos empresariais, iniciando-se com o contrato de shopping center, a partir da identificação dos sujeitos, direitos, deveres e obrigações.

Naquela oportunidade algumas indagações foram feitas, cabendo aqui tratar sobre a aplicação ou não do caráter adesivo ao contrato de shopping center e aos instrumentos jurídicos complementares. Por complementares, destacam-se o regimento interno e a escritura declaratória de normas gerais estabelecidas pelo empreendedor proprietário, aos quais adere o lojista no momento da formalização do pacto principal.

Pretende-se dar um enfoque um pouco diferente da insistente tese que busca aplicar premissas ou princípios do Código de Defesa do Consumidor ao tipo especial de relação jurídica.

A situação peculiar está diretamente relacionada ao entendimento do negócio de shopping center, o que motivou o conteúdo orientativo do artigo anterior. Assim, mesmo que consideremos a hipótese de discutir o caráter adesivo dos pactos nesse tipo de relação contratual, tipicamente empresarial, ficará evidente que, pelas características do negócio, não se aplicam, de maneira alguma, ao contrato de shopping, a legislação consumerista e os princípios gerais sustentados pela vulnerabilidade e hipossuficiência.

Entende-se por contrato de adesão aquele em que uma das partes simplesmente adere ao contrato sem a possibilidade de discussão prévia sobre o conteúdo unilateralmente determinado. Aderir a um contrato não significa desvincular-se do compromisso, mas apenas que tal instrumento terá uma leitura reflexiva no contexto da vulnerabilidade e hipossuficiência, como ocorre, por exemplo, com a contratação de um plano de saúde individual, em que tem lugar a aplicação do CDC.

A lógica do contrato de shopping não é essa, considerando que o lojista tem força equiparada na fase pré-contratual, bastando pôr em prática o poder de barganha que detém, variável de acordo com a atividade, características da loja e do espaço que irá locar. Tal negociação repercutirá nas contraprestações existentes, não para suprimi-las, mas para ajustá-las de acordo com os interesses comuns.

Abrindo um parêntese ao artigo anterior, ao me referir às contraprestações assumidas pelo lojista em contratos de shopping, não foi com o objetivo de afugentar o lojista, mas desencorajar a aventura, pois empreender significa assumir riscos. Isto porque o lojista bem sucedido terá uma extraordinária rentabilidade, considerando a força atrativa do centro de compras (shopping center) diante do arranjo em que se apresentam as lojas-âncora, semi-âncora, megalojas, de conveniência, serviços, entretenimento (cinema, teatro, outros) e gravitam as lojas satélite.

Isso tudo reunido em um mesmo espaço deixará o ambiente atrativo por natureza e na essência, alterando a visão sobre as contraprestações, que passam a ser modestas em relação ao lucro auferido pelo lojista, em um negócio que possui cada vez mais expressão no BIB brasileiro.

Retomando o assunto dedicado, entende-se que o contrato de shopping center não possui o caráter adesivo, considerando o fato de que o lojista participa da negociação, interferindo, inclusive, na construção e redação de cláusulas desde que isso não afete a lógica do negócio jurídico que será entabulado.

É no contrato atípico de locação e não nos instrumentos complementares que deverão estar regulados os aspectos fundamentais da relação jurídica, no que se refere às contrapartidas, reservando-se aos instrumentos complementares as obrigações de caráter geral aplicáveis a toda a comunidade de empresários que participam do empreendimento, sejam lojistas ou proprietários.

Chega-se à primeira conclusão: o contrato de shopping não é adesivo. Caso contrário, por exemplo, seria discutível a hipótese de o lojista postular a redução da multa por inadimplemento de 10%, invariavelmente prevista, para 2%. Justificar-se-ia a pertinência sob o manto da vulnerabilidade e do caráter adesivo do contrato, buscando aplicar o CDC. Todavia, essa lógica não se aplica por duas razões: o contrato de shopping não é adesivo e o lojista não está em uma situação de vulnerabilidade, mas apenas assumindo obrigações atípicas decorrentes do tipo de negócio e do princípio da vontade de contratar por interesses que lhes são próprios.

A multa de 10% que se aplica tanto para o aluguel como para as demais obrigações pecuniárias inadimplidas, justifica-se pelas consequências que o inadimplemento gera para a comunidade de empresários que integram um determinado shopping, sejam eles lojistas ou proprietários, pois são muito mais severas, por exemplo, ao responderem todos pelo lojista inadimplente em relação às despesas incorridas (encargos de locação), pois farão frente, por rateio, aos valores não pagos.

Percebe-se que se trata de uma unicidade de interesses e todos estão em busca do sucesso global, pois o sucesso de todos a todos aproveitará.

Por outro lado, em relação aos instrumentos complementares, apesar de estarem diretamente relacionados ao contrato atípico em uma relação de íntima dependência, poder-se-ia admitir uma inflexibilidade maior para negociar ou alterar as premissas lá estabelecidas. Mas apenas a dificuldade, a inflexibilidade ou a defesa quanto à adesividade de tais instrumentos não bastam para revisar ou alterar o regimento interno ou as regras entabuladas na escritura declaratória de normas gerais, pois as obrigações ali estabelecidas são de trato comum, aplicáveis, inclusive, ao proprietário empreendedor.

Assim, por exemplo, caso, no contrato atípico de locação, fique convencionada a proibição de instalação de uma loja num raio de 2 km de distância do shopping e, nos instrumentos complementares, unilateralmente, altere-se o raio para 3 km, tal fato não é passível de revisão, porque o contrato ou os instrumentos complementares teriam caráter adesivo, mas por revelar-se uma contradição entre o que foi pactuado no contrato e o que foi regulado nos instrumentos complementares. A cláusula de raio está diretamente relacionada à defesa da concorrência e será tratada em artigo futuro.

Chega-se a uma segunda conclusão: os instrumentos complementares, quando revelarem condição destoante em relação ao contrato atípico de locação são passíveis de revisão, todavia, o intérprete deverá ter em mente a lógica do negócio em shopping, pois não é qualquer obrigação que estará suscetível a revisão, ainda mais por se tratar de normas gerais aplicáveis a uma comunidade de empresários vinculados ao empreendimento. Por exemplo, a obrigação de aderir à Associação de Lojistas é uma regra à qual adere o lojista, mas em seu próprio benefício, portanto nenhuma condição se revela suficientemente hábil para suprimir tal obrigação.

Ao se interpretar a lógica do negócio jurídico resta irrelevante a defesa do caráter adesivo do contrato, pois não se trata apenas da ocupação de um espaço, mas da inserção em uma estrutura complexa e organizada, onde os sujeitos (empreendedor proprietário e lojista) são senhores de suas razões e estão em pé de igualdade, não havendo que se falar em inexperiência deste ou daquele.

Identificar um caso concreto auxilia a contextualização do entendimento, cabendo citar um julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:

“Crédito locatício (...). Contrato de locação atípico (art. 54 da Lei 8.245/91). Inaplicabilidade do CDC. Aluguel variável, de valor mínimo, e pagamento em dobro no mês de dezembro. Previsão contratual. Fundo de promoção destinado à propaganda em benefício da locatária. Cobrança devida. Nulidade de cláusulas inocorrente. Benfeitorias. Retenção ou indenização não autorizadas. Apelo improvido”[1].

Como visto na ementa acima, o julgador, ao declarar a inaplicabilidade do CDC ao caso concreto, reconhece que não há vulnerabilidade de uma parte em relação à outra, prestigiando a liberdade de contratar. É uma decisão eminentemente racional dentro das premissas da análise econômica do direito, pois foram levados em conta os impactos que uma decisão em sentido contrário acarretaria ao setor.

É evidente que o contrato de shopping, assim como o contrato built to suit[2] e outros contratos especiais foram pensados a partir do negócio. Nesse último, por exemplo, desde que pactuado, é vedado pleito revisional, limitando-se, portanto, o próprio acesso à justiça — confira-se em notas o dispositivo legal. É para tais questões que se quer chamar a atenção, objetivando voltar os olhos para a grande massa de ações judiciais que visam discutir o contrato em espécie sob o enfoque consumerista, o que leva o empresário, muitas vezes à ruína, por ter desviado o foco do negócio para a judicialização.

É evidente que o lojista poderá discutir questões pertinentes em relação ao pacto no caso concreto, mas não pela lógica do consumidor, como se hipossuficiente fosse, em uma relação tipicamente empresarial.

O contrato nasce da liberdade de contratar para atender o segmento, a partir do negócio, e salvaguardar o fundo de comércio de que participam o empreendedor proprietário e o empreendedor lojista.

Cabe, aqui, desde logo, discordar plenamente da tentativa de regulação do contrato de shopping pela proposta de alteração do código comercial. Caso isso venha a ocorrer, espera-se a compreensão do negócio pelo legislador, resumida num dispositivo para tratar dessa relação, de modo a preservar a autonomia da vontade, mantendo, portanto, o contrato como o principal instrumento de regulação da vida social; não a lei, mas o contrato, minimizando a participação e a influência do poder público, fortalecendo, em última análise, o lojista, o proprietário e o consumidor.

O objetivo deste artigo é contribuir para uma reflexão cada vez mais candente, no sentido de que o julgador detém elementos do próprio contrato, do próprio negócio e as peculiaridades do caso concreto para resolvê-lo, sem a necessidade de invocar regras do CDC ou valer-se de uma interpretação distorcida sobre o caráter adesivo para conferir imperfeição ao pacto e submetê-lo a revisão ou nulidade, considerando que o empresário,  ao contratar, possui experiência e consciência de que, nesse modelo de negócio, tanto o contrato como os instrumentos complementares possuem regras gerais e específicas de observação obrigatória para a própria sobrevivência dessas relações.


Notas e Referências:

[1] TJSP. Apelação 0408024-55.2009.8.26.0577. Relator: Dyrceu Cintra. Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado. Foro de São José dos Campos - 6ª. Vara Cível. Data do Julgamento: 19/01/2012. Data de Registro: 19/01/2012.

[2] Lei n. 8245/91. Art. 54-A: Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei. § 1o  Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação. § 2o  Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação.


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